CV: Pedro Tourinho
Hoje à frente da Secretaria de Cultura de Salvador, publicitário fundador das agências MAP Brasil e Soko quer causar impacto real
Quando Beyoncé decidiu aparecer de surpresa em Salvador, em dezembro, para divulgar pessoalmente o lançamento de seu filme “Renaissance”, a vinda foi um motivo de êxtase para uma legião de fãs da diva norte-americana. Para o empresário e publicitário especializado em cultura e entretenimento Pedro Tourinho, 41, no entanto, o evento em sua cidade natal foi também razão de orgulho. Isso porque o momento, em sua visão, coroou um ano intenso à frente da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo da capital baiana, primeiro cargo público que o profissional de comunicação ocupou. “A cultura do Brasil é negra, a cultura pop do mundo é negra, portanto, em que outro lugar do mundo Beyoncé deveria estar senão em Salvador?”, publicou à época no Instagram.
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“Eu e meu time nos sentimos muito contemplados”, revela Tourinho em entrevista a Gama. “Isso vem depois de um ano trabalhando Salvador como o centro da cultura negra mundial. Uma decisão espontânea dessas trouxe uma repercussão gigante, pelo trabalho que fazemos no dia a dia para as pessoas da cidade.”
Diversificada e eclética são algumas das palavras mais adequadas para descrever a trajetória do profissional dentro da comunicação, ao longo de mais de 20 anos de carreira. Após trabalhos em agências de marketing promocional, voltados para grandes marcas como Vivo, Johnson & Johnson e Walmart, foi em 2009 que ele decidiu fazer uma transição para a área da cultura e entretenimento. Pensando nisso, passou um ano em Los Angeles, estudando entretenimento e mídia na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles).
O período ainda coincidiu com o boom das redes sociais e a forte digitalização da indústria do entretenimento. “Começamos a falar de segunda tela, transmídia, multiplataformara… um momento de virada de chave”, relembra. Foi também a época em que plataformas como o Twitter e outras redes vinham ganhando popularidade, pouco antes da chegada de gigantes a exemplo do Instagram e Netflix.
De volta ao Brasil, ele integrou na Record o programa “Legendários” (2010-2017), apresentado por Marcos Mion, como diretor de conteúdo e interatividade. “Aplicamos muitas coisas que só viriam a acontecer bem depois na Globo e em emissoras grandes. Fizemos muitas experimentações com transmídia e multiplataforma, que na época as pessoas não registraram, desde colocar o Twitter na transmissão até trabalhar com uma segunda tela.”
Em seguida, passou por empresas como a New Content e a GEO Eventos. Nesta, braço das Organizações Globo, foi diretor de marketing, ajudando a implementar o Lollapalooza no país e trabalhando com marcas e eventos do setor de entretenimento. A partir de 2014, Tourinho fundou dois de seus empreendimentos mais reconhecidos e bem-sucedidos: a agência de gestão de carreiras artísticas MAP Brasil e a SOKO, voltada para relações públicas e a criação de estratégias que aliam marcas à cultura e sociedade.
Quanto mais você fortalece quem é, mais se torna poderoso. Essa busca pela essência da verdade é um aprendizado
Desde então, capitaneou projetos com dezenas de artistas pelo Brasil, de nomes como Anitta a Regina Casé e Chay Suede. Também atendeu marcas do porte da Netflix, Spotify e Unilever. Durante a pandemia, no entanto, essa atuação começou a gerar um certo esgotamento. “Estava saturado desse engajamento de celebridades, que me dava um pouco de sensação de vazio”, revela.
Decidiu deixar a MAP e, em 2023, recebeu o convite para assumir como secretário de cultura e turismo em Salvador, onde ajudou a inaugurar museus como o Afro-Brasileiro, a Casa das Histórias de Salvador e Arquivo Público, e a nova galeria de arte no subsolo do Mercado Modelo. Além disso, tem investido no desenvolvimento audiovisual da cidade e na revitalização do centro histórico da capital baiana. “O Airbnb colocou Salvador como a única cidade brasileira entre as 10 do mundo mais procuradas para 2024. Então a gente vê o trabalho de associar cultura e turismo dando resultado”, afirma.
Tourinho considera o trabalho no poder público o fechamento de um grande ciclo de carreira, em que perpassou todas as etapas do ecossistema de entretenimento e cultura. “Hoje sou um profissional com experiência em praticamente todas as fases do sistema de impacto cultural e influência, de celebridades e marcas até governos, manifestações culturais e TV aberta. Tenho segurança para lidar com qualquer questão e busco desafios cada vez maiores”, diz o publicitário, que registrou boa parte do conhecimento que adquiriu no livro “Eu, Eu Mesmo e Minha Selfie” (Penguin, 2019).
Defensor de “não se apegar demais à cadeira em que senta”, ele considera um dos maiores desafios no mundo profissional a busca por impacto real num universo em que é muito fácil cair no engajamento vazio. Embora hoje sinta esse impacto na política pública, admite que também se trata de uma fase. “Daqui a pouco vai passar.” No papo com Gama, Tourinho reforça a importância de entender as próprias capacidades, de saber lidar com erros e acertos e fala da relação entre o eu pessoal e profissional.
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G |Você já passou por empresas de mídia como Record e Globo e atuou na gestão de carreira e imagem de personalidades como Anitta e Regina Casé. Cada um desses desafios é muito diferente do outro? Quase como um recomeço?
Pedro Tourinho |Parece aleatório, mas sempre tive uma estratégia. Nesse ecossistema de influencers e impacto cultural, queria passar pela publicidade, pela criação de conteúdo, ser diretor de um programa ao vivo…Participei do boom de influenciadores no Brasil, abri uma agência de comunicação que trabalhou publicidade de forma disruptiva, escrevi um livro sobre imagem pública e geri muita crise de imagem, trabalhando próximo da imprensa. Agora estou no poder público, um fechamento, porque passei por todas as casas desse ecossistema de impacto cultural, que eu queria compreender, viver e dominar. Hoje sou um profissional com experiência em praticamente todas as fases do sistema de impacto cultural e influência, de celebridades e marcas até governos, manifestações culturais e TV aberta. Hoje tenho segurança para lidar com qualquer questão e busco desafios cada vez maiores. Administrar a área de turismo e cultura de uma cidade como Salvador, cuja maior atividade econômica é o turismo, é um grande desafio. É supercomplexo lidar com o serviço público, todos os trâmites burocráticos, mas aprendi rápido e estou fazendo as coisas acontecerem.
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G |Quais os seus maiores aprendizados ao longo de uma carreira tão eclética?
PT |Quanto mais você reforça e potencializa quem é de verdade, suas capacidades — mais as potências do que as fraquezas — e quando tem consciência disso, com clareza do que está fazendo, o que espera daquela etapa da vida e quais objetivos quer alcançar, isso te dá potência para tomar decisões, reconhecer o sucesso e aprender com os erros. Nesses 20 anos de carreira, consegui realizar muitos sonhos. Realizei o sonho de dirigir um programa na televisão, abrir uma agência de publicidade, trabalhar com grandes artistas, cuidar e deixar um legado na minha cidade. E tudo isso com muita consciência. Uma frase do [filósofo português] Agostinho da Silva que cito em toda entrevista, por ser um elemento que uso na construção da minha carreira e dos meus clientes, é: “Torna-te quem tu és e seja contagioso.” Quanto mais você fortalece quem é, mais se torna poderoso. Essa busca pela essência da verdade é um aprendizado.
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G |Quando você fala de sucesso e impacto, ao que se refere?
PT |Depois de trabalhar com celebridades e campanhas publicitárias, entender o impacto que pode mudar a vida das pessoas tem sido um aprendizado muito importante. Quando a gente trabalha com o efêmero, a potência do real muda a perspectiva do que é sucesso, que tipo de resultado você busca, se é um like na sua foto ou que seu trabalho tenha impacto na vida das pessoas. Peguei o final da cultura de celebridade, o início e o pico da cultura de influência. Trabalhei com artistas do tempo em que ser galã da Globo era muita coisa. Sou sócio e faço coisas com Anitta até hoje. Mas o que fazer para gerar impacto real na sua comunidade? Não é necessariamente ser um sucesso mundial, mas às vezes isso traz uma repercussão global sem que você almeje. Quando a Beyoncé escolheu vir a Salvador, em dezembro, eu e meu time nos sentimos muito contemplados. Isso vem depois de um ano trabalhando Salvador como o centro da cultura negra mundial. Uma decisão espontânea dessas trouxe uma repercussão gigante, pelo trabalho que fazemos no dia a dia para as pessoas da cidade.
O desafio é trabalhar a vida real nesse mundo digital
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G |Você diria que essa busca é sua missão na profissão?
PT |Não tenho uma missão, mas um parâmetro de onde quero colocar minha energia e tempo. Já vi pessoas super inteligentes bolando campanha para um produto em que ninguém acreditava. Pensei: vamos realmente gastar nossa energia e inteligência com algo em não acreditamos? Em 2010, fiz um projeto muito bonito na Bahia com o Criolo, em parceria com a Petrobras. No final, conversando com ele, comentei que seria bom se a gente pudesse só fazer trabalhos assim. Ele olhou para mim e perguntou: Por que não? O que te impede? Realmente, é uma decisão. Há algum tempo, só me envolvo em trabalhos dos quais me orgulho muito, começando pelas campanhas da Soko, uma agência referência em cultura corporativa e impacto na comunicação do Brasil. E agora, virar uma chave importante em Salvador. Então não sei se é uma missão, mas um parâmetro para decisões.
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G |E quais os principais desafios de atuar com comunicação e marketing cultural no Brasil?
PT |Tem que saber separar o joio do trigo, o que é real do que é engajamento vazio. Não se deixar ludibriar pela fama, os likes, métricas impostas pelo mercado publicitário. São todas questionáveis, com viés segregatório, mais de interesses corporativos do que reais. O desafio é trabalhar a vida real nesse mundo digital.
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G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido com o seu?
PT |Tenha consciência de quem você é e do que quer. A capacidade de questionar como as coisas são feitas nunca foi tão urgente. Hoje a fantasia mercantilista de conteúdo, de imagem e atenção se tornou gigante, uma coisa opressiva e disfarçada. Como viver desse mercado mantendo a consciência das relações reais, o pé no chão? Talvez seja uma coisa lato sensu, filosófica, mas é algo em que vale a pena pensar quando se entra no mercado de trabalho. A segunda coisa é ter consciência do que quer em cada passo que você dá. Quanto mais alinhar quem você é com a imagem que transmite, mais potente vai ser. Na carreira, em qualquer área, isso é fundamental. Muitas vezes, a pessoa idealiza um trabalho, uma posição de sucesso. Tantos querem ser influenciadores, famosos, mas o que isso tem a ver com você? Não é um questionamento que se ensina na universidade, mas faz toda a diferença.
Não dá para dividir pessoal e profissional. Sou a mesma pessoa no trabalho e fora dele
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G |De que maneira nasceu o projeto do livro “Eu, Eu Mesmo e Minha Selfie”? Você conseguiu incluir bastante desse conhecimento e aprendizado ali?
PT |Esse projeto surgiu porque cuidei da imagem de muitas celebridades brasileiras, durante a minha carreira, nesse momento de transição do mainstream da TV para o digital. As primeiras crises de imagem, os cancelamentos, vivi essa dinâmica com uma visão muito privilegiada porque trabalhava com as maiores celebridades da época. Juntando isso à minha filosofia de vida e às leituras que me formaram enquanto profissional e pessoa, senti necessidade de deixar algo escrito para a sociedade. Até porque queria parar de fazer gestão de crise de celebridades, estava encerrando um ciclo. Me orgulho muito desse livro. Não é datado, pode ser consumido em qualquer época e por qualquer geração. Já tem cinco anos que lancei, mas segue super atual.
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G |Em algum momento, você chegou a desanimar com a sua área profissional?
PT |Fui mudando dentro da área de comunicação. Procurei uma visão de carreira sistêmica e não linear, que permitisse usar meu conhecimento e ferramentas em áreas diferentes de um mesmo ecossistema. Não comecei estagiário para continuar na mesma empresa por dez anos, fui rodando por todos os lugares. Sempre soube a hora de sair, nunca me apeguei muito à cadeira em que sentava. Foi uma segurança que me impediu de ter a sensação de desistir, porque realmente fui avançando a cada passo. O mais próximo que senti da desistência foi no meu questionamento sobre impacto real versus engajamento vazio. Ali vendi a MAP, não queria mais trabalhar com isso, pelo menos não daquela forma. Era uma empresa bem-sucedida, símbolo do mercado. Ninguém acreditou quando falei que ia sair. Mas foi um questionamento de trabalho, hoje sinto esse impacto na política pública, que também é uma fase. Daqui a pouco vai passar, vai ter outro passo.
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G |Nessa trajetória você cometeu algum erro que não cometeria hoje?
PT |Os erros e acertos, de maneira igual, me fizeram chegar aonde estou hoje. Sou muito satisfeito com quem sou, então não consigo apontar nada dessa perspectiva negativa. No fim, estou feliz com o que estou construindo. Tenho esperança de que amanhã vai ser ainda melhor. Caminho numa direção de prosperidade, autoconhecimento e satisfação, não tenho em mente aquilo que errei.
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G |Você diria que vive para trabalhar?
PT |Deus me livre. Logo no início da carreira, tive uma chefe que vivia dizendo que, na vida profissional, tinha que ser deste ou daquele jeito. Eu falava: Mas você é cortado no meio, pessoal e profissional? Como é isso, são duas pessoas? Não era nem uma chefe legal, mas esse recado ficou na minha cabeça. Porque, nesse processo de autoconhecimento, de afirmação de quem você é, de entender suas qualidades e características, não dá para dividir pessoal e profissional. Sou a mesma pessoa no trabalho e fora dele. Obviamente organizo meu tempo, mas a pessoa é a mesma. Então eu vivo e trabalho. Ou melhor, eu vivo e realizo.
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