CV: Batman Zavareze — Gama Revista
Elisa Mendes

CV: Batman Zavareze

Artista visual e diretor de criação sempre buscou estar atento ao entorno para criar seus projetos, que incluem shows de Marisa Monte e Roberto Carlos e eventos como o G20 Brasil

Flávia Mantovani 15 de Janeiro de 2025

“Devagar”. A palavra, escrita no asfalto para alertar os veículos sobre a proximidade de uma escola, estava o tempo todo ali, em frente à sede de um evento que o artista visual Batman Zavareze assinou a direção de arte. Até que ele a enxergou. E viu, naquilo, uma inspiração para desacelerar. “Acabei dando essa orientação para todos os palestrantes: de a gente respirar um pouco mais, congelar esse instante, olhar mais no olho das pessoas.”

O episódio, que aconteceu no início de novembro durante o evento Filantropando, em São Paulo, é representativo do olhar que Zavareze desenvolveu sobre o mundo. O que lhe interessa, afirma, é “enxergar as coisas que estão ali e que a gente não consegue mais ver”. “Para mim, além do que se possa dizer sobre o meu trabalho em termos de luzes, de conteúdos animados, de artes visuais, essa construção é o que importa. É chegar a um lugar e ter uma palavra ‘devagar’ enorme, que toda hora você vai ver… Se eu consigo enxergar isso, é o que mais me importa”, diz.

Essa capacidade de ressignificar o óbvio foi um dos atributos que levaram Zavareze a se tornar um dos diretores de arte e de criação mais requisitados do país. Seu currículo inclui a cerimônia de encerramento das Olimpíadas do Rio em 2016, a posse do presidente Lula em 2023, o Festival Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza — que abriu a Cúpula de Líderes do G20 neste ano — e shows de artistas como Marisa Monte e Roberto Carlos.

Nascido Marcelo Zavareze há 51 anos, em um subúrbio do Rio de Janeiro, Batman ganhou esse apelido por gostar de desenhar super-herois dos quadrinhos. Começou a trabalhar como assistente de câmera na MTV, onde fez carreira, mudou-se para Londres e passou pela Fabrica, famoso centro de pesquisa em comunicação fundado por Luciano Benetton e Oliviero Toscani, na Itália.

Lá, aprendeu a trocar o “do it yourself” (faça você mesmo) pelo “do it with others” (faça com os outros). “No primeiro aperto de mão, o Oliviero Toscani me fala: aqui você vai trabalhar coletivamente. Eu nunca tinha escutado essa palavra. Naquele momento eu entendi e me desconstruí completamente”, diz.

Batman costuma se denominar um “desespecialista” e gosta de embaralhar linguagens. No Filantropando, cada palestrante entrou no palco ao som de uma música que escolheu por ter um significado especial em sua trajetória. Ele diz que nunca inicia um trabalho explicando o que será feito. “Eu começo fazendo uma grande confusão, trazendo referências, trazendo músicas quando o trabalho é de pintura, imagens quando o trabalho é uma ópera”, afirma. O que sai dali é fruto desse processo coletivo. “Me interesso pelas coisas que eu nunca fiz, que eu nunca vi, que eu nunca escutei.”

É muito mais bacana trabalhar com saberes que você desconhece, se colocar em uma posição de ignorante

  • G |O que te trouxe até aqui? Como foi que o Marcelo virou Batman?

    Batman Zavareze |

    Eu levei 51 anos pra fazer, nos últimos 30 anos, tudo o que venho desenvolvendo profissionalmente. Sou o acúmulo de toda a minha trajetória, desde quando eu comecei a desenhar e a ler quadrinhos até o que eu faço hoje, que continua sendo contar histórias, ainda que não use lápis ou as canetinhas coloridas.
    Credito muito do que sou ao meu avô, David Zavareze, que me ajudava a juntar essas histórias, a imaginar utopias, outros cenários. Ele me perguntava: por que você desenhou o Batman? E os outros super-herois? E o que aconteceu antes? Ele nunca tinha entrado em um teatro, vem de família humilde, mas lia muito, me contava histórias do mundo inteiro, tanto que sempre acreditei que ele tinha viajado pro Egito, pra Grécia, que tinha subido o Rio Negro, porque ele contava com tanta riqueza de detalhes. Essa referência de começar desde cedo a ler e desenhar histórias me ajuda hoje a trabalhar com experiências audiovisuais e a imaginar.
    Outra experiência que até hoje me influencia foi a que eu tive na Fabrica, com 30 jovens do mundo inteiro, em 1997. Essa herança de olhar para trás para enxergar possíveis futuros, para mim, é parte do movimento o tempo todo — até porque está difícil compreender o presente.

  • G |Qual a sua missão na sua profissão?

    BZ |

    Tempos atrás, eu queria fazer. Em um segundo momento, eu queria aprender. Hoje, para mim, é muito importante, além de fazer e aprender, emocionar. E tem que ser de mão dupla. É que nem abraço: quando você abraça alguém e a pessoa te abraça profundamente, você vê que esse abraço está dando certo. Então, acho que o meu trabalho é sobre afeto. É sobre afetar e ser afetado.

  • G |Quais os seus maiores aprendizados nesses anos de trabalho?

    BZ |

    Aprender a errar. Em qualquer trabalho, você tem um compromisso com o sucesso, mas, ao longo das últimas duas décadas, convivendo coletivamente com muitos artistas, fornecedores, colaboradores, técnicos que têm conhecimentos extremamente mais profundos que eu sobre alguma especificidade, eu hoje me permito errar, falar alguma coisa que eu jamais sonhei em sonhar.
    Quando a gente consegue se libertar dos nossos acertos, das nossas zonas de conforto e de segurança, daquilo que está numa gaveta do que vai dar certo e a gente entra num lugar de “vamos errar?”, a gente ganha muita liberdade.

  • G |O que te move?

    BZ |

    Acho que é construir sementes nos lugares onde eu vou para que, daqui a 10 ou 20 anos ou quando eu não estiver mais aqui, elas floresçam. Quando eu estou fazendo um trabalho, para mim não é uma vitrine para engrandecer o portfólio. Hoje, eu olho a perspectiva de futuro, de deixar algum legado. Já fiz 13 livros como autor, trabalho muito com educação de pessoas que não têm acesso à cultura digital. Dou uma aula chamada “Eu me interesso pelas coisas que eu nunca fiz”, que é para incentivar as pessoas a sonhar.

  • G |Quais têm sido os maiores desafios para o seu trabalho?

    BZ |

    Trabalhar com pessoas muito imediatistas. O jovem hoje tem mais urgência do que o idoso. É uma velocidade de querer hackear a máquina, mas nós continuamos seres humanos, tendo que parar, pensar, debater, errar, quiçá acertar e pensar em caminhos. No trabalho coletivo, às vezes as pessoas querem respostas, mas eu estou em construção, não tenho nem nunca terei respostas absolutas.
    Acho que é uma coisa geracional mesmo. As pessoas estão muito focadas em realizar um trabalho, receber seus cachês, falar que as coisas foram realizadas, às vezes omitindo uma narrativa que poderia ser mais generosa sobre um trabalho coletivo. Espero que daqui a 50 anos isso esteja acalmado, decantado, para a gente contar de outra forma. O mais importante agora é não desistir da força da coletividade. É muito mais bacana trabalhar com saberes que você desconhece, se colocar em uma posição de ignorante, mesmo que você seja o líder daquele movimento.

  • G |Você teve um mentor?

    BZ |

    Tive alguns. David Zavareze, Walter Salles, Oliviero Toscani, Mestre Aldenir, Ailton Krenak, João Cabral de Melo Neto, Manoel de Barros. Quando o Krenak olha para mim, puxa meu olho pra baixo e fala: “Cara, eu preciso fazer um ritual de cura por você”, ele está usando o que eu mais busco, que é a intuição. Quando um artesão, o Mestre Aldenir, me diz: “Eu levei 70 anos pra fazer em 15 dias essa escultura”, ele ensina essa sabedoria de trazer a trajetória do seu tempo para dentro de qualquer singelo movimento que você faça. Isso muda tudo.

  • G |Você teve que abrir mão de alguma coisa para chegar onde chegou?

    BZ |

    Sem dúvida. Eu tenho uma urgência que eu não sei exatamente de onde vem — e isso vira também uma compulsão — de que quanto mais eu realizo, mais tenho vontade de realizar. E, apesar de todas essas possibilidades, de todos os países que eu já visitei, dos lugares e histórias que eu fui acumulando, eu sacrifiquei muita coisa, em termos de saúde, de mais tempo com a família, com os filhos. Mas eu não tenho culpa. Para mim, caminhar é mais importante do que chegar, então se em algum momento eu chego a algum lugar e acho que está completamente equivocado, eu volto 50 passos atrás, para me reorganizar e reconectar.

  • G |O que diria para alguém que pensa em seguir um caminho parecido?

    BZ |

    A gente não tem uma escola exata para fazer o que eu faço, como existe para aprender a ser um bancário, um professor, um médico. Isso exige você viver profundamente, ser atravessado por causas, por práticas, por viagens.
    Acho que o primeiro ponto é: seja curioso para desaprender e desconstruir. Eu preciso estar rodeado de pessoas curiosas, abertas a desaprender, mais do que a aprender.
    Outra dica é realmente dedicar horas àquilo que você domina ou investiga: se você desenha, tira uma hora do seu dia e desenhe, se você escreve, tire uma hora do seu dia e leia. É um exercício que a gente não pode parar nunca. É assim que se cria musculatura para o cérebro, para a alma, para a criação
    Para concluir, tem uma frase que eu escutei quando estava envolvido na construção do Museu da Imagem do Som do Ceará. Fui conhecer uma cidade que todo dia escutava o vento, o vento Aracati, que em setembro bate mais forte e muda a dinâmica do lugar. Quando cheguei lá, um senhor falou: “Fecha o olho”. Obedeci, e ele começou a falar: “Quer ver? Escute”. E aí você percebe coisas que quando está com o seu olho muito ativo, curioso, vendo cada detalhe, você não percebe.
    Então eu abri o meu ouvido e hoje, quando eu estou muito desesperado no trabalho, eu fecho o olho e penso: o que está acontecendo? É quando eu consigo respirar, puxar de dentro do meu corpo alguma resposta, algum caminho. É escutar com todo o nosso corpo e com todos os nossos poros. Quer ver? Escute.

Este conteúdo é parte de uma série especial sobre filantropia, produzida com apoio do Instituto Beja, que atua para promover o impacto positivo no campo da filantropia fomentando a inovação, colaboração, eficácia e engajamento da sociedade civil, do setor privado e do governo para resolução de problemas sistêmicos.

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