Ana Suy: “Se separar de alguém é mudar toda a vida” — Gama Revista
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Conversas

Ana Suy: "Se separar de alguém é mudar toda a vida"

A psicanalista, que acaba de lançar um livro sobre a relação entre amor e solidão, mapeia o que acontece com a nossa cabeça e coração quando o sentimento pelo outro chega ao fim

Luara Calvi Anic 15 de Maio de 2022

Ana Suy: “Se separar de alguém é mudar toda a vida”

Luara Calvi Anic 15 de Maio de 2022
Getty Images/Peter Dazeley

A psicanalista, que acaba de lançar um livro sobre a relação entre amor e solidão, mapeia o que acontece com a nossa cabeça e coração quando o sentimento pelo outro chega ao fim

Há quem tenha certeza de que, se encontrar um amor, vai se livrar da solidão. Há aqueles que até encontraram um certo alguém, mas ainda assim seguem insatisfeitos. Tem também os que preferem um relacionamento falido a enfrentar a separação e a iminência de uma vida solitária.

Para a psicnalista Ana Suy, a verdade é que “não há amor que nos livre da solidão”. Ela explica que somos seres faltantes e que essa história de encontrar a outra metade da laranja não faz sentido, que o outro nunca vai nos preencher totalmente.

“Com frequência, pensamos que, no amor, encontraríamos a parte que supostamente nos falta, a parte que nos livraria da nossa própria falta, a parte que nos preencheria. No entanto, ao encontrar um amor, a gente não encontra a parte que nos faltava até então. A gente encontra a metade que fará falta a partir dali”, ela escreve no lançamento “A Gente Mira no Amor e Acerta na Solidão” (Paidós, 160 pág., R$ 44,90).

E quando nos separamos, a sensação de vazio muitas vezes é grande porque perdemos não apenas o outro, mas também o que fomos para essa pessoa. “Quando amamos alguém, a gente ama quem a gente é para esse alguém. Quando deixa de amar, esse alguém desaparece simbolicamente, e com isso desaparece quem eu era para o outro. Eu me perco junto com a perda do amor”, ela diz a Gama.

Para Suy, que é pesquisadora, autora de uma série de livros sobre amor e maternidade, professora da Puc-PR e uma voz ativa nas redes, com 183 mil seguidores no Instagram, há um lado bom nessa impossibilidade de encontrar o par perfeito: a oportunidade de usufruir da solidão, sentimento que no livro ela busca associar a algo positivo.

“A solidão é uma coisa muito preciosa. E eu não tô falando do desamparo, de alguém que não tem ninguém com quem contar, não tem ajuda. Mas daquilo que muitos chamam de solitude e que tem uma certa experiência muito interessante, muito gostosa, e que pode se aproximar da solidão de um outro. É disso que se trata a experiência amorosa”, ela diz. “É preciso que nos sintamos a sós com a gente mesmo para nos dirigirmos ao outro e amá-lo.”

Na entrevista que você lê a seguir ela fala de amar, de separar e de como a solidão está presente em ambas situações.

É preciso que nos sintamos a sós com a gente mesmo para nos dirigirmos ao outro e amá-lo

  • G |O título do seu novo livro é “A Gente Mira no Amor e Acerta na Solidão”. Poderia falar um pouco dessa afirmação?

    Ana Suy |

    É a ideia de que o amor não nos livra da solidão, de sermos quem somos. A gente tem essa fantasia de que o amor vai mandar embora as nossa faltas, nossos mal-estares. Às vezes até faz isso mesmo, mas é provisório. Então de todo modo, em algum momento, a gente se reencontra e é melhor que não demore tanto. Essa noção de amor e solidão que eu quis colocar junto é porque às vezes a gente pensa o amor numa ponta e a solidão na outra. Como se a solidão fosse sobre algo que deu errado, desamparo, sofrimento. E o amor como o reino maravilhoso das pessoas que deram certo, que não têm faltas, que não têm problemas, que não têm solidão. A ideia é poder equivocar um pouco essas duas pontas.

  • G |Essa fantasia acontece na fase da paixão? Quando nos damos conta de que a solidão continua em nós?

    AS |

    Eu penso que na fase da paixão estamos muito apaixonados sobretudo por nós mesmos. A paixão é bastante narcísica, a gente ama ser amado. Quando o outro me ama, ele me dá notícias de que eu sou amável. E aí alguma coisa acontece. Tem essa história de que a gente não sabe se um casal vai dar certo até a primeira briga. É quando a solidão vai então dar notícias que um é um e outro é outro. Por mais que eles estejam apaixonados, um não é o outro. Na medida em que encontramos com a solidão no meio da paixão é que podemos ou não chegar a alguma coisa da ordem do amor. Mas isso não depende só de uma ou outra pessoa e nem é uma decisão consciente, é uma coisa que nos atravessa lá onde não sabemos como é que funciona.

  • G |No geral, associa-se separação com solidão. É como se a separação de alguma maneira fosse essa porta de entrada para esse sentimento. Por que há esse medo de ficarmos sozinhos?

    AS |

    A gente cresce escutando como se a solidão fosse um lugar muito maldito. Você fala para criança “você vai ficar sozinho, ninguém vai querer brincar com você”. As meninas adolescentes muitas vezes escutam dos pais, especialmente da mãe, “se você for assim ninguém vai te querer, vai ficar sozinha”. Se inscreve para nós de que demos certo na vida, com todas as aspas, se tem alguém que nos ama. Se o outro me ama, ele me dá notícias de que tá tudo bem comigo, se o outro não me ama eu tenho algum problema, e se eu não amo o outro também tem alguma coisa errada aqui, porque preciso amar alguém. A gente vive muito atravessado por essa lógica de fazer parzinho, de encontrar com a metade da laranja, a tampa da panela, a alma gêmea. Quando alguma separação acontece, é preciso pensar “tá se separando do que?, o que tá em jogo, que luto é esse”. Eu tendo a pensar que é um luto que se vive pelo relacionamento que chegou ao fim, que não necessariamente não deu certo. Que deu certo por um tempo e não deu mais. Mas isso sabemos racionalmente, o que sentimos é outra coisa. A gente tem essa inscrição de que se é amor é para sempre, se acabou é porque não era amor, e isso não é verdade.

  • G |O que impede, na sua opinião, que as pessoas se separem? Qual o maior medo que se costumar ter antes de tomarmos essa atitude?

    AS |

    Tem muitas camadas. Sendo mais prática, toda a camada da vida acontecendo: filhos, divisão de tarefas, divisão de contas, divisão de bens. Tem isso tudo implicado de uma forma muito prática. Há ainda o amor em várias vertentes, o amor-amizade, a parceria que une porque um gosta muito da família do outro, porque eles têm os amigos em comum. Porque separar de alguém é mudar toda a vida, não é só romper aquele relacionamento. E tem também o fato de que a gente tende a pensar que as pessoas ficam juntas por amor, mas às vezes elas ficam juntas por ódio também. Por exemplo um pensamento assim: “Fiquei muito tempo com essa pessoa e não é agora que eu vou liberar ele ou ela para ficar com outro”.

  • G |Há quem diga que não pede o divórcio por causa dos filhos. O que você pensa sobre isso?

    AS |

    Não acho que seja possível um casal ficar junto só por causa dos filhos. É possível que eles digam, que até pensem que seja por causa disso, mas não acho que seja. Seria uma responsabilidade imensa para um filho carregar nas costas a infelicidade do pai ou da mãe. É muito melhor para a criança quando ela pode experienciar a possibilidade que cada um dos pais têm de extrair alegria da vida a partir da chance de modificar, da coragem de enfrentar as adversidades, do que pais que fazem pacto colocando para ela toda a responsabilidade disso. E aí cabe à criança responder a uma dívida que não é dela.

  • G |A chegada dos filhos muda a relação e pode levar ao divórcio. Por que isso acontece e como atentar para que não afete negativamente esse casal?

    AS |

    Explode tudo quando uma criança chega, porque nada do que funcionava até então continua funcionando do mesmo jeito. O que não quer dizer que o casal não vá encontrar outras formas, mas não é mais aquela. A experiência para uma mulher de se tornar mãe modifica quem ela é enquanto mulher, a experiência de um homem que se torna pai modifica quem ele é enquanto homem. Dei o exemplo é de um casal hétero, mas independentemente disso. Tem o fato de que a gente enquanto pai e mãe, ao se tornar um cuidador, vai precisar se identificar com a criança para poder amá-la. Reviver nossas perebas, tudo aquilo que ficou com a ponta solta quando éramos bebês, questões transgeracionais que a gente nem sabe que carrega. Se você está na relação com o cara que se torna pai, por exemplo, isso também te convoca a pensar quem é o seu pai, de que jeito ele agiu e colocar expectativas sobre esse homem que é o pai do seu filho. E o pai também vai estar se deparando com uma mulher que se transforma em mãe e que vai dar notícias da mãe dele, e aí a gente tem um outro problema, porque a mãe é santa [risos]. Como é que faz para ter acesso à vida sexual? Por isso explode. E tem a criança, com todas as suas singularidades, que também exige muito.

  • G |Você fala no livro sobre cada parte do casal se dividir entre um ser sexual e outro materno/paterno. Como os casais podem ficar atentos à essas facetas?

    AS |

    Acho que uma questão que talvez a gente não se pergunte tanto seja sobre como é que fica a vida do casal depois do nascimento do filho. Um casal não é feito de simplesmente duas pessoas que tem uma modalidade de encontro e aí chega a criança e o casal precisa se rever. Isso significa cada um deles se rever na relação consigo mesmo e então na relação com o outro, que já não é mais aquele outro, é um outro ainda. É um buraco que vai se abrindo em muitas camadas e que vai convocando as pessoas a se depararem com questões que muitas vezes elas não tinham olhado até então. Não é como se a criança viesse para responder a uma demanda, como a de comprar uma mesa nova para sala. A criança vem desorganizar e equivocar tudo aquilo que aquelas pessoas até então sabiam sobre si, sobre o outro e sobre a vida. É sobre rearranjos e reinvenções.

  • G |Há uma maneira de ter uma separação não tóxica? O que você observa de erro comum quando as pessoas se divorciam? Como pode ser diferente?

    AS |

    Tem um ditado popular que diz “você não conhece a pessoa com quem se casou até se separar”. Quando as pessoas se separam, elas não estão se separando de quem se casaram. É outro que está aparecendo ali e que é uma pessoa para a qual estávamos cegos, mas não completamente. Com frequência ouço de quem chega a conclusão de que não dá mais para ficar junto: “Mas eu sabia que era assim porque na primeira vez que eu encontrei, porque logo que eu conheci aconteceu tal coisa, mas eu achei que ia mudar, eu deixei para lá”. A gente é cego pra certas coisas e quando vê já não consegue passar pano. Freud diz que quando o amor termina temos a impressão de que o amor vira ódio, mas que na verdade o ódio sempre esteve lá, só que o amor faz com que a gente consiga não vê-lo. O ódio fica dormindo, você consegue suportar os defeitos do outro e deixar um pouco para lá, dar uma reclamada mas fingir que não vê, e assim vai. Quando o amor já não existe, essas coisas ficam muito insuportáveis e evidentes.

  • G |Poderia explicar esse ódio a que você se refere?

    AS |

    Não é o ódio no sentido da violência sem borda, mas de quando o outro faz um negócio que você não concorda, fala uma coisa que acha um absurdo. São coisas que a gente consegue, pela via do amor, ficar um pouco cego. Quando o amor termina, não mais. Me refiro ao ódio no campo das diferenças. Quando amamos alguém, a gente ama quem a gente é para esse alguém. Quando deixa de amar, esse alguém desaparece simbolicamente, e com isso desaparece quem eu era para o outro que eu amava. Eu me perco junto com a perda do amor.

  • G |Qual a importância do luto no fim de um relacionamento e o que essa fase tem a ver com solidão?

    AS |

    A gente fala de trabalho de luto. O luto é um trabalho que cada um de nós precisa fazer, não é alguma coisa que simplesmente acontece. É uma posição de atividade, não é passivo. Não está pronto para baixar como um app. Está ligado muito à perda de quem era o outro, de quem era eu, de qual era a nossa história. Faz parte rever ponta por ponta da história a partir de uma outra perspectiva. Naquele encontro e tal aconteceu tal coisa. Vai nos convocar a rever toda a história a partir de outra perspectiva. Isso transforma a história, a história já não é mais a mesma.

  • G |Na pandemia tivemos um aumento significativo no número de divórcios no Brasil e no mundo. Qual a explicação para esse dado na sua opinião?

    AS |

    Tem várias possibilidades de se pensar, é multifatorial. Tem o fato de que na pandemia a gente ficou trabalhando em casa, eu acho que isso deixou muito evidente a diferença das tarefas domésticas, do que o homem faz, o que uma mulher faz. As mulheres estão suportando menos essas diferenças que não fazem mais sentido hoje, e que ainda replicamos com tanta frequência. Um outro ponto é que a pandemia nos deu uma chacoalhada no sentido do que você está fazendo com a sua vida. Pelo menos na bolha do home office, mudamos radicalmente de estilo de vida. Nesses tempos, tivemos de lidar com questões políticas, existenciais, de o que é a vida, até que ponto vale para cuidar dela, o que vale arriscar mais ou menos, além do próprio encontro com a radicalidade da fragilidade da vida. A pandemia nos demonstra que de repente não sabemos o que acontece. O Covid antes da vacina agia de uma forma em um organismo; e completamente diferente no outro. A proximidade da morte\ nos coloca em uma urgência. E se a partir disso um do casal faz toda uma reflexão, entra numa crise existencial, começa a fazer análise e aí se modifica muito a partir dessa experiência, e o outro tá ali desafetado disso, fica bem complicado continuar.

  • G |Você fala em “amar mal” no livro. O que isso significa?

    AS |

    Ficar muito agarrado nas nossas noções já aprendidas do que que é o amor. Amor é isso, então tem que fazer assim, se não fez então não é amor. Quando a gente acha que sabe o que é amor, isso é amar mal. É na medida em que nos deixamos atravessar pelo outro, se deixar esburacar, modificar, é que talvez a gente possa experienciar alguma coisa do amor. Que aliás não acontece o tempo todo, amor não é um negócio que está.