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Bloco de notas

10 poemas sobre amar

Uma seleção de poemas lançados em obras recentes que tratam do amor em sua delicadeza, intensidade e contradição

10 poemas sobre amar

08 de Junho de 2025
Ilustração retirada da capa do livro "Cartas de Amor", de Fernando Pessoa (Tinta da China Brasil, 2025)

Uma seleção de poemas lançados em obras recentes que tratam do amor em sua delicadeza, intensidade e contradição

  • Meu amor demorou pouco
    A sua boca na minha
    E mesmo assim fiquei louco…
    Que faria se a boquinha
    Demorasse todo o tempo
    Que eu desejava e desejo?…
    Chegava ‑se ao fim do Tempo
    Sem se acabar esse beijo.

    Um boneco de brinquedo
    Eu te dei para guardar
    Seja tarde ou seja cedo
    Que tu te vás a deitar;
    Deita ‑o na cama contigo
    Todo chegadinho a ti…

    (Isto quer dizer… Não digo…
    Fica o verso por aqui…)

    Em “Cartas de Amor” (Tinta da China Brasil, 2025), de Fernando Pessoa

  • tudo o que amei, amei numa língua impossível
    amei com palavras que viriam feridas se
    as dissesse

    Em “Noite Devorada” (Círculo de Poemas, 2025), de Mar Becker

  • o amor mora em uma certeza
    seja a de ficar
    a de ir embora
    ou a de que não é amor
    ainda assim é um sim gigante
    e não uma dúvida miúda
    no amor não há espaço para dúvidas
    de sim ou talvez
    pode dar medo de amar
    pode dar medo do que vem depois
    mas não a incerteza
    o amor não combina com o não saber
    o amor é aquilo que a gente sabe que quer
    que escolhe querer até quando não quer
    o amor é algo certeiro demais
    pra se deixar crescer uma dúvida
    é uma flecha só cravada bem no meio
    do peito que cessa
    todas as dúvidas sobre se
    era amor antes ou não
    porque agora é

    Em “O Amor Não Mora na Urgência do Outro” (Academia, 2024), de Luana Carvalho

  • EIXO

    Alguém, nessa noite, pensa em ti
    com tal força que desvia o curso da flora.
    Poderiam, ambos, retificar
    o uso dos sistemas: letra,
    número,
    intenção ou gesto nessa fração noturna,
    não são mais do que celas
    em desalinho.
    Saquem os apetrechos.
    Não importa a contenda que se arma
    — às armas.
    O que julga saber e os que julgam
    são uma esteira, apenas,
    para a mudança da flora. Nessa noite,
    em que alguém
    pensa forte em ti e absorves
    o pensamento imenso,
    nessa noite,
    o que nunca pudemos ser está pronto.

    Em “Poesia + (antologia 1985-2019)” (Editora 34, 2019), de Edimilson de Almeida Pereira

  • lembro que faltou um abraço meu naquela vez em que
    você saiu para contratar o serviço de internet banda larga
    estava chovendo e tinha que ser pelo orelhão
    a empresa de telefonia não aceitava solicitações pelo celular
    e demorou dias

    e também flores em minhas mãos na vez em que
    chegou em casa dizendo que aprendeu a andar de bicicleta
    e que o passo seguinte seria escrever
    um roteiro de minissérie que desse grana
    para a gente ser para sempre e me abraçou

    aqui ainda: passagens que não puderam ser pagas
    um restaurante onde o garçom fez tudo errado
    caixas de papelão das mudanças recíprocas
    teu mise-en-plis que jamais colou no meu cabelo
    texturas de gesso parecendo lugar para morar

    rotina, atraso espaçoso — vê, está aqui

    estamos vencendo, amor

    Em “Sanduíche de Anzóis” (Companhia das Letras, 2025), de Paulo Scott

  • ela me pergunta como é amar você
    digo que é uma mistura de aguaceiro
    com areia movediça

    imersão profunda

    é como se houvesse um sambinha tocando
    ininterrupto

    ela me pergunta como eu sei

    quero falar que te amo a cada meio segundo
    orbitar suas palavras e ouvir suas constelações

    expandir o tempo para entrelaçar devagar
    nossos quereres

    sua retina me desequilibra instantaneamente

    ela me pergunta o que isso significa

    digo que nossos espíritos se reencontram
    finalmente

    Em “Ninguém Pode Parar Uma Mulher Ventania” (Planeta, 2025), de Ryane Leão

  • Caminho

    De tanto
    cortarem caminho
    por aquele lugar
    a grama ali
    foi ficando rala
    dá até pra ver
    os pequenos trechos
    de terra batida
    também o teclado
    do computador
    está com
    as letras gastas
    algumas
    de tão usadas
    se apagaram
    acho que são
    as letras do teu nome

    Em “Pote de Mel e Outros Poemas” (Editora 34, 2025), de Leonardo Gandolfi

  • AMOR

    Vamos brincar, amor? vamos jogar peteca
    Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair
    [correndo
    Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente
    [e sem precipitação?
    Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos
    Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo
    Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto
    Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
    Fingir que hoje é domingo, vamos ver
    O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
    Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de
    [Sevignée
    Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar
    Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar
    [N. Sra. do Parto?
    Vamos, amor? vamos nos persuadir imensamente
    [dos acontecimentos vagos
    Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol
    Vamos, amor?
    — Porque excessivamente grave é a Vida.

    Em “Ao Meu Amor Serei Atento” (Companhia das Letras, 2025), de Vinícius de Moraes

  • Poema de amor

    Ainda restam algumas persianas
    e esta deixa passar umas sóbrias lembranças
    de sol, tipo para que eu possa ler
    e você dormir. Minha leitura se dilata
    com o som da sua respiração.
    No seu sono, que forma
    ganha o atrito de quando eu
    viro a página?

    Em “Tradução na Estrada”(Círculo de Poemas, 2025), de Laura Wittner

  • O amor existe

    O amor existe
    como um fogo
    para abrasar em sua beleza
    toda a feiura do mundo.

    O amor existe
    como um presente das deusas
    benignas
    aos que amam a beleza
    e a multiplicam
    como os pães e os peixes.

    O amor existe
    como um dom
    só para aquelas que estiverem dispostas
    a renunciar
    a qualquer outro dom.

    O amor existe
    para habitar o mundo
    como se fosse
    o paraíso
    que um amante distraído perdeu

    por preguiça
    por falta de sabedoria.

    O amor existe
    para que estalem os relógios
    o longo se torne curto

    o breve infinito

    e a beleza apague
    a feiura do mundo.

    Em “Nossa Vingança é o Amor: antologia poética (1971-2024)” (Editora 34, 2025), de Cristina Peri Rossi

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