Escute um livro — Gama Revista
©Otávio Gergely

Escute um livro

Os audiolivros podem reduzir a sua pilha de leituras pendentes. Saiba como aproveitar a tendência para ler mais, com os ouvidos

Willian Vieira 29 de Março de 2020

Foi-se o tempo em que um dos poucos livros que se podia ouvir era a Bíblia narrada por Cid Moreira. Escutar um livro é uma tendência que veio para ficar. Os números do mercado norte-americano, o maior do mundo, mostram que os audiolivros são, de longe, o setor que mais cresce.

Um em cada cinco norte-americanos os consome. Metade da população já ouviu ao menos um. E 56% diz ter lido mais por causa da opção em áudio. Enquanto a venda de e-books sofre queda e a de impressos cresce pouco (1,1% entre os de bolso), a de audiolivros saltou 37% entre 2017 e 2018, segundo relatório da APA (Associação Americana de Editores).

O sucesso é tamanho que já existe empresa lançando audiolivro em vinil. Até o New York Times tem seção fixa com best-sellers do áudio. E o boom ocorre mundo afora. Não há dados compilados no Brasil, mas, comparando 2018 e 2019, a Bookwire registrou 74% de crescimento por aqui.

Já há ao menos três plataformas 100% nacionais: Ubook, Tocalivros e Auti Books – esta última surgiu há meses com três das maiores editoras brasileiras (Sextante, Record e Intrínseca), unidas com a certeza de que, num país que lê pouco (30% da população nunca comprou um livro e 77% têm dificuldade para ler), os audiolivros servirão de porta de entrada a quem não tem o hábito.

Em tempos em que a atenção é disputada por estímulos diversos, fica difícil sentar e ler. Não à toa, retomamos o áudio como fonte de entretenimento e informação. O audiolivro pode ser levado no celular e ouvido a qualquer hora e em qualquer lugar. Segundo a APA, 60% dos leitores usufruem dele enquanto fazem outra coisa, como cuidar da casa e se exercitar, e 47% usam o smartphone para isso. Um livro de 300 páginas é ouvido em dez horas. Assim, fica mais fácil terminar uma obra.

O poder da voz

O poeta Rainer Maria Rilke concluiu assombrado, em 1926, que o fonógrafo, recém-inventado, poderia revolucionar a experiência da leitura, sobretudo se ela brotasse dos lábios do autor. Tem sido o caso hoje: afinal, por que não ouvir a autobiografia de Michelle Obama na própria voz dela? O mesmo se dá com escritores de literatura.

Não à toa, o selo “lido pelo autor” é estampado com alarde nos anúncios. Como não sucumbir ao poder dos poemas de Maya Angelou (1928-2014) narrados por ela ou não se impactar pela verdade crua de “Quem Tem Medo do Feminismo Negro” na voz da própria Djamila Ribeiro?

Em sua maior parte, porém, os audiolivros são lidos por profissionais treinados ou por celebridades – caso de “Emma”, de Jane Austen, lido por Emma Thompson. No Brasil, clássicos de Machado de Assis têm locução do apresentador Rafael Cortez; e os de Clarice Lispector, dos atores Antônio Fagundes e Beth Goulart – a atriz levou “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” ao teatro antes de narrá-lo.

Mesmo quando a voz não é do autor, os audiolivros oferecem uma experiência de leitura que, segundo pesquisas, enriquece o lado emocional do processo cognitivo. Eles ativariam até as memórias de infância, de quando alguém nos lia livros na cama.

Se ouvir um livro no trânsito traz prazer e informação, por que não?

Mas o debate não é consensual. Alguns críticos apontam a possibilidade de a história ser deturpada pelos excessos do narrador e que a experiência da leitura só seria completa no silêncio solitário do papel. Ler é um processo cognitivo complexo que requer alto nível de atenção e imaginação, o que acaba por criar um hábito fundamental para desenvolver o senso crítico e a criatividade.

Se alguns estudos indicam que é mais difícil prestar atenção ouvindo do que lendo, outros afirmam que o audiolivro não traz perdas cognitivas em comparação à leitura convencional. O consenso é que, para aproveitar um livro narrado em áudio, é preciso treinar a atenção para o ouvido, o que vai de encontro justamente ao que mais atrai as pessoas para o audiolivro: a possibilidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Para o psicólogo Daniel Willingham, autor de “The Reading Mind”, porém, a noção de que ouvir um livro é uma “trapaça” tem a ver com preconceito, oriundo da escola – como se ler fosse uma obrigação e terminar um livro uma vitória moral. Se ouvir um livro no trânsito traz prazer e informação, por que não?

Como ouvir um livro no Brasil

Por aqui, já há opções diversas, de serviços de assinatura a compras avulsas. E o leque de opções tende a aumentar com o Audible, da Amazon, que deve chegar em breve. Abaixo, cincos caminhos para ouvir um bom livro.

Ubook
Surgiu em 2014 e reúne livros, podcasts, revistas e jornais em áudio. Seu modelo é similar à Netflix: os assinantes têm acesso ao catálogo (com mais de 15 mil títulos) de forma ilimitada. O preço dos planos começa em R$ 29,90. É possível testar gratuitamente. O app para celular traz a opção Kids e a função Sleep (o timer evita que você durma no meio do livro).

Tocalivros
Também surgiu em 2014 e conta com cerca de 2.000 títulos no acervo. Tem planos ilimitados diversos, como mensal (R$ 19,90), semestral (R$ 113,49) e anual (R$ 214,90); este último, pré-pago, pode ser dado de presente. E há planos menores, como o Clube do Audiolivro, em que o usuário escolhe um ou dois livros por mês, além de títulos para compra avulsa.

Auti Books
A novidade nacional não tem assinatura, mas venda unitária dos livros, com vários clássicos de ficção, como “1984”, de George Orwell (15 horas de leitura, R$ 42,90). No primeiro bimestre, vendeu cerca de 30 mil audiolivros. Títulos de outras editoras, como a Companhia das Letras, estão disponíveis – é o caso da versão de “Estação Carandiru”, de Drauzio Varella, narrada por ele.

Google Play Livros
Lançado em janeiro, o serviço estreou no Brasil com 2.500 títulos, muitos de grandes editoras nacionais, como Globo, Record e Ediouro. Já tem títulos da Companhia das Letras, como “Um Coração Ardente”, de Lygia Fagundes Telles. As vendas são unitárias. A versão narrada do clássico mais vendido da plataforma, “A Arte da Guerra”, sai por R$ 14. Em sexto lugar entre os mais vendidos está “O Diário de Anne Frank”.

Storytel
Segunda maior plataforma do mundo, a sueca Storytel estreou no Brasil em setembro. A assinatura custa R$ 27,90 (com 14 dias de teste grátis). O título mais escutado atualmente é “O Assassinato no Expresso Oriente”, de Agatha Christie; e o grande lançamento recente, a versão oral de “As Brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Bradley.

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