Coluna da Vanessa Rozan: Sem filtro para a Meta — Gama Revista
COLUNA

Vanessa Rozan

Sem filtro para a Meta

Como fica um universo de informação circulando sem nenhum controle de checagem de fatos externo é o que veremos nos próximos anos

10 de Janeiro de 2025

Já parou para pensar no quanto você pode ser atingido pelo fim da checagem independente nas redes sociais da Meta, o grupo de Mark Zuckerberg? No limite, até o jeito como nos vemos pode mudar.

É preciso fazer um recuo temporal de algo muito importante que passou silencioso como se fosse só uma brincadeira. Lá em 2011, quando o Instagram surgiu, já estávamos acostumados (talvez você jovem não, pois não viveu o auge do Facebook, nem do Orkut e muito menos do Fotolog) a compartilhar imagens em nossas redes sociais. Fazíamos álbuns de viagem e seguíamos blogs de imagens inspiradoras como as que vemos no Pinterest até hoje. Mas essa rede social, disponível — a princípio — somente para portadores de Iphone, trazia um recurso inédito: a edição da imagem. Entre a tela de seleção de fotos e aquela onde digitamos a legenda e compartilhamos o post, o Instagram inseriu um passo obrigatório: filtros de edição. Essas pré-definições de configurações de imagem eram fixas e depois, com outras atualizações da plataforma, a gente passou a poder mexer individualmente em saturação, luz e outros aspectos mais técnicos. Só que o que era uma função divertida, escolher entre o filtro Valencia (lembrou?) ou outro estilo que me falta agora à memória, acabou moldando a forma como a gente vê uma imagem.

Claro que o Photoshop já existia antes e mudava tudo o que podia do corpo da mulher nas capas de revista, tendo seu auge maluco e cheio de excessos entre os anos 1990 e 2000 (teve até capa de revista que tirou um braço da modelo e esqueceu de recolocar). A diferença agora é que temos a possibilidade de fazer alterações com as nossas próprias mãos. Com isso, veio um adestramento visual daquele que posta. Isso significa que quem posta procura possíveis defeitos em si e no outro, e talvez nunca duvide da veracidade de imagens presentes dentro da plataforma, sejam próximas da realidade ou não.

O mundo molda o que pensamos sobre ele e o cérebro acredita no que os olhos enxergam. Mas ainda não sabemos distinguir o  real do falso; isso nenhuma rede social nos ensinou a fazer

Numa tentativa de autorregulação, a hashtag nofilter surgiu para demarcar imagens sem manipulação, e rapidamente perdeu credibilidade, com o nascimento de outras vertentes como #nofilterneeded ou #semfiltromesmo. Isso é passado. Hoje, temos influenciadoras que não existem na vida real, geradas por inteligência artificial, mas mesmo assim trabalham vendendo sua imagem para marcas que apostam na credibilidade delas. A IA também possibilitou a criação de memórias ou cenários que nunca existiram, como a do Papa Francisco andando com uma jaqueta branca e puffy, que viralizou em vários veículos antes que houvesse uma checagem sobre sua veracidade. E por falar em fake, também é preciso mencionar como as notícias falsas circulam em diversas contas dentro das redes sociais, fazendo com que muitos compartilhem e disseminem essas “verdades” que se conectam com discursos de ódio, que atacam minorias e que tiveram e têm impacto direto nas eleições. Um exemplo mais recente é o do Threads, que se tornou uma rede para disseminar fake news com apenas dois dias de existência, quando perfis de disseminação de notícias falsas já testavam seus limites, espalhando alegações falsas sobre eleições, questionamentos sobre vacinas e ataques à comunidade LGBTQ+.

Como vemos, o mundo molda o que pensamos sobre ele. E é um fato comprovado que, no que os olhos enxergam, o cérebro acredita. O que não sabemos é distinguir o que é real do que é falso; isso nenhuma rede social nos ensinou a fazer.

O TikTok é uma plataforma que mostra as sugestões de vídeos baseadas nas suas preferências anteriores. Com isso, o algoritmo trabalha para enviar vídeos parecidos para que o usuário fique o maior tempo possível dentro da plataforma. É muito mais sobre o tempo de tela do que sobre a informação compartilhada.

É fácil entrar numa dessas bolhas de informação e ir acreditando cada vez mais numa realidade paralela. Vídeo após vídeo, são inúmeras teorias malucas e informações passadas com muita certeza, sem nenhum estudo ou comprovação. Existem contas que se dedicam somente à verificação de postagens e também a um certo controle de checagem de fatos. No caso do TikTok, isso acontece por meio de um programa global de checagem. Segundo o centro de transparência, a rede trabalha com 21 organizações de checagem de fatos em 50 línguas e 100 países. Os vídeos com informações não verificadas aparecem com o selo unverified e podem não ser sugeridos para você. Ainda assim, me deparo com conteúdos que se dizem científicos e pregam que o filtro solar faz mal à pele ou que câncer de mama não existe.

Lá na página onde a extinção da checagem independente foi anunciada, lê-se:: “Em plataformas onde bilhões de pessoas podem ter uma voz, todo o bom, o mau e o feio estão à mostra. Mas isso é liberdade de expressão”. Segundo Mark Zuckerberg, a ideia é “livrar-se de um monte de restrições sobre tópicos como imigração e gênero que estão fora de sintonia com o discurso dominante”.

Incrível como a plataforma arrumou um jeito de se isentar completamente sobre o que acontece dentro dela — o último que sair apaga a luz. Na verdade, ela nos faz crer que ali será um espaço neutro quando não temos conhecimento factual de quais são os interesses econômicos e políticos que estão organizando o modo como vemos e recebemos informação.

Pensa aqui comigo: se era sobre liberdade de expressão (e sabemos que não é; sabemos também como essa frase foi capturada pela extrema direita para distribuir ofensas e cometer crimes contra grupos minorizados), não seria então sobre a possibilidade de ver o mundo fora do discurso dominante, leia-se branco, rico, cisgênero, do norte global e masculino?

A dica é: questionar e checar informação sempre, seguir veículos e pessoas que sejam de fato comprometidas com a produção de conteúdo crítico

Fazendo uma comparação simples com um dos temas que eu costumo analisar aqui, que é como a beleza aparece nas redes sociais e os impactos diretos disso na vida das pessoas, podemos entender como a tentativa de autorregulação com a hashtag nofilter falhou miseravelmente — afinal quem confere se a imagem foi ou não editada, ou como o usuário garante que ela é de fato sem edição? Como fica um universo de informação circulando sem nenhum controle de checagem de fatos externo é o que veremos nos próximos anos. O ataque é claro aos grupos minorizados e há um baita retrocesso dos avanços em discussões que só puderam acontecer por conta do surgimento dessas redes, como a questão da pluralidade de corpos e o espaço de visibilidade para discursos fora do dominante. A Meta pode encher o Instagram de influenciadores gerados por IA para incentivar o engajamento, e sabe-se lá que tipo de conteúdo essa “gente” vai impulsionar.

Aliás, por falar em futuro, acabo de receber a notícia de que o TikTok pode encerrar as operações nos Estados Unidos, sobrando mais espaço e menos concorrência para a Meta. A dica agora é: questionar e checar informação sempre, seguir veículos e pessoas que sejam de fato comprometidos com a produção de conteúdo crítico, e consumir memes, isso alegra qualquer pessoa. Pode ser até que a gente comece a ver uma massa sair das redes sociais, apagar suas contas ou controlar o tempo de uso. Logo após o anúncio da Meta, as buscas sobre como cancelar e excluir contas do Facebook e Instagram aumentaram 5.000% segundo o Google Trends. Será que veremos o começo do fim das redes sociais?

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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