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COLUNA

Maria Ribeiro

Uma vida inteira de revoluções

Heloisa Teixeira dedicou sua existência às letras e ao feminismo, com falas didáticas, bem-humoradas e repletas de escuta

01 de Abril de 2025

Escrevo tremendo. Às vezes, é preciso escrever tremendo. Heloisa Teixeira morreu. Morreu Heloisa Teixeira. Mas como assim? Se falamos no último dia 12? Quando, ela — por meio de um card no WhatsApp — anunciou seu nascimento?

Sim, seu nascimento. Que foi agora, dia 20, data da exibição de seu novo documentário no canal Curta. No filme, dirigido por Roberta Canuto, Helô descreve o movimento que a fez, aos 80 anos, voltar a usar seu sobrenome de solteira.

Foi um dos últimos atos de uma vida inteira de revoluções. Responsável pela edição da histórica antologia “26 Poetas Hoje” — que revelou nomes como Ana Cristina Cesar e Cacaso — Helô dedicou sua existência às letras e ao feminismo. Quando o termo ainda causava estranhamento, lá estava ela, pronta pra converter todo e qualquer interessado, com o charme típico de quem existe sob a lei do entusiasmo. Suas falas didáticas, bem-humoradas e repletas de escuta tornavam qualquer assunto interessante, de tipos de cimento à casamentos e separações.

Era livre, inquieta, rebelde, subversiva e, mesmo no ambiente acadêmico, fazia questão de ser simples. Queria ser entendida

Professora, escritora, ensaísta — e torcedora fiel do time do batom vermelho —, Heloisa Buarque de Holanda atravessou o tempo como se todas as horas fossem anos e, todas as idades, frescas. Não desperdiçava nenhuma ideia, não abria mão de nenhum minuto, e, principalmente, não deixava passar nenhuma chance de gostar.

Era livre, inquieta, rebelde, subversiva e, mesmo no ambiente acadêmico, fazia questão de ser simples. Queria ser entendida. Em 2009, decidiu migrar sua pesquisa para a cultura da periferia — o que, dizia, a transformou por completo.

Dez anos depois, fez sua primeira tatuagem. Em seguida, abandonou o sobrenome famoso. Já não se reconhecia como Buarque de Holanda, herdado de seu primeiro marido, pai de seus três filhos.
No filme em que narra a decisão de se rebatizar com o Teixeira materno, se emociona com a possibilidade de juntar as pontas da sua história e morrer com as letras que nasceu.
“Mudar de nome explica muita coisa. Eu passo a ser eu mesma. E eu quero ser quem eu sou.”

Eu também, Helô. E, por mais que eu ainda não saiba completamente — afinal, “ser” é um troço pra personagem de Shakespeare — o que quer que eu seja, vem de quem você é. E também de quem você foi, e, mais ainda, de quem você sempre vai ser. Na minha estante, no meu corpo, nos meus óculos.
Às vezes, é preciso escrever tremendo. E, ainda assim, segurar o batom vermelho.

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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