Como convencer o outro a mudar de ideia
Saiba como conversar com seu parente, colega ou amigo sobre vacina, racismo, política, aquecimento global e amor
Convencer os outros não é tarefa fácil. Se isso é verdade para pequenas questões, a situação só piora quando os assuntos se tornam mais relevantes. Discussões sobre temas como ciência, política e educação estão cada vez mais presentes em nossa sociedade, mas nem mesmo evidências científicas parecem capazes de convencer todas as pessoas. Em uma época em que o diálogo é cada vez mais escasso, entender como acessar o outro se tornou algo valioso.
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Paulo Lima, também conhecido como Paulo Galo, dedica parte de sua luta a promover o acesso à informação a aqueles que não costumam acessá-la. O líder do movimento Entregadores Antifascistas, que confronta o abuso dos aplicativos de delivery, busca provocar o debate e incentivar a discussão. Foi com surpresa, no entanto, que descobriu que um dos seus grandes aliados acreditava piamente que a Terra era plana.
Em entrevista ao canal Meteoro Brasil, Galo contou que fez o possível para explicar como a visão do seu colega era errada, citando a projeção da sombra da lua na Terra como evidência irrefutável de que o planeta em que vivemos é redondo. A resposta do amigo foi ainda mais enfática: “A lua é um holograma da Nasa”. Ali, o líder dos entregadores entendeu que a questão era mais embaixo. Seu colega acreditava que a Terra era plana porque entendia que a ciência era contra sua religião. Logo, precisava fazer com que sua religião fosse contra a ciência.
Em uma última tentativa, Galo procurou e achou passagens da bíblia que citavam a lua. Quando mostrou o trecho do livro sagrado que descrevia o astro, o amigo se calou. “O que aconteceu?”, questionou Galo. “Esse cara não quis mais andar comigo, não quis mais debater comigo, porque ninguém quer se sentir burro.”
A questão enfrentada por Galo é algo que muitas pessoas encontram no dia a dia. Como convencer um parente, um amigo ou um vizinho de que aquilo que ele acredita não é verdade? Para tentar entender o que pode ser feito, Gama conversou com cinco especialistas sobre temas urgentes e perguntou como eles convencem os outros a mudar de opinião. Entre vacina, política e racismo, um consenso – ouvir antes de falar.
A urgência do aquecimento global
A mudança climática já é estudada há mais de 30 anos, mas ganhou relevância na mídia e na sociedade na última década. O motivo? Não há como fingir que ela não existe. Em diversas regiões do planeta, o efeito prático das mudanças climáticas já é sentido pela população local. “Para essas pessoas, não há como escolher entre acreditar ou não. Elas estão tendo que lidar com esse efeito”, afirma Natalie Unterstell.
Para a especialista, que é mestre em administração pública pela Universidade de Harvard e diretora do Instituto Talanoa, think tank dedicado a políticas ambientais, a dificuldade maior não é fazer com que as pessoas acreditem no aquecimento global, mas sim ensiná-las sobre o que deve ser feito a partir do momento em que elas entendem a gravidade do assunto. “Quando há algo muito doloroso na nossa vida, costumamos desviar a atenção. Não conseguimos focar na dor e na perda por muito tempo”, diz Unterstell. “Ninguém quer pensar em como será viver em um mundo com o clima tão instável.”
É importante mostrar que o enfrentamento das consequências da mudança climática é algo que tem valor para todos
Nesse cenário, a educação é a melhor aposta para conscientizar os outros. “É importante mostrar que o enfrentamento das consequências da mudança climática é algo que tem valor para todos. Seja financeiro, filosófico ou religioso. Todo mundo quer preservar a vida.”
Os cuidados com a didática do ensino, no entanto, também são necessários. “Não podemos impor verdades científicas como se elas fossem relevantes para todos. É necessário traduzir esse conhecimento para cada público.” Para Unterstell, quando a conversa se torna sobre “sim” ou “não” e “existe” ou “não existe”, a desmobilização acontece. “É só quando conseguimos tocar o coração das pessoas que elas se sentem motivadas para mudar.”
É preciso se engajar no debate político
Deixar de votar, discutir e cobrar mudanças não é uma opção para se viver em sociedade. “Uma boa forma de convencer alguém a se engajar é pedir para a pessoa olhar ao redor: a rua em que ela anda, o ônibus que pega, o hospital a que recorre, seja público ou privado — tudo tem a ver com política”, explica o cofundador e editor-chefe do Nexo Conrado Corsalette. “A política impacta de forma direta a vida das pessoas.”
De acordo com o jornalista, que por mais de duas décadas cobriu administração pública e eleições em diferentes redações do país, a política, as instituições e a figura dos políticos passam por uma crise no Brasil. “Aqueles que conduzem a política são incapazes de dar uma resposta sólida para uma desigualdade crescente no mundo. Um sintoma disso é a ascensão de representantes que apresentam respostas fáceis para problemas complexos.” E adiciona: “São figuras que nascem e crescem impulsionadas pelo sentimento antipolítica e o retroalimentam.”
Uma boa forma de convencer alguém a se engajar é pedir para a pessoa olhar ao redor. Tudo tem a ver com política
Para convencer um desacreditado na política a voltar a se engajar no debate, votar com consciência e cobrar melhorias, Corsalette cita uma entrevista recente da professora de comunicação Isabele Mitozo, da Universidade Federal do Maranhão: “Ela disse que, diante de alguém que pensa diferente de você, é preciso buscar uma aproximação com os assuntos ‘mais palpáveis’. Começar com pontos de concordância para chegar aos pontos de discordância”. E claro, ter em mente que opiniões dificilmente mudam outras opiniões. “Prefira fatos. E esteja preparado não apenas com índices, mas com argumentos baseados em evidências que possam corroborar a leitura apropriada desses índices.” Mas o jornalista relembra que é preciso saber se esse alguém quer ser convencido, porque há crédulos, que aderem a tudo que um político diz, e os mal-intencionados – “com esses o diálogo é impossível”.
A gravidade do racismo no Brasil e suas consequências
“É como se a lente da raça para compreender nossas desigualdades não fosse algo disseminado para a maior parte das pessoas”, afirma a jornalista, escritora e ativista Bianca Santana, que tem colaborado na articulação da Coalizão Negra por Direitos. “Parece que ainda é difícil de entender a gravidade do racismo no Brasil.” Segundo ela, é como se a violência, os homicídios e a falta de mobilidade social não estivessem especialmente endereçados às pessoas negras – e fossem apenas fruto do “acaso” ou da “falta de trabalho”.
A verdade é que o racismo é uma questão estrutural no Brasil, com raízes profundas. E convencer alguém que não acredita que este seja um problema tão grave é, como a escritora afirma, “complexo”. “Demanda uma tomada de consciência, não à toa falamos do Dia da Consciência Negra, porque de fato tem a ver com se apropriar de uma série de informações e de um modo de ver o mundo.”
Há bairros em São Paulo que têm quase 90% da população branca e são bairros ricos. Outros têm quase 80% da população negra e são bairros pobres
Para ela, a única maneira de demonstrar para essas pessoas as consequências do preconceito e fazê-las entender sua gravidade é propor questionamentos: “Uma pessoa que já nasce com acesso não só a direitos mas a inúmeros privilégios tem um ponto de partida muito diferente. Como compreendo esse ponto de partida e coloco a lente da raça?”
Santana aponta para os dados como a parte mais forte dos argumentos. “Determinados bairros em São Paulo têm quase 90% da população branca e são bairros ricos. Outros têm quase 80% da população negra e são bairros pobres. Se essa informação não é suficiente, não sei como demonstrar para as pessoas a consequência e a gravidade do racismo.”
A importância da dose de reforço da vacina
A virologista Lorena Chaves, que estuda tratamentos e vacinas para doenças virais nos Estados Unidos, diz que sempre vão existir pessoas que questionam a eficácia e a segurança de um imunizante. “São aquelas que geralmente desconhecem o processo e as etapas de produção da vacina. Se tivessem informação de como funciona, saberiam que ela passa por inúmeros testes antes de chegar à população.” Segundo Chaves, as duas maiores queixas em relação à dose de reforço são o medo de sobrecarregar o sistema imunológico e o receio da vacina estar envolvida em fake news políticas ou mesmo da indústria farmacêutica.
Na tentativa de reverter o quadro de convencidos de que a dose de reforço é desnecessária, a virologista sugere se munir de muita informação – que, claro, provêm de fontes confiáveis, como especialistas e estudiosos do tema. “Podemos também trazer outros exemplos de vacinas que são aplicadas em um esquema vacinal de três doses, como é o caso da hepatite B”, diz Chaves. “Quando você dá a dose de reforço, continua estimulando o sistema imunológico a produzir uma resposta ao vírus, inclusive às novas variantes que talvez antes conseguissem escapar.”
Outro bom argumento é referente à transmissão do vírus, comprovadamente menor à medida que as pessoas se vacinam e mantêm o esquema vacinal atualizado. “Diminuindo o número de pessoas doentes, desafogamos o sistema de saúde e evitamos colapsos, o que tem um impacto econômico gigantesco também.” Chaves relembra da importância, no debate da vacina, de além de se munir de informações confiáveis, levá-las como fatos e não opiniões. “É assim que tento convencer as pessoas.”
Diferentes formas de amar
Amar parece cada vez mais difícil. Seja por conta de decepções amorosas, pelas mentiras contadas pelas comédias românticas ou por modelos de relacionamentos que não fazem mais sentido para alguns, a crença no amor está abalada. Há como falar em um sentimento tão genuíno em uma época tão complexa? Para a psiquiatra e escritora Natalia Timerman, há sim. “O amor não se manifesta só em sua forma romântica”, diz a escritora. “Em tempos como os que vivemos, amor e esperança se tornaram sinônimos.”
Ela, que é autora de “Copo Vazio” (Todavia, 2020), explora em seu romance um término de relacionamento e as dores de seguir em frente. E, apesar da temática de seu livro, entende que não são todos que não acreditam no amor. “Sem amor, nós já teríamos desistido.” A psiquiatra enxerga novos formatos de se relacionar amorosamente, como em relações não monogâmicas, nada mais do que uma forma do amor se adaptar às transformações dos tempos em que vivemos.
“As formas de amor tradicionais continuam existindo, mas surgiram novas manifestações.” A crença pode ter se alterado, mas ela ainda existe. E se o sentimento é real, o importante é mostrar aos outros que existe mais de uma maneira de declará-lo. “É um exercício de empatia e um gesto de amor. A melhor maneira de mostrar a alguém que é possível amar é amando.”
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