Como fica a viagem a trabalho depois da covid-19? — Gama Revista
Saudade de viajar?
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Semana

As viagens a trabalho vão voltar?

A popularização de reuniões e eventos virtuais deve reduzir a necessidade de deslocamentos, mesmo depois da pandemia

Betina Neves 18 de Julho de 2021

As viagens a trabalho vão voltar?

Betina Neves 18 de Julho de 2021
Isabela Durão

A popularização de reuniões e eventos virtuais deve reduzir a necessidade de deslocamentos, mesmo depois da pandemia

Acordar cedo, arrumar a mala, pegar um táxi, ir para o aeroporto, chegar a outra cidade, participar de uma reunião, voltar para o aeroporto no fim do dia: muita gente que tinha costume de fazer esse tipo de viagem a trabalho antes da pandemia provavelmente não vai voltar a essa rotina. A adoção do trabalho remoto e a popularização das ferramentas de videoconferência devem fazer alguns tipos de viagem a negócios sumirem nos próximos anos. Tem consultorias falando em uma diminuição definitiva de 35%; Bill Gates foi mais longe, previu 50%.

As viagens corporativas compõem um mercado gigante que envolve hotéis, locadoras de carro, espaços de eventos, agências, companhias de cruzeiro, empresas de seguro de viagem e outros serviços de forma direta e indireta. Para se ter uma ideia, antes da pandemia, elas representavam entre 60% e 70% do total da demanda doméstica das companhias aéreas brasileiras, segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear). São elas que adquirem as passagens mais caras de avião e que bancam as diárias de muitos dos hotéis, principalmente na baixa temporada do turismo.

“O setor foi devastado pela pandemia”, diz Rubens Schwartzmann, presidente do conselho da Associação Brasileira de Agência de Viagens Corporativas (Abracorp). Ele conta que o movimento parou mais de 90% no ano passado e, entre janeiro a maio deste ano, ainda estava 70% menor do que era em 2019. Em muitos hotéis de alto padrão onde viajantes a negócios eram os principais clientes, a ocupação não tem passado dos 25%. “Nesse tempo, muita gente teve que se reinventar, reduzir drasticamente os custos, se fundir com outras empresas e procurar novos caminhos”, diz Schwartzmann.

Antes da pandemia, as viagens corporativas representavam entre 60% e 70% do total da demanda doméstica das companhias aéreas brasileiras

Exemplo do que pode vir no “novo normal”, o publicitário Henrique Del Lama, da AlmapBBDO, uma das maiores agências do Brasil, já percebe que viajará bem menos depois da pandemia. “Muita coisa continuará sendo online. Não perderemos mais um ou mais dias indo até um cliente. Não só para apresentar campanhas, mas também para fazer acompanhamento de filmagens e produções em outras cidades e países.” Para Del Lama, isso vem com um lado bom – agilidade e economia no trabalho, além de poder passar mais tempo com os filhos pequenos –, e um ruim: “Para quem gosta de viajar, como eu, perde-se a oportunidade de conhecer novos lugares”.

Fim da mamata

Para as empresas, a pandemia ofereceu uma oportunidade de rever o jeito que elas pensavam as viagens dos funcionários, o que por vezes era feito com pouco planejamento. “Havia muitos exageros nas viagens a trabalho”, conta o executivo Guilherme Fernandes, CEO na América Latina da empresa francesa Alexander Hughes que já atuou como diretor financeiro de uma série de multinacionais. Hospedagem em resort cinco estrelas, refeições em restaurantes caros e destinos paradisíacos para fazer reuniões são práticas que ele viu por aí. “Nas empresas em que trabalhei, percebia que, só o fato de eu diminuir alguns benefícios, como impor mais restrições para voar de classe executiva, já fazia as viagens caírem em mais de 30%. As pessoas não queriam viajar tanto sem essas mamatas”, diz.

Há certo consenso no mercado de que as viagens que devem morrer – ou diminuir de frequência – são as que descrevemos no início desta reportagem: aquelas curtas e rápidas, feitas para uma reunião pontual, assinar um contrato, fazer um primeiro contato de vendas ou acompanhar uma equipe ou projeto, por exemplo. Viagens de treinamento e até de recrutamento também devem diminuir. Outras, como viagens para o setor de serviços, reuniões de board e vendas de alto valor devem ser retomadas, especialmente em segmentos como o de agronegócio, construção civil, saúde, franquias e engenharia.

As viagens que devem morrer – ou diminuir de frequência – são aquelas curtas e rápidas, feitas para uma reunião pontual, assinar um contrato

Os eventos, congressos, feiras e conferências têm retornado aos poucos, em versões menores. “Com mais gente vacinada, percebemos um leve aumento no movimento. Já temos muitas solicitações para os próximos meses e 2022”, diz Cristiane Roquetti, gerente de vendas da Transamerica Hospitality Group, dona de 20 hotéis no Brasil e do centro de convenções Transamerica Expo Center, em São Paulo (SP). Ela conta que, além de seguir os protocolos de higiene e segurança, os hotéis estão adaptando a infraestrutura para a realização de eventos híbridos, modelo que deve continuar mesmo com o fim da pandemia.

O comportamento híbrido também é esperado no viajante, já que a aceleração do trabalho remoto pode misturar ainda mais os propósitos de viagem. “O ‘bleisure’ [bussiness com leisure], como vêm sendo chamadas essas viagens que misturam lazer e negócios, sempre existiu. Mas é possível que se intensifique”, diz Rubens Schwartzmann, da Abracorp. Segundo ele, pode ser que as pessoas passem a levar a família para viagens a trabalho e estendam a estadia no destino visitado com mais frequência.

Novas ferramentas

Apesar do tombo do meio, há novas empresas surgindo, como a Smartrips, uma startup de viagens corporativas que, ao revés da pandemia, cresceu no ano passado. Inspirada em modelos que já existem na Europa e nos EUA, ela criou uma ferramenta que permite que as empresas organizem suas viagens de modo mais eficiente do que nas agências tradicionais – estas costumam funcionar como intermediárias, usando serviços de terceiros para fazer as reservas e se comunicando com os clientes por telefone ou por e-mail. “As plataformas de viagens corporativas estavam paradas no tempo, muito atrás das de lazer”, diz Caio Artoni, um dos sócios. No sistema deles, o funcionário faz as reservas direto pelo site, paga com o cartão corporativo da empresa e depois pode cadastrar ali as notas fiscais para reembolso.

Para incentivar os funcionários a economizar nas viagens, a startup dispõe um sistema de “cashback”. Com ele, se o viajante pode gastar até R$ 500 com a diária do hotel, por exemplo, e escolhe um de R$ 100, a empresa devolve 30% do valor economizado, que ele pode usar na Smartrips para comprar viagens para uso pessoal. A ferramenta também aumenta a transparência em relação aos gastos, provendo relatórios completos. “Percebemos que as empresas às vezes desembolsavam milhões com viagens e não tinham muita noção de como o dinheiro era usado. Nesse novo contexto, elas se preocuparão ainda mais em entender quais viagens estão valendo a pena e quais não estão”.

Apesar das inovações, muitos dos processos de trabalho ainda não podem ser feitos 100% da forma online – pelo menos, não com a mesma qualidade. Pesquisas recentes já apontam, por exemplo, os efeitos da “fadiga de zoom”, ou o cansaço vindo da presença excessiva em reuniões virtuais. Não é difícil notar que participar de um evento online não tem o mesmo efeito de um presencial. “Muita coisa chegou para ficar, mas o comportamento da demanda nos próximos anos pode ter muitas surpresas”, diz André Coelho, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Ainda tem muita futurologia nisso tudo.”