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Ilustração de Isabela Durão

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5 dicas

Como amar de novo após um fim traumático

Reconhecer o luto, cuidar do corpo e da mente e cultivar vínculos seguros são passos essenciais para se relacionar depois de uma experiência dolorosa

Ana Elisa Faria 08 de Junho de 2025

Como amar de novo após um fim traumático

Ana Elisa Faria 08 de Junho de 2025
Ilustração de Isabela Durão

Reconhecer o luto, cuidar do corpo e da mente e cultivar vínculos seguros são passos essenciais para se relacionar depois de uma experiência dolorosa

Fins de relacionamentos são, por si só, experiências dolorosas de perda. Mas quando o término de um casinho, de um namoro ou de um casamento envolve traição, um rompimento abrupto, abuso, abandono ou mesmo a morte de um dos membros do casal, o impacto pode ser tão profundo que abala a noção de amor, a conexão com a gente mesmo e a autoconfiança. Nesses casos, voltar a amar não é apenas um gesto romântico. Trata-se de um movimento de reconstrução emocional.

“A volta para quem somos precisa passar por um processo de reconexão, de reconhecimento”, conta a psicóloga Ediane Ribeiro, especialista em trauma.

A psiquiatra e professora Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ProSex–FMUSP), compartilha que o fim traumático pode deixar sequelas como perda do desejo, raiva, depressão e uma busca desesperada por uma substituição afetiva. E é por esse motivo que fingir que o sofrimento do luto não existe ou tentar preencher o vazio imediatamente com um amor novinho em folha tende a levar a escolhas impulsivas, ruins e a relações frágeis ou tóxicas.

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Para o psicólogo Ailton Amélio da Silva, terapeuta de casais e professor aposentado do Instituto de Psicologia da USP, muitas pessoas saem de parcerias românticas conturbadas com receio de se entregar de novo. “Elas generalizam a experiência negativa, achando que todos os relacionamentos são iguais, e se fecham. Com acolhimento, escuta e experiências graduais de segurança, esse medo pode ser dissolvido.”

Para ajudar na recuperação de corações partidos, Gama reuniu cinco caminhos para voltar a amar com mais autoconhecimento, leveza e segurança.

  • 1

    Dê tempo à tristeza e saiba que toda ruptura é um luto –
    Perder alguém com quem se construiu uma história afetiva-sexual, seja ela longa ou curta deixa uma dor e um grande vazio que precisa ser reconhecido. A tristeza profunda, nesse contexto, não acontece apenas pela ausência da pessoa, mas pelo que foi vivido ao lado dela: planos, hábitos, viagens, situações, sentimentos, versões de si. “Tudo o que é perdido precisa de um tempo de luto”, afirma a psiquiatra Carmita Abdo. A psicóloga Ediane Ribeiro completa: “Qualquer ruptura de relacionamento sempre vai envolver algum tipo de luto”. Segundo Abdo, é por isso que negar esse sofrimento ou tentar preenchê-lo imediatamente com um amor novinho em folha pode levar a escolhas impulsivas, ruins e a relações frágeis ou tóxicas. “Se não fechamos verdadeiramente a relação anterior, o novo envolvimento vira um substituto. É algo que, simbolicamente, eu coloquei no lugar. Ele não existe por si, é uma substituição”, explica a doutora. Ela recorda ainda que esse período de enlutamento não é igual para todos e nem linear; cada indivíduo vai saber o tempo necessário para começar a olhar novamente para alguém com intenções amorosas de maneira saudável. A médica comenta que, nesses momentos de mágoa, é normal encontrar pessoas “interessantes” e “apaixonantes” à primeira vista. “Não significa que, por estar vivendo o luto, eu tenha de me fechar para qualquer outro início de relacionamento. No entanto, é bem comum a gente se encantar por alguém, já que isso ameniza muito a dor, e esse alguém não ser tão encantador assim, como vemos hoje, porque estamos fragilizados e, muitas vezes, destruídos.” Portanto, o conselho é dar tempo ao tempo, ao luto e à tristeza, antes de mergulhar de cara numa paixão. “As relações saudáveis são aquelas que não vêm para compensar outra, são relacionamentos que existem por si, são independentes, e nascem da empatia real que a gente tem por alguém, e não da necessidade de aconchego, consolo e suporte”, diz Abdo.

  • 2

    Identifique os sinais do trauma e reconecte-se com você –
    Muitas vezes, é difícil perceber que os efeitos de um relacionamento ruim que acabou continuam agindo sobre nós — na forma como sentimos e nos relacionamos. Conforme Ediane Ribeiro, o trauma amoroso é capaz de gerar sintomas similares aos do transtorno do estresse pós-traumático, como insônia, crises de ansiedade, medo desproporcional de confiar, pensamentos intrusivos, pesadelos, evitação de tudo que lembre a relação anterior, sensação constante de ameaça, ou até uma anestesia emocional, um bloqueio das emoções. “O trauma não é o evento em si [como um rompimento, por exemplo]. O trauma são as marcas que esse evento deixa dentro de nós e como ele interage com toda a bagagem de vida. Mesmo um término que não envolva um episódio específico e dramático, é um término que pode ser traumático pela ruptura de um vínculo de afeto”, desenvolve a psicóloga. Esse estado, de acordo ela, pode provocar uma “desconexão de nós mesmos”. É como se nos desconectássemos das nossas necessidades e daquilo que sabemos e acreditamos sobre nós. Assim, identificar esses sinais é um passo que ajuda a impedir que a dor não processada se transforme em padrões de proteção que, com o tempo, isolam ainda mais a pessoa da possibilidade de viver novas histórias de amor. “É por esse motivo que a volta para a nossa casa, para quem somos, precisa passar por um processo de reconexão, de reconhecimento”, fala. O caminho para a cura, elucida Ribeiro, é também corporal. “O corpo sustenta as nossas emoções. Se eu tenho um organismo menos inflamado, porque o trauma é uma sustentação de estresse que gera inflamação física, mais eu tenho um campo melhor para o processamento das minhas dores emocionais e para a sustentação das minhas emoções.” A profissional reforça que esse autocuidado passa por aspectos objetivos e concretos: “Dormir bem, praticar atividade física, comer balanceadamente e cuidar das emoções.”

  • 3

    Faça coisas que você sempre gostou, mas tinha deixado de lado –
    Após uma experiência a dois com um fim traumático, é comum que a autoestima e o autoconhecimento saiam abalados da relação — como vimos na dica acima. Nesse quesito, a recomendação é investir em um processo de reencontro com desejos, prazeres e limites pessoais. “Muitas pessoas percebem, após um término, que deixaram de dançar, de sair, de fazer coisas que amavam e davam satisfação”, aponta Ediane Ribeiro. E voltar a essas atividades é essencial para resgatar o que traz sentido para a vida, além de ajudar a fortalecer os próprios valores. A psicóloga indica algumas perguntas para se fazer nesse período, como “quem eu era antes desse relacionamento?”, “o que eu gosto?”, “o que eu não gosto?”. “A gente se modifica com as relações, mesmo as que terminaram de forma dolorosa. É importante olhar para as possibilidades de amadurecimento, aprendizado ou crescimento que esse relacionamento trouxe. São caminhos que vão ajudando no processamento da dor. E na abertura para novos relacionamentos”, lista Ribeiro.

  • 4

    Invista nos seus vínculos de segurança –
    As amizades de longa data, os colegas de trabalho e as relações familiares são fundamentais para a reconstrução afetiva. Ter uma rede de apoio, mesmo que pequena, pode ajudar a recuperar a sensação de pertencimento e a experimentar novamente relações baseadas em cuidado, amor, reciprocidade e respeito, além de dar uma base para namoros ou casamentos futuros mais saudáveis e menos idealizados. Para Ediane Ribeiro, que é especialista em trauma, esses vínculos também funcionam como um treinamento emocional. “Depois de um rompimento, a abertura para questões como confiança e dependência não necessariamente vai acontecer no próximo relacionamento amoroso. A gente vai treinando com amigos, no ambiente profissional e com a família esses elementos que compõem um relacionamento saudável: o estabelecimento de limites claros e inegociáveis, a intimidade e a possibilidade de confiar de novo.”

  • 5

    Não descarte a terapia. Ela ajuda a restaurar a confiança nas relações –
    Nem todo mundo consegue se recuperar de um coração partido traumatizado sozinho. Nesses casos, a dica certeira é a busca por um profissional. “A terapia é um relacionamento especializado que ajuda a restaurar a confiança nos vínculos. É ter alguém que nos auxilia a visitar nossas dores em amparo”, descreve Ediane Ribeiro. Para Carmita Abdo, esse acompanhamento pode ser crucial, sobretudo quando o tempo passa e o indivíduo não consegue sair da tristeza. “Às vezes, a pessoa entra numa depressão profunda e, mais até do que uma terapia, ela vai necessitar de uma avaliação psiquiátrica e talvez até de medicação.” O terapeuta Ailton Amélio destaca que, para muitos, o temor de repetir uma história de traição ou violência paralisa. “Com acolhimento, escuta e experiências graduais de segurança, esse medo pode ser dissolvido”, relata.

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