Jovens engajados: direitos básicos e saúde mental — Gama Revista
Como promover a saúde mental nas escolas?
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Semana

Jovens engajados: direitos básicos e saúde mental

Poesia, rap, psicologia e educação: ativistas usam diversas frentes para lutar por direitos de diferentes comunidades e territórios e promover a saúde mental das juventudes

Ana Elisa Faria 29 de Setembro de 2024

Jovens engajados: direitos básicos e saúde mental

Ana Elisa Faria 29 de Setembro de 2024

Poesia, rap, psicologia e educação: ativistas usam diversas frentes para lutar por direitos de diferentes comunidades e territórios e promover a saúde mental das juventudes

Em um país de proporções continentais e desigualdades abissais como o Brasil, não existe a juventude brasileira, mas as juventudes: das periferias, dos territórios indígenas, do interior, do Nordeste, do Norte, das metrópoles. Elas são muitas e querem coisas diversas.

Ainda assim, em comum, todas precisam ter os direitos sociais básicos garantidos e um olhar cuidadoso para a saúde mental.

Com esses dois objetivos em mente, cinco jovens engajados usam diferentes meios para alcançá-los, da poesia à psicologia, passando pelo rap e pela educação. Juntos, eles estarão no 6º Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância, promovido pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, para falar sobre os desafios enfrentados em relação à saúde mental e as possibilidades de ação.

Abaixo, Gama apresenta essa turma de ativistas.


Foto: Alexandre Machado

“Eu tropecei na poesia, e essa foi a minha melhor queda”
Tawane Teodoro, poeta marginal

A trajetória de Tawane Theodoro, 25, cria do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, é marcada pela força da educação e da poesia. Foi na palavra que ela encontrou a maneira de transformar, além da própria realidade, a de muitos jovens. “Eu tropecei na poesia, e essa foi a minha melhor queda”, diz.

Organizadora do Sarau do Capão, Teodoro é autora dos livros “A Pluralidade da Poeta” (Quirino Edições, 2022) e “Afrofênix: A Fúria Negra Ressurge” (Quirino Edições, 2019). Mas, quem a vê cheia de publicações e com o microfone na mão recitando para uma plateia cheia, não imagina que ali já morou uma garota tímida e que a poética chegou de forma inesperada, durante as aulas no Cursinho Popular Carolina de Jesus, em 2016.

Com dificuldades para fazer a lição de casa, um professor a encorajou. “Na hora que ele falou que o texto era meu e eu poderia fazer o que quisesse com ele, ficou fácil, destravei”, lembra. Daí em diante, apaixonou-se pela escrita e, em pouco tempo, declamava seus poemas nos saraus locais, o que abriu caminho para a entrada na cena do slam.

Em 2019, foi convidada para ser poeta formadora no Slam Interescolar, projeto do Slam da Guilhermina que realiza oficinas e competições de poesia falada entre escolas — o que, para ela, mais do que ensinar uma técnica é uma forma de proporcionar aos estudantes autoconhecimento e autoestima. “Damos autonomia aos jovens ao permitir que falem sobre suas vivências e enxerguem que a poesia pode ser um canal de desabafo, um meio de expressão”, explica.

Teodoro também vê a poesia como uma ferramenta para a manutenção da saúde mental. Ela mesma enfrentou desafios na adolescência e a palavra falada serviu como cura. “A poesia me trouxe autoconfiança. Falar em público sobre questões sociais e pessoais exige que a gente esteja bem com a gente mesmo.”

A poeta frisa que o trabalho que realiza nas escolas é importante pela representatividade. “Quando entro em uma sala de aula, sei que meu corpo, como mulher preta de quebrada, representa muito. Os jovens se veem em mim e enxergam uma possibilidade”, conclui.


Foto: arquivo pessoal

“Sempre me indignei com a falta de oportunidades para os jovens”
Rodrigo Vanderlei, diretor executivo do Mapa Educação e secretário-geral do Conjuve

Apesar de jovem, o pernambucano Rodrigo Vanderlei, 20, já tem uma missão de vida: a transformação social. Nascido no Recife, ele cresceu na comunidade do Barro, um dos bairros da cidade com o menor índice de desenvolvimento humano. “Eu sempre me indignei com o que via, principalmente com a falta de oportunidades para os jovens”, conta. Foi essa inquietação que o levou a trilhar, desde muito cedo, um caminho dedicado a impactar e a transformar positivamente a realidade difícil da juventude ao seu redor — com a educação sendo o meio escolhido para promover essa mudança.

Estudante de ciências sociais na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Vanderlei é hoje diretor executivo do Mapa Educação, organização que forma lideranças educacionais pelo Brasil. A trajetória na instituição começou em 2021 como voluntário, até que, no fim de 2022, foi convidado a assumir o cargo que ocupa atualmente, tornando-se o primeiro líder fora do eixo Rio-São Paulo e o mais jovem a ocupar a posição. “Foi uma honra assumir essa responsabilidade. Carrego o desejo de fazer a diferença pela educação“, afirma.

O rapaz também é fundador do Redabeat, cursinho pré-vestibular de redação voltado a estudantes de baixa renda da capital pernambucana. Ele explica que a motivação para criar o projeto veio da própria experiência de ser o primeiro da família a ingressar em uma universidade pública. “Ver meus vizinhos e familiares acharem aquela conquista tão distante e uma exceção me indignou. Então, o Redabeat nasceu da vontade de quebrar barreiras e modificar a realidade por meio das minhas habilidades.”

Vanderlei é ainda um defensor ativo da importância do cuidado com a saúde mental dos mais jovens. Como secretário-geral do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), ele reforça a urgência dessa discussão no Brasil. “Saúde mental e juventude são questões inseparáveis. Metade dos transtornos mentais surge por volta dos 14 anos, e muitos sequer são diagnosticados ou tratados”, alerta. Segundo ele, o Conjuve vai promover iniciativas nacionais para ampliar o debate sobre o tema.

Um dos sonhos pessoais de Rodrigo Vanderlei é ser diplomata — um bom negociador, ele já parece ser, com tudo o que faz e as atividades que exerce. Para o coletivo, o jovem almeja “uma sociedade cada vez mais fraterna e justa”. “Todos os dias eu acredito em um Brasil melhor, eu vejo a força do impacto que temos”, comenta.


Foto: arquivo pessoal

“Meu foco é garantir que as políticas funcionem para quem precisa”
Ester Guerra, educomunicadora, artista e ativista

Ester Guerra, 21, cresceu na Cidade Tiradentes, extremo leste da capital paulista, em um ambiente em que música e conscientização social sempre estiveram lado a lado. Inspirada pela mãe, que cantava rap evangélico, a jovem deu os primeiros passos musicais ainda criança, com o grupo GGF A Família — formado por ela, o irmão e os pais —, e com as letras que a própria compunha abordando problemas do dia a dia da sua comunidade e questões como raça e classe.

Aos 12 anos, Guerra foi estudar na Escola de Música do Ibirapuera, que era gratuita na época, o que ampliou a interesse da garota pelo tema. A partir daí, participou de movimentos importantes, a exemplo da Frente Nacional de Mulheres no Hip-Hop e o Mês do Hip-Hop em São Paulo. Ela deixou “a caixinha do rap” após um tempo, mas seguiu com a carreira musical como uma ferramenta de conscientização e luta por direitos.

Durante a pandemia, lançou um e-book de poesias, deixando um pouco as adversidades do mundo para focar nos próprios sentimentos. Mais tarde, entrou para o Passa a Visão, programa do Unicef voltado para jovens comunicadores da Cidade Tiradentes com o objetivo de evitar as múltiplas formas de violências contra crianças e adolescentes na região. “Foi um trabalho incrível, estudamos causas e consequências dessa violência, e como as políticas públicas podem funcionar para proteger as vítimas”, lembra.

Guerra também iniciou a formação em pedagogia, motivada pela vontade de levar as discussões sobre direitos de pessoas pretas, periféricas e mulheres aos espaços educativos. “Conhecer escolas de diferentes territórios me fez perceber as enormes disparidades que afetam diretamente a juventude”, relata.

Hoje, continua a escrever poesias e a usar a voz para defender os direitos humanos. “Meu foco é garantir que as políticas públicas realmente funcionem para quem precisa.”


Foto: Gabriel Marques

“Sempre levei as pautas da juventude indígena para os espaços de decisão
Tel Guajajara, coordenador nacional do Circuito Universitário de Cultura e Arte da União Nacional dos Estudantes e conselheiro do Conjuve

Indígena do povo guajajara-tenetehar, Tel Guajajara, 24, da aldeia Morro Branco, no Maranhão, tem se dedicado ao tema da saúde mental e a defender o acesso das comunidades indígenas ao ensino superior. Vindo de uma família de lideranças políticas, cresceu com uma forte consciência das desigualdades enfrentadas pelo seu povo. Para dar vasão à indignação e colocar a mão na massa, foi cursar direito na Universidade Federal do Pará (UFPA) e, atualmente, além de estudar, é coordenador do Circuito Universitário de Cultura e Arte da União Nacional dos Estudantes (Cuca-UNE).

Engajado no movimento estudantil desde a adolescência, Tel integrou a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e, já na faculdade, começou a militar no Diretório Central dos Estudantes (DCE) e no centro acadêmico. “Sempre levei as pautas da juventude indígena para os espaços de decisão”, destaca Tel, que também é conselheiro nacional de juventude do Conjuve.

A saúde mental no ambiente educacional é uma das principais preocupações de Tel nos trabalhos que realiza. Ele ressalta os desafios enfrentados pelos indígenas mais novos que, muitas vezes, sofrem com o distanciamento de seus territórios e a falta de políticas de acolhimento. “A maioria dos casos de suicídio da população indígena jovem está entre os guarani-kaiowá e, geralmente, acontecem dentro das universidades. É uma impotência social que afeta profundamente a saúde mental”, relata.

Pensando nisso, ele fez parte da Apyeufpa, associação dos estudantes indígenas da UFPA, referência no Brasil no quesito acolhida. Ele fala que, em tupi, apye significa dar de comer e beber, ou seja, uma demonstração de afeto e amparo. “Temos uma sala na universidade, onde podemos fazer trabalhos, receber outros povos e professores de fora. Alguns projetos pedagógicos são executados lá também. É uma política de pertencimento fundamental para os indígenas que estão na universidade fiquem bem e não evadam”, comenta o rapaz.

De acordo com Tel, é essencial que as universidades brasileiras abram cursos próximos a localidades indígenas. “Porque ninguém quer sair do seu território, essa é a verdade. É onde a gente tem a nossa cultura. Então, se você sai, você vai buscar ferramentas na universidade para poder se sentir parte.”


Foto: arquivo pessoal

“O cuidado com a saúde mental fortalece a transformação social”
Tayná Gomes, psicóloga, atriz, escritora, poeta e educadora social

Em Cruz das Almas, cidade do interior baiano, Tayná Gomes, 27, atua em várias frentes com um mesmo fim: o bem-estar e a saúde mental das juventudes. Psicóloga, atriz, escritora e educadora social, ela utiliza as diversas habilidades profissionais e artísticas para promover o autocuidado e o desenvolvimento socioemocional. “O cuidado com a saúde mental fortalece a transformação social. Não temos como transformar as coisas se não estivermos bem”, pontua. Atualmente, Gomes é gestora e mentora de um projeto da ASEc+ (Associação pela Saúde Emocional) chamado “Comunidade de Jovens Embaixadores pela Saúde Mental”, que utiliza a educação entre pares para desenvolver habilidades nas juventudes para o diálogo com as suas comunidades sobre como cuidar de si e dos outros.

A psicóloga acredita que realiza um trabalho que impacta profundamente os jovens que cruzam o seu caminho, especialmente os de comunidades vulneráveis. “Promover a saúde mental é uma política de vida para mim”, conta.

Outra via de atuação de Gomes é como embaixadora e mentora do Cidadão Digital, programa da Safernet que, por meio de materiais educativos, orienta os mais jovens a utilizar as tecnologias digitais de maneira salutar e segura. “Ensinamos a usar as redes sociais de forma responsável, promovendo relacionamentos saudáveis e garantindo um espaço virtual seguro para todos.”

Também atriz e poeta, Tayná Gomes acredita no poder transformador do teatro e da escrita. “Tudo o que eu faço tem um pouco de arte. Utilizo a arte e a cultura como possibilidades para entender e acolher as pessoas em suas subjetividades”, compartilha.

Apesar de saber da importância da saúde mental, a profissional diz que é preciso olhar para a questão a partir de uma perspectiva social. ”Nunca descolo nada do que eu proponho da realidade social das pessoas porque a saúde mental é atravessada por questões de direitos básicos, como saneamento e possuir um local seguro e minimamente confortável para dormir”, ressalta. E reforça: “Meu objetivo é contribuir para uma sociedade em que todos possam se cuidar e, ao mesmo tempo, cuidar do outro.”

logo fundação Setubal

Este conteúdo é parte de uma série especial sobre saúde mental e as comunidades escolares, produzida com apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, instituição que atua em iniciativas sociais dedicadas à melhoria da qualidade de vida na infância, ao conhecimento científico sobre a saúde infantil e à assistência médica infanto-juvenil.