CV: Rafael Maretti
Fundador e diretor da Base Colaborativa, Rafael Maretti aposta no processo colaborativo de sua ONG para promover mudanças sistemáticas no mundo
Rafael Maretti trabalhava como advogado consultivo na área de Project Finance. Com formação em direito pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), passava os seus dias no escritório. Em paralelo, sonhava com a possibilidade de mudar o mundo.
Em parceria com os amigos, em 2009 criou uma empreitada que busca transformar a sociedade — e acabou alterando toda a sua vida no processo. Chamada de Base Colaborativa — a organização, da qual hoje ele é diretor, é um centro de inovação social que potencializa e desenvolve pessoas e suas ideias para mudar o mundo. Maretti também foi um dos co-criadores da Virada Política e é um jovem talento da Arymax, Global Shaper do Fórum Econômico Mundial.
“Eu fiz parte da geração que descobriu que era possível viver de ativismo”, conta o diretor. Para Maretti, o trabalho inicial na Base foi pautado na experimentação. Criada em 2009, a ONG tem o foco em inovações e adotou características de startup que a tornaram vanguarda no mundo do ativismo. “O terceiro setor existia, mas haviam muitas formas novas de se praticar ativismo que não eram exploradas. Naquela época era tudo mato”, brinca.
Mesmo sem a pretensão inicial de se criar uma iniciativa duradoura, o projeto passou a render cada vez mais frutos. Em 2013, Maretti tomou a decisão de sair do seu emprego para se dedicar integralmente à ONG. “Quando o projeto começou a exigir mais tempo do que eu conseguia doar de maneira voluntária, optei por ir diminuindo aos poucos o ritmo do meu outro trabalho. Mas isso não aconteceu no começo, demora um bom tempo até você conseguir criar raiz e ter algo para te sustentar.”
“Quando as pessoas acreditam em algo elas levam isso para outros espaços. A medida que vão se transformando, o mundo também muda e abre caminho para novas vozes”
O diretor reconhece seus privilégios e entende que pode se arriscar porque contou com a sua família para dar suporte. Na direção da Base, a renda de Maretti diminuiu consideravelmente, mas ele nunca se sentiu tão preenchido. “Sete anos depois, estou ganhando o que costumava ganhar quando larguei o meu outro emprego. Mas quanto eu pagaria para ter esse tipo de sensação positiva?”
Ao longo dos anos, a Base passou a promover projetos sociais como cursos de desenvolvimento humano, grupos de estudos e bate-papos que visavam potencializar pessoas e ideais em prol do mundo. “Eu sabia que não iríamos mudar o mundo com poucas pessoas, mas como fazer com que outros participassem das nossas conversas e ouvissem nossos ideais?”
Dentre os projetos sociais da organização, destacam-se: “Abacaxi“, iniciativa que busca profissionalizar pequenos empreendedores da periferia; “Libélula“, que promove cuidados de beleza e conversa para mulheres que visitam seus familiares no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros; “Re.Juntar“, onde menores que vivem em abrigos têm suas casas reformadas e podem retornar ao lar e ao convívio familiar.
O sucesso dos projetos sociais foi tamanho que a Base também passou a operar com empresas, oferecendo cursos, workshops e palestras sobre comunicação não violenta, Teoria U e Team Building.
Operando como um projeto colaborativo, a ONG adota um modelo de trabalho que pensa no coletivo e busca descentralizar o poder. Mesmo Maretti sendo o membro que está lá há mais tempo, as decisões são tomadas por todos.
Hoje, o espaço caminha da periferia ao mundo empresarial, oferecendo cursos e projetos que buscam criar uma mudança sistêmica no mundo. “Quando as pessoas acreditam em algo elas levam isso para outros espaços. A medida que vão se transformando, o mundo também muda e abre caminho para novas vozes”, finaliza Maretti.
Gama conversou com Rafael Maretti sobre sua trajetória profissional, as dificuldades em se trabalhar no terceiro setor e qual o melhor caminho para entrar na área.
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G |O que te trouxe até aqui?
Rafael Maretti |A trilha para empreender não é uma trilha fácil. O glamour existe, mas por motivos diferentes dos quais as pessoas costumam imaginar. Não é pelo sucesso ou pelo louvor, e sim sobre a vontade e potencial de você colocar algo seu no mundo e sentir que isso é útil para outras pessoas. No fundo, o que me motiva é algo mais profundo: a vivência de experiências que me fazem perceber que a vida faz sentido.
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G |Você teve um mentor?
RM |Eu tive vários mentores, mas não um formal. Para mim, o conceito e a lógica da mentoria foram se transformado: a Base é um projeto colaborativo, a transmissão de conhecimento sempre foi muito diluída no grupo. Passei diversas horas conversando com as várias pessoas que apareciam por lá sobre inúmeras questões e aprendi muito.
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G |Quais são os principais desafios da sua área?
RM |É uma área que exige muita dedicação e que é difícil de gerar impacto. As pessoas tentam, mas são poucos casos bem sucedidos — onde há certeza de que houve uma intervenção funcional. É difícil e muito mal pago, você não consegue trabalhar com uma equipe gigantesca e vai ter que se entregar muito. É comum se perguntar como você vai conseguir sustentar uma família, afinal não está gerando patrimônio ou alguma garantia para o futuro. São diversos desafios, e o fato de ser uma área em crescimento significa que muita gente vai olhar para ela de forma superficial.
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G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido?
RM |É preciso ir além do intelectual, não ficar só postando e compartilhando coisas. É importante ir para a prática, seja com o voluntariado ou com doações, criar uma rede de relacionamentos com as pessoas que estão falando a mesma linguagem que você. Quando se vai além do compartilhar stories e se coloca mais compromisso nessa trajetória — e eu não estou falando para ninguém largar o emprego — você naturalmente cria e desenvolve conexões com pessoas que eventualmente podem se tornar parceiros de trabalho. Estar próximo é o melhor jeito de se envolver e de descobrir oportunidades. A minha trajetória tem mais de dez anos e sempre foi sobre a jornada, não a chegada. É importante continuar insistindo, ir lá e fazer, sentir que se está caminhando no caminho certo e que você gosta do trajetória que está seguindo.
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G |A paixão e a motivação andam juntas?
RM |Eu acabo trabalhando muitas horas por semana. Além do trabalho normal tenho de acompanhar os voluntários que operam no meu contraturno. São muitas horas, mas paixão é o que faz seu coração vibrar. Os cursos que eu dou muitas vezes acabam tarde, mas isso me energiza mais para o próximo dia, mais do que se eu tivesse ficado em casa assistindo TV. Existe o raciocínio de que, quanto mais horas você trabalha, mais horas você cansa. Mas o trabalho não é fundamentalmente desgastante para mim — quando estou viajando muitas vezes fico pensando nas coisas em que poderia estar trabalhando. Eu realmente gosto do que faço e, nesse sentido, paixão e movimentação andam muito bem juntos.
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G |Você vive para trabalhar?
RM |Hoje, minha prioridade número um é o trabalho. É lá onde eu encontro várias necessidades humanas como a amizade, um espaço aberto para o diálogo, um ambiente para me divertir. O trabalho é minha vida, esse contorno de emprego acaba se perdendo, não há uma separação entre trabalho e vida. Mas essa é a missão de uma organização evolutiva, criar um local que integre as pessoas por inteiro. O fato de que nós não trabalhamos com meta também ajuda, esse não é o caminho da Base. Lá, há sempre muitas coisas interessantes para se fazer e se descobrir.