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ReportagemComo aproximar as novas geraçãos da cultura e dos direitos dos povos indígenas
Educação, rodas de conversa, valorização e visibilidade: especialistas indicam caminhos para assegurar a disseminação dos saberes ancestrais na sociedade
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Como aproximar as novas geraçãos da cultura e dos direitos dos povos indígenas
Educação, rodas de conversa, valorização e visibilidade: especialistas indicam caminhos para assegurar a disseminação dos saberes ancestrais na sociedade
Fundamentais para a construção histórica, social e cultural do Brasil, os povos indígenas ainda enfrentam, em 2024, um sem-número de desafios, apagamento e preconceitos em relação à preservação da cultura e ao exercício dos seus direitos.
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Promover esse reconhecimento é uma responsabilidade coletiva que requer atitudes e esforços de múltiplas frentes. Ele se dá por meio da educação, do consumo de produtos culturais, da participação em eventos, do engajamento digital e do apoio a organizações dedicadas à causa, contribuindo assim para um Brasil onde os povos originários são reconhecidos como parte integral e vital da sociedade no presente e no futuro.
Dessa maneira, Gama reuniu especialistas para indicar caminhos que assegurem a disseminação dos saberes ancestrais na sociedade.
Educação: base para o conhecimento e o respeito
A educação é o alicerce para qualquer mudança social profunda e duradoura e, de acordo com especialistas ouvidos para a reportagem, é o principal meio para transformar a maneira como as futuras gerações percebem, conhecem, respeitam e asseguram a organização social, os costumes, as línguas, crenças tradições e os direitos dos povos originários.
Para Edson Kayapó, historiador, doutor em educação, professor e pesquisador das questões amazônicas e indígena, a escola é o espaço ideal para cultivar um diálogo aberto e respeitoso, capaz de retirar, definitivamente, os povos indígenas do silêncio. Esse debate, conforme diz, tem de ser inclusivo e contínuo, abrangendo a diversidade desses povos e, sobretudo, apresentando-os como parte integrante e contemporânea da sociedade.
Ele enfatiza que o ambiente escolar, além de ser um lugar privilegiado para tratar do tema, é obrigado a isso pela Lei 11.645, de 2008, que impõe a exigência do estudo da história e das culturas indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio.
A escola é o espaço ideal para cultivar um diálogo aberto e respeitoso, capaz de retirar, definitivamente, os povos indígenas do silêncio
“Nós, educadores e educadoras, não temos como nos esquivar. É preciso assumir esse compromisso, que é legal, mas digo que fazer a conversa na sala de aula a respeito desses povos, que são mais de 300 e diversos na sociedade brasileira, é também um compromisso moral e ético”, afirma.
Kayapó comenta ainda que a escola tem de trazer os indígenas para dentro do currículo e salienta que é essencial falar sobre assuntos e problemáticas de hoje, não se prendendo apenas a fatos históricos de séculos atrás, sem chegar aos dias atuais. “Temos que trazer para o tempo presente porque os povos indígenas vivem condenados ao passado, congelados no tempo, mas são povos do presente, pessoas de carne e osso.”
Arissana Pataxó, professora, artista visual e uma das curadoras do espaço dedicado às obras do Brasil na 60ª Bienal de Veneza — o Pavilhão Hãhãwpuá — ao lado de Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana, enfatiza que a educação escolar é um dos caminhos centrais para o fortalecimento da causa indígena porque a construção do pensamento de cada indivíduo tem início na escola.
“Começar pelas crianças é uma tentativa maior de alcançar esse objetivo porque elas estão no processo de aprendizagem linguística e cultural, de construção de identidade e de afirmação dessa identidade”, conta.
Os povos indígenas vivem condenados ao passado, congelados no tempo, mas são povos do presente, pessoas de carne e osso
Pataxó fala, no entanto, que a sociedade não deve jogar a responsabilidade somente nas instituições escolares e nas figuras dos professores, apesar de acreditar que a escola seja uma das importantes esferas para a desconstrução de preconceitos que vêm sendo ensinados e perpetuados há tempos.
“É lá que essa história foi contada por um viés que construiu o racismo contra os povos indígenas no Brasil e, consequentemente por isso, nós temos muitos direitos negados e que nos foram retirados, como o direito de falar a própria língua e o direito de morar no nosso próprio território”, diz a Gama. “Penso que a escola é imprescindível porque as crianças crescem ali se envolvendo, sabendo que existe uma diversidade de povos, e é onde passam a maior parte do tempo e onde constroem respeito e empatia para lidar com o outro.”
A artista lembra que uma pessoa só pode partilhar o sentimento de luta por uma causa com conhecimento. “Senão, acaba conhecendo pedaços da história e criando uma imagem que talvez não seja real”, pontua.
Quando falamos de educação, não é só a básica que conta. Segundo Arissana Pataxó, o ensino superior tem, da mesma forma, grande relevância.
“Os adultos querem conhecer a nossa história. E a pessoa adulta é acolhida por meio da literatura e da universidade. Há disciplinas que vão construindo ou desconstruindo o que a pessoa viu desde a infância: a história do descobrimento, a história que foi apagando as populações indígenas como se elas não fizessem parte do presente. Essa é uma construção secular. Então, também essa desconstrução será devagar. Mas acredito que seja possível”, conclui.
Arissana Pataxó
Produtos culturais: valorização e visibilidade
A valorização e o consumo de produtos culturais feitos por indígenas ou que apresentem essa cultura e a memória ancestral são formas poderosas para o (re)conhecimento das riquezas desses povos.
Acompanhar o trabalho de autores e autoras — como Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Márcia Kambeba e Olívio Jekupé —, prestigiar a cena artística, ouvir músicas e assistir à produção audiovisual — nessa área, uma referência é o projeto Vídeo nas Aldeias, criado pelo indigenista e documentarista Vincent Carelli, que, desde 1986, forma cineastas indígenas — é essencial para entender e promover as causas pelas quais lutam as populações originárias.
Além disso, consumir livros, filmes, canções e obras de arte indígena ajuda a apoiar diretamente comunidades e pessoas que vão sendo reconhecidas por instituições, ganhando maior visibilidade e respeito para, cada vez mais, mostrar ao país e ao mundo suas histórias, sua memória e seus direitos.
Nascido no Amapá e pertencente ao povo Mebengokré, Edson Kayapó ilustra esse ponto ao falar a respeito da importância da posse, em 5 de abril, do filósofo, ambientalista e escritor Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras, o primeiro indígena a ocupar uma cadeira da instituição.
“O Ailton Krenak representa com muita propriedade as nossas memórias históricas e os nossos saberes. Ele é um guerreiro que tem um lastro histórico de muita luta, que representou os povos indígenas na Constituinte e fez muito bem feito o trabalho de defender os nossos direitos. Então, para nós, povos indígenas, ter o Krenak dentro da ABL como imortal é motivo de orgulho e celebração”, vibra o historiador.
Para Kayapó, Krenak é uma pesspa “muito acertada” para dialogar na Academia Brasileira de Letras. “No sentido de dar visibilidade às nossas vozes e às nossas formas de expressão, inclusive no campo da literatura”, finaliza ele.
Influência digital na propagação da cultura indígena
A artista visual Arissana Pataxó cita que outra via para dar força à causa está na internet. “Muitos indígenas têm redes sociais que promovem discussões, o que eu acho bem importante”, diz.
Conhecido como guerreiro digital, o xavante Cristian Wariu usa o YouTube e o Instagram para tratar da desmistificação de estereótipos e para promover a diversidade cultural indígena e as discussões de temas como sustentabilidade e direitos territoriais, conectando as lutas indígenas a uma audiência global.
O jovem comunicador de 25 anos exemplifica o fenômeno: “Acho que o meu trabalho ajuda a preservar uma memória que, além de ancestral, também é do futuro.” A presença online permite que os povos indígenas controlem a própria imagem e narrem suas histórias diretamente, sem intermediários.
“Os vídeos que eu produzo auxiliam na preservação da memória não só do meu povo, mas de vários povos. Eles também passam pela questão do orgulho. Porque durante a nossa vida como indígena fomos colocados muito para baixo, como selvagens, incapazes. Ver um parente indígena em ascensão na internet, que está ali produzindo conteúdo, estando nos lugares, é muito bom de uma forma orgulhosa e traz uma inspiração para que mais pessoas entrem nesses espaços”, observa.
Rodas de conversas: diálogo e a troca de saberes
Espaços coletivos focados em diálogos são fundamentais para proporcionar uma ampla compreensão das culturas indígenas, além de serem ocasiões bastante propícias para a troca de conhecimentos, contatos e experiências.
Anna Dantes, idealizadora do Selvagem — um ciclo de estudos sobre a vida, que conta com a orientação de Ailton Krenak — e fundadora da editora Dantes, destaca a importância de iniciativas como essas, contando especialmente das ações do Selvagem. “Começamos a fazer as rodas de conversa em 2018 para trazer o saber indígena ao centro da roda, amparado por uma troca de perspectivas com outros saberes científicos, não indígenas e artísticos.”
Esses eventos, realizados inicialmente no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, não só atraíam um público numeroso, mas também serviam como um ponto de encontro para a diversidade de vozes, conforme relata a editora. “O Ailton mediava essas rodas. A gente ia lá falar sobre o céu, sobre a serpente cósmica e, enquanto isso, a editora Dantes lançava livros que aprofundavam esses temas”, explica Anna.
Com a pandemia de Covid-19, os diálogos transcenderam as barreiras físicas e se fortificaram no online, no site do ciclo e no canal no YouTube.
O projeto também apadrinha financeiramente de forma contínua a transmissão de conhecimentos tradicionais e a educação indígena. “O Selvagem apoia financeiramente cinco escolas vivas em territórios indígenas, programa coordenado pela educadora e pensadora Maxacali Cristine Takuá”, sublinha.
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