Gregório Duvivier: 'A opinião imediata é muito perigosa' — Gama Revista
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Conversas

Gregório Duvivier: 'Toda opinião quer chamar atenção para a inteligência do dono'

Hoje à frente da nova temporada do programa “Greg News”, na HBO, humorista diz nunca ter dado uma opinião da qual não se arrependeu

Leonardo Neiva 24 de Abril de 2022

Gregório Duvivier: ‘Toda opinião quer chamar atenção para a inteligência do dono’

Leonardo Neiva 24 de Abril de 2022
Divulgação/Ana Alexandrino

Hoje à frente da nova temporada do programa “Greg News”, na HBO, humorista diz nunca ter dado uma opinião da qual não se arrependeu

Considerando o sucesso que faz à frente do programa “Greg News”, atualmente em sua sexta temporada, ou com as crônicas de sua coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo, pode parecer que o humorista, ator e escritor Gregório Duvivier é grande fã de dar sua opinião sobre os mais variados temas. Na verdade, é bem o contrário disso. O integrante do Porta dos Fundos diz ter horror a opinar e afirma nunca ter dado uma opinião da qual não se arrependeu depois. “É que ela é o contrário do que eu faço. A crônica é uma impressão, não uma opinião”, explica durante entrevista a Gama.

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Como tudo aquilo que diz nas análises de notícias e temas atuais do humorístico da HBO passa pela apuração detalhada de uma equipe de jornalistas e comediantes, Duvivier considera que seu trabalho não é opinar, mas trazer assuntos a partir de um ponto de vista bem embasado. Até porque, segundo ele, toda opinião costuma ser narcisista e tem a desagradável tendência de querer chamar a atenção para a inteligência de seu criador. “E toda vez que tentei parecer inteligente dizendo alguma coisa, me arrependi muito.”

Um autoproclamado entusiasta de Glória Pires e sua célebre incapacidade de opinar, que viralizou em 2016 durante a transmissão do Oscar, o comediante acredita que as mídias sociais acabam apressando essa necessidade de todo mundo disparar pontos de vista, o que impede que as opiniões tenham tempo de descansar e amadurecer dentro de uma gaveta. E é justamente por ter esse tempo de maturação em mãos no seu trabalho que ele diz nunca ter se arrependido de um programa que gravou ou coluna que já publicou.

Num ano que deverá ficar marcado pelas eleições para presidente e um difícil embate entre Lula e Bolsonaro nas urnas, seu “Greg News” não se omite de discutir temas como a política internacional ou a escolha de Geraldo Alckmin a vice do candidato petista. Ainda assim, geralmente sua equipe busca assuntos que não estejam entre os mais falados no Twitter nem estampem as primeiras páginas dos jornais com frequência, e cuja discussão não acabe enveredando por caminho muito óbvios. “As pessoas só falam de eleição, então no ‘Greg News’ a gente tem o trabalho dobrado de falar de política sem falar só de Lula e Bolsonaro.”

Tendo encerrado recentemente uma curta temporada em São Paulo de sua peça “Sísifo”, releitura do mito grego para a realidade contemporânea das redes sociais, Duvivier também conversa com Gama sobre o humor com uma dose de realidade, as características dos debates online e por que as guerras de narrativas podem ser feitas tanto à base de bala quanto com salames.

Tenho certeza de que o ‘Greg News’ dá munição não só de argumentos, mas humorística e afetiva

  • G |O que a gente pode esperar da nova temporada do “Greg News”, que está no ar agora?

    Gregório Duvivier |

    É a temporada deste ano louco da volta, a primeira com plateia desde a pandemia. Gravamos dois anos sem, o primeiro em casa e o segundo no estúdio, só com minha mãe vendo. Tem esse calor da resposta do público, que estou gostando muito. Mas é também um ano de eleição, e isso muda tudo. As pessoas só falam de eleição, então no “Greg News” a gente tem o trabalho dobrado de falar de política sem falar só de Lula e Bolsonaro ou do que já está nas primeiras páginas e nos Trending Topics. Precisamos falar do que não está sendo dito, ou pelo menos de uma maneira que não está sendo dita. Volta e meia cobram a gente por não estar falando de algo. Nosso argumento é exatamente que todo mundo já está falando. O próximo programa, por exemplo, vai ser sobre publicidade. Não é óbvio para os programas falar disso, já que muitos vivem dela. Dificilmente você vai ver um programa de humor batendo livremente num anunciante. Quando escrevia para o Porta dos Fundos na Globo, a gente não podia falar de marcas. Já no “Greg News”, temos total liberdade. Petrobras é o tema desta sexta-feira. É um assunto com muitas nuances, sobre o qual a gente mesmo discorda. Achamos que um governo não pode usar a Petrobras como bem entender. Ao mesmo tempo, o acionista majoritário é o povo brasileiro, então também tem que servir a ele, e o combustível fóssil é o grande problema para o aquecimento global e as mudanças climáticas. Como conciliar meio ambiente, vontade popular e os acionistas? Como privilegiar o meio ambiente e a população sem quebrar a empresa? Não é algo óbvio.

  • G |Apesar de o cenário do “Greg News” emular um telejornal, ele está mais para um programa de jornalismo opinativo. Como você lida com essa intersecção entre jornalismo, opinião e humor?

    GD |

    As pessoas acham que o jornalismo só trabalha com fatos e que piada é sinônimo de mentira. Aí tem gente que usa a piada para falar o que pensa e depois ri para fingir que não era verdade. Acredito que a matéria-prima do humor é a verdade. No “Greg News”, fazemos humor, mas trabalhamos com fatos. Volta e meia a gente deixa de fazer uma piada porque não é verdadeira. Temos até o bordão “malditos fatos”. Eu não acho graça de uma piada se ela for mentirosa. Gosto do humor que revela algo de novo, por mais bobo que seja. Nesse sentido, tanto o jornalismo quanto o humor trabalham com o mesmo material. Claro que o olhar é diferente. O jornalismo tradicionalmente tem uma tendência à imparcialidade, o humor e a opinião são o contrário disso. Mas essa imparcialidade do jornal está sendo colocada em dúvida. Cada vez mais se vê a importância de o jornal ser transparente quanto a quem ele apoia. Sou a favor de que digam qual candidatura eles endossam, porque todos apoiam alguma. Por isso a transparência da opinião é muito importante. Isso fica muito mais claro no humor. Se olham para minha cara, sabem de onde venho, em quem voto, qual meu ponto de vista. O jornal se enfraquece quando esconde essa visão e finge estar cobrindo os fatos como se fosse Deus ou um espectador onisciente.

  • G |O “Greg News” conversa com vários tipos de públicos? Ou acaba falando mais para quem já concorda com vocês?

    GD |

    A gente não fala com tipos muito diferentes nem com muita gente. O programa tem em média um milhão de espectadores por episódio. Alguns, como o do Bolsonaro, foram vistos por 40 milhões de pessoas só no Facebook. É difícil dizer que todas concordam entre si, mas claro que temos um tipo específico de público, que é quem clica, assiste e paga a HBO. É um público que tem interesse em mim, em política ou sente alguma afinidade. Eu falo com o bolsonarista radical? Provavelmente não. Tem sempre um doido que fala que é bolsonarista, mas adora o programa. Eu não acredito muito não, sinceramente. Alguma coisa está errada ali, ou a pessoa que fala isso ou eu. Nada vai mudar a cabeça do bolsonarista radical, muito menos um humorista. A gente não precisa mudar a cabeça da pessoa de extrema direita. Ela não é majoritária nem nunca foi. O Bolsonaro não se elegeu por causa do fanático, mas por uma grande massa de pessoas que não é de direita, mas votou nela. Com essas pessoas eu falo. E o curioso é que muitas vezes falo através de alguém da família ou do grupo dela. Mais do que para bolsonaristas, o programa passa para filhos, irmãos, maridos e esposas de bolsonaristas. Tenho certeza de que ele dá munição não só de argumentos, mas humorística e afetiva. O Antonio Prata escreveu uma crônica bonita dizendo que uma guerra não se faz só com balas, mas também com salames, que eram enviados por pais de soldados para os filhos que lutavam. Na guerra de narrativas, a gente fica só à procura de balas e argumentos, mas uma guerra se ganha também com salames. Acho que o humor e a crônica são salames.

  • G |Quando você apresenta o “Greg News”, é o Gregório ou está interpretando um personagem?

    GD |

    A partir do momento em que liga uma câmera, é sempre um personagem. Até no documentário funciona assim. Mas quem não me conhece acha que vou chegar num bar já falando do Bolsonaro. Eu quase nem falo de política, não sou essa pessoa. As pessoas ficam surpresas de eu estar num ambiente e não falar disso. Gosto de um monte de outras coisas e quase não falo de Bolsonaro no meu tempo livre, o dia fica muito melhor. A Giovanna, minha esposa, é ativista ambiental. Para ela e para mim, que já trabalhamos nesse front, é importante sair disso de vez em quando.

A opinião imediata é muito perigosa. A gente vai correndo para o Twitter porque acha que o mundo precisa daquela opinião. Só que ele não precisa

  • G |Hoje fazer comentários e dar opiniões são moedas que podem trazer relevância nas redes sociais e na mídia. Isso gera uma pressão extra para que as pessoas falem sobre tudo?

    GD |

    A opinião imediata é muito perigosa. Às vezes a gente pensa alguma coisa e vai correndo para o Twitter porque acha que o mundo precisa daquela opinião. Só que ele não precisa. As opiniões devem dormir um pouco na gaveta. Por isso gosto muito de fazer o “Greg News” e as crônicas da Folha. São dois lugares onde consigo dizer o que penso, mas não imediatamente. Para cada programa, a gente demora duas semanas de investigação jornalística, depois uma de redação final, mais um trato de humor. Tem um monte de camadas para que nada seja da boca para fora. A crônica eu escrevo no domingo e na segunda para mandar na terça. Frequentemente mudo completamente o que pensava ao longo desse tempo. A tirania das redes sociais é muito nociva para todo mundo, sobretudo para o artista. É bom que ele tenha uma comunicação com o público, mas também que imponha certos filtros. Se ele passa o tempo inteiro com essa necessidade de falar o que acabou de pensar, é natural que fale merda e gere ódio. A gente precisa lembrar que não tem nada que não melhore depois de passar um dia na gaveta. A internet corre o risco de ter matado essa gaveta. Isso é muito ruim para o leitor e para o artista.

  • G |Umas semanas atrás, o ator Daniel Radcliffe se rebelou contra essa coisa de todo mundo ter que dar uma opinião sobre o caso do tapa do Will Smith. Não opinar também é um ato de resistência?

    GD |

    São aquelas perguntas do Facebook e do Twitter. O que você está pensando? O que está fazendo? As pessoas não precisam dar opinião sobre nada. O curioso é que a dinâmica das redes faz com que, quanto mais rápido você der uma opinião, mais rápido ela viraliza. Dar uma opinião sobre o tapa do Will Smith hoje, um mês depois, não vai dar em nada. Mas cinco segundos depois, ela tinha grandes chances de viralizar, por mais banal que fosse. E é uma dinâmica que premia as piores opiniões, porque a gente sabe que uma boa ideia demora a vir. É muito ruim, e tudo fica velho muito rápido. Por isso no “Greg News” a gente evita falar sobre o que acabou de acontecer. Certamente viralizaria mais, mas também geraria ideias imaturas. Os programas mais quentes que a gente fez foram os que tiveram menor vida útil. Os mais atemporais permanecem, como quando a gente falou sobre leveza. Até hoje as pessoas assistem, ele continua relevante. Quando a gente falou da gravação do Joesley com o Temer, as pessoas viram naquele dia e nunca mais. Quanto mais rápido você dá uma opinião, mais rápido ela vai sumir e por mais tempo você vai se arrepender.

  • G |Na peça “Sísifo”, você aplicou a questão do retorno eterno a um contexto contemporâneo de mídias sociais. Nos debates que acontecem nas redes, é normal ter essa sensação de andar, andar, mas não sair do lugar?

    GD |

    A peça parte da ideia de que estamos todos presos em gifs. A internet passa essa impressão de circularidade por causa do meme. Eles são cíclicos e a cada semana são preenchidos com algum significado. Na peça, a gente usa Sísifo como um meme que é preenchido a cada vez por uma metáfora. Realmente dá a impressão de que a gente não anda. Ver o Bolsonaro dá um cansaço. Parece que ainda estamos nas mesmas questões e nada muda, não conseguimos mais nos chocar com nada. É aquela história do “firehosing”, uma tática do Trump. Mil escândalos são mais fracos do que um só, porque você fica perdido e não sabe para onde olhar. O cansaço desmobiliza, e a gente está num momento especialmente cansado.

  • G |No começo, as redes sociais eram vistas como esse campo aberto para uma multiplicidade de opiniões. Mas hoje parece que os discursos ficaram muito parecidos dentro de determinados grupos e perfis. A lógica das redes prejudica esse diálogo?

    GD |

    A internet é um espaço muito bom para o debate e a troca de informações, as redes sociais não. Hoje a gente confunde rede social com internet. 99% do tempo que a gente passa na internet, é dentro de aplicativos. E o aplicativo é o contrário da internet. Se a internet é a rua, o aplicativo é o shopping. E é muito ruim que o debate aconteça dentro de um shopping, um espaço privado, com regras estabelecidas pelo dono. Quem define essas regras no Instagram é o Mark Zuckerberg, não a comunidade. Por acaso ele não gosta de mamilos femininos, mas não se importa com os masculinos. Se vocês falar sobre nazismo, vai ser banido, mas não se fizer uma apologia à tortura na ditadura brasileira. Não é um debate público. Aliás, não é nem um debate, mas uma opinião vertical do Zuckerberg ou de sua equipe. Isso não é algo intrínseco à internet, que no começo tinha mais espaços livres. Hoje a internet tem três ou quatro donos. O que norteia o Twitter é aumentar o alcance e o tempo que as pessoas passam nele, não gerar discussões de melhor qualidade. O Trump e o Bolsonaro são filhotes das redes sociais, não da internet. Nasceram desse debate público que acontece dentro do shopping.

A Glória Pires dizer [na cobertura do Oscar] que não tinha o que dizer foi revolucionário. É uma atitude muito inédita hoje em dia, então palmas para ela

  • G |Hoje existe a figura meio etérea do formador de opinião, que vai desde o influencer até um apresentador ou político. Você se colocaria dentro dessa categoria?

    GD |

    Não me identifico muito com esse termo, formador de opinião. Influencer menos ainda. Essa ideia de que a opinião é algo que você forma nos outros, e que existem pessoas que vivem disso, me parece um pesadelo. Não saberia nem gostaria de ser essa pessoa, porque é muita responsabilidade, e nem acho que seja verdade. O artista vai ladeira abaixo quando acha que tem essa importância. Eu tenho opiniões que são muito formadas pelos outros, pelo meu público inclusive, e sobretudo meus parceiros. E as opiniões mudam. Como formar a opinião dos outros se eu mesmo mudo a minha o tempo todo?

  • G |Quando se fala do assunto, parece que formar sua própria opinião é um trabalho que requer muito esforço e conhecimento. Ao mesmo tempo, nem tudo que chega até a gente é confiável… Opinar hoje é andar num terreno pantanoso?

    GD |

    Não acho que formar uma opinião seja árduo porque ela por si só é passageira. Você aprende uma coisa e depois passa a achar outra. É diferente do conhecimento. O conhecimento é fundamental, a opinião não. Aliás, esse mercado da opinião é muito nocivo para todo mundo. Sempre me lembro de quando a Glória Pires disse: “Não sou capaz de opinar” [na cobertura do Oscar]. Ela não tinha que ter opinião, e está tudo bem. Ela foi paga para opinar? Então que não pagassem. Vejo comentaristas que não têm o que dizer, mas continuam dizendo, porque não têm coragem de falar que preferem não opinar. A Glória dizer que não tinha o que dizer foi revolucionário. É uma atitude muito inédita hoje em dia, então palmas para ela.

  • G |Você já se arrependeu de dar alguma opinião?

    GD |

    Todas as vezes em que dei uma opinião, me arrependi. É que ela é o contrário do que eu faço. A crônica é uma impressão, não uma opinião, ela busca a irrelevância. Claro que tenta divertir, emocionar, mas não convencer nem impressionar. O que me incomoda na opinião é o narcisismo. Em geral, toda opinião quer chamar atenção para a inteligência do dono. Tenho horror a isso. E toda vez que tentei parecer inteligente dizendo alguma coisa, me arrependi muito. No “Greg News”, eu não digo nada que não passe primeiro por vários filtros, da checagem ao humor. Só de ter uma apuração, já significa que não é opinião. Você consegue fazer um trabalho com ponto de vista, mas bem apurado. Nunca me arrependi de nenhum programa nem crônica. Agora, se eu falar besteira aqui… Estou tentando não te dar uma opinião sobre dar opinião, mas fazer uma reflexão, que é um pouquinho mais legal justamente porque demora mais tempo, não pode ser de bate pronto. Fico aqui pensando para não cometer a besteira de desdizer a mim mesmo.

  • G |Quais opiniões você nunca deixa de escutar?

    GD |

    Não sei. Quando alguém diz que quer dar uma opinião, já falo “não, não quero”. A gente sabe que opinião é muito chata. Enquanto falo com você, estou percebendo. A palavra opinião tem a conotação de uma pessoa se metendo onde não é chamada. Posso falar que acho o Bolsonaro o pior presidente que a gente já teve e que sua eleição seria um desastre. Não vou mudar a cabeça de ninguém nem virar um único voto, porque isso é simplesmente uma opinião. Agora, se disser que nunca antes um presidente colocou tanta coisa em sigilo, é algo factual. Aí as pessoas vão fazer perguntas. Você tenta levá-las numa dança junto com você. A opinião não é uma dança, é uma punheta, com o perdão da imagem. Então não sigo gente que dá muita opinião, mas adoro quem faz as perguntas certas. É muito mais legal fazer perguntas do que dar respostas. Algumas das pessoas que fazem as melhores perguntas são o Tom Zé, que inventou o conceito de explicar para confundir e confundir para explicar, o Bruno Torturra e a Alessandra Orofino, do “Greg News”. Os artistas em geral são grandes perguntadores, Chico, Caetano, Gil… Você quase não vai ver nenhum deles dando opinião, mas sim provocando dúvidas.