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SemanaSaudade de pegar uma estrada?
Músicos contam a Gama do que mais sentem falta das turnês e falam das emoções que só um show ao vivo proporciona
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SemanaSaudade de pegar uma estrada?
Músicos contam a Gama do que mais sentem falta das turnês e falam das emoções que só um show ao vivo proporciona
Se a pandemia pode mudar para sempre a maneira como nos deslocamos, ela certamente deixará marcas profundas na produção artística, um dos aspectos mais atingidos pelo isolamento social. Com os palcos fechados, artistas tiveram que encarar as telas de plateias virtuais ou se encerrar em estúdios, produzindo enquanto aguardam um retorno que, pelo menos no Brasil, ainda é uma incógnita.
A falta não é só do “olho no olho”, da “energia diferente de cada cidade”, como lembra Claudia Leitte, mas até dos “perrengues que acontecem nos bastidores”, recorda a dupla Anavitória. Afinal, “viajar é um laboratório”, afirma Russo Passapusso, vocalista do Baiana System. “A gente gosta de aprender com o público. Isso é matéria-prima fundamental da nossa música”.
A distância da equipe e do público também suscitou reflexões maiores sobre a rotina, como a de Johnny Hooker, que entendeu, durante a pandemia, que não quer mais ir além dos limites em “turnês infinitas”. E provocou até pesadelos, como o do rapper Rashid, que teve medo de não saber mais fazer show.
A Gama, esses e outros artistas relataram como tem sido viver e trabalhar longe da estrada:
‘A energia em cada cidade é diferente’
Claudia Leitte, cantora
“Sinto falta do contato com o público, o olho no olho. A energia em cada cidade é diferente, então é sempre uma sensação nova subir no palco em cada uma das cidades e regiões. Ver o pessoal se divertindo com a música, se acabando de pular, é massa demais. Sempre falo que sinto que minha missão é levar alegria para as pessoas, e essa vida na estrada me proporciona isso.
Espero que logo possamos começar a fazer shows aqui no Brasil, mas entendo que cada local tem seu momento e que precisamos sempre ter o dobro de atenção em relação à pandemia. No momento, estou me preparando para voltar aos palcos nos Estados Unidos com um projeto lindo que consegui tirar do papel neste ano por conta do avanço da vacinação por lá.”
‘Sinto falta da rotina, mas não quero mais ir além dos meus limites’
Johnny Hooker, cantor
“A rotina dos shows era a maior parte da minha vida. Ter ficado sem isso é como se alguém tivesse arrancado um pedaço meu, da minha vivência. Eu amo muito a minha equipe, estar longe da minha família da estrada me dói muito. Nós rodamos o mundo e pudemos conhecer o planeta graças a esse trabalho. Alguns dos momentos mais felizes da minha vida eu vivi na estrada.
Ao mesmo tempo, é uma rotina absolutamente exaustiva e seus horários ficam todos malucos. Às vezes a ansiedade por conta da viagem dificulta o sono. Eu, por exemplo, não gosto de avião, então não consigo relaxar quando estou voando. Não ficamos muito tempo no hotel porque temos que passar o som e fazer o show. Depois do show, você não consegue dormir por conta da adrenalina. Esse tempo me ajudou a aprofundar o entendimento que eu já estava formulando: eu não quero mais ir além dos meus limites. Não quero ficar numa turnê infinita, quero lançar o disco, fazer um planejamento de turnê e descansar. Se ficar assim, a pessoa acaba tendo um burnout. Mas sei que no dia em que pudermos voltar ao palco com plateia, será uma catarse, uma emoção muito grande.”
‘Saudade das pequenezas e das grandiosidades’
Anavitória, duo musical
“Sentimos falta de tantas coisas, das pequenezas e das grandiosidades que a estrada nos oferece. Do encontro com nossa banda e equipe no palco aos restaurantes de cada cidade; da explosão das pessoas cantando juntas aos perrengues que acontecem nos bastidores. Estar em movimento dentro de uma turnê foi nossa realidade por cinco anos seguidos. Depois de viver em pausa, qualquer situação, quando lembrada, traz muita saudade.
Quando nos distanciamos e olhamos as coisas de fora, fica mais fácil enxergar o quão enormes elas são. Dentro da correria de todos os dias, às vezes a gente perde essa noção. O cansaço e a repetição fazem com que isso aconteça. Nesse tempo, sinto que conseguimos entender ainda mais sobre nossa felicidade no nosso trabalho e na nossa música. A falta da estrada é dolorida pra caramba. E dito tudo isso, mal vejo a hora de sentir cansaço de novo.”
‘Saudade do olho no olho, trocando energia’
Daniela Mercury, cantora
“Sinto uma saudade gigante de cantar, de me expressar, de me comunicar diretamente com as pessoas. De sentir o que elas sentem. De ser esse canal das mensagens potentes das músicas. Sinto saudade de vê-las, de estar com elas pessoalmente, do olho no olho, nota por nota trocando energia. E sinto muita saudade de viajar.”
‘Já tive até medo de não saber mais fazer show’
Rashid, rapper
“Depois de um ano e meio de quarentena, sinto falta de tudo. Até as horas perdidas no aeroporto fazem falta. Fila do embarque, café caro, turbulência etc. Mas o que mais dói é a saudade do público e da equipe. Em tempos normais, passo muito tempo com minha equipe, então a gente se tornou uma família. E o auge do nosso trabalho na estrada é o momento de subir no palco e trocar energia com os fãs, ali é onde a gente se realiza. São quase dois anos privados de fazer o que a gente mais ama.
No momento tudo é lembrança, saudade e expectativa. Durante essa quarentena eu já tive até medo de não saber mais fazer shows. Já sonhei muitas vezes que subia no palco e não conseguia me lembrar de nenhuma das letras de minhas músicas. As lives ajudam. Penso que muitos artistas sairão dessa pandemia muito melhores de palco, porque esse formato de show digital pede muito de nós e não tem o público para retroalimentar a energia. Eu mesmo percebi uma evolução nas minhas apresentações, porque a live é “fria”, então a gente procura modos de deixá-la quente, com a melhor energia possível. Isso é uma baita escola, na minha visão.”
‘Fiz poucas coisas virtuais nesse período, gosto de gente’
Mart’nália, cantora
“O que eu mais sinto da estrada é o carinho das pessoas, de me divertir no palco com meus músicos. A impossibilidade de viajar afetou meu trabalho em todos os sentidos em relação a ganhar dinheiro. Mas fiz um álbum em estúdio, então fiquei perto da minha música e de alguns músicos… no estúdio. O lado bom de ficar em casa é estar com minhas cachorras e minhas gatas, dormir e acordar na hora que eu quero. Eu fiz poucas coisas virtuais nesse período, eu gosto de gente, de público. Então para mim é difícil ficar nessa inércia! Nada é igual ao palco, que é o que me dá energia e alegria. Vou ficar muito feliz quando puder voltar.”
‘Sinto falta de absorver novos sotaques em cada lugar que eu ia’
Russo Passapusso, cantor e integrante da banda BaianaSystem
“Na estrada a gente tinha toda aquela movimentação, a troca nos shows, a relação com o público. O público do Baiana é o próprio show, né? É um show que você assiste olhando o que o público está fazendo. Eu sinto falta disso e de absorver novos sotaques em cada lugar que eu ia, no Rio, em São Paulo, no Sul, no Norte. Quando você ouve muitos sotaques você se abre para falar de forma mais universal.
Viajar é um laboratório. No Baiana a gente gosta muito de entender as festas populares, as relações sazonais, as comemorações religiosas, o comportamento do povo. A gente gosta de ouvir o público, aprender com o público. Isso é matéria-prima fundamental da nossa música. Sinto falta da movimentação não só na hora do show, mas no caminho até ele, no contato com as pessoas, até de produzir material para as redes sociais. A gente chega no lugar, posta uma foto dizendo que está lá. Isso respira e transpira em uma comunicação muito vasta dentro do movimento de estar viajando.”
‘Conciliar o trabalho em casa com os filhos é um desafio’
Negra Li, cantora
“Sinto falta da adrenalina, das surpresas que encontrava em cada cidade, em cada show e a troca com as pessoas. Sinto falta também da energia que as viagens trazem.
Para mim, o que mudou principalmente foi a demanda de trabalho feito em casa. Isso também traz um desafio que é conciliar a rotina com os filhos. Mas as expectativas são as melhores: estou desenvolvendo meu novo trabalho e a ideia é preparar um show com esse repertório. Os cuidados com a voz nunca pararam. Mal posso esperar para mostrar tudo!”
‘Retorno vai ser choro, gritaria e muita comemoração’
Drik Barbosa, rapper
“Eu sinto muita saudade de olhar no olho das pessoas, de cantar sentindo a energia do público. Está sendo superdifícil cantar só para as câmeras durante a pandemia. Até do que eu achei que eu não sentiria falta eu estou sentindo, mas acho que ninguém gosta, de não conseguir descansar bem. Na correria, mesmo com um cronograma bem planejado, é difícil descansar o tanto que a gente precisa. Mas, quando se sobe no palco, vem uma energia boa e você esquece tudo — cansaço, estresse, pressão.
Já comentei muito aqui em casa que, logo no primeiro show, vou me jogar no público. Eu estou morrendo de saudade e sei que vou me emocionar muito. Já me emociono nas lives, imaginando a carinha de cada pessoa assistindo ao show. Sempre peço para o público gravar vídeo deles assistindo, para poder ver eles curtindo e sentir que eu compartilhei boas energias. Fico emocionada só de pensar no retorno, vai ser só choro, gritaria e muita comemoração.”
Colaborou Andressa Algave