A rosa da rosa de Hiroshima

Não se esqueçam da rosa da rosa da rosa de Hiroshima

Vinicius de Moraes, 1946

“Barbenheimer”: a bombshell de plástico e o homem-bomba de urânio, enfim juntos.

A estreia simultânea de “Barbie” e “Oppenheimer” provocou, além da aglutinação dos nomes numa só palavra, um choque cultural entre as produções.

Uma, tão cor-de-rosa que acabou com o estoque mundial do fabricante da tinta; outra, filmada em preto e branco por boa parte de suas três horas de duração. Uma, comédia com coque alto; outra, drama com chapéu de feltro.

(Segura o plot twist: se no filme existe uma Barbie Prêmio Nobel, interpretada por Emma Mackey, no mundo real Oppenheimer nunca recebeu a honraria.)

Os contrastes são ululantes, e as semelhanças?

Ambos são profetas do apocalipse. Ela, 1 bilhão de bonecas vendidas desde 1959, destrói o planeta pelo consumismo; ele deu o tiro de partida na corrida nuclear.

Além disso, o brinquedo e o físico atravessam crises existenciais.

No meio de uma coreografia ao som de Dua Lipa, Barbie quebra o clima de festa permanente ao perguntar às convidadas: “Vocês pensam na morte?”. E ao ver a detonação de seu protótipo, Oppenheimer turva o salto científico ao citar o épico indiano Bhagavad Gita: “Agora eu me tornei a morte”.

Outra: os dois filmes têm homens pequenos como coadjuvantes.

Se a Barbie é tudo, ele é apenas o Ken: no patriarcado às avessas, não passa de uma barriga definida com ocupação indefinida. E, apesar da potência de 15 mil toneladas de dinamite, o petardo nuclear inaugural foi batizado de “Little Boy”.

Mais? Barbie e Oppie vivem numa realidade paralela.

Enquanto a musa da Mattel mora na Barbie Land, o físico criou a cidade de Los Alamos no meio do nada, pra proteger os segredos do Projeto Manhattan.

Finalmente, se a vie en rose da Barbie causa destruição em massa da autoestima de garotas, o cientista ajudou a devastar o Japão – “a rosa da rosa da rosa de Hiroshima”, num mash up que nem Vinicius de Moraes imaginou.

Ama-se às pressas, devagar se odeia

Lord Byron, 1819

“Bandido, comunista, comprado” é a versão bolsonarista pra “feio, bobo, chato”. O esculacho dirigido a Alexandre de Moraes na última sexta-feira soa pueril e boçal, ao mesmo tempo.

Pueril na argumentação pré-escolar: a incrível capacidade de fabular que um ministro indicado ao Supremo Tribunal Federal por Michel Temer tenha alguma chance de ser um maoísta enrustido.

Boçal na agressividade: a afronta como método pra constranger publicamente qualquer personagem capaz de contestar a historinha narrada por vozes nas suas cabeças ocas – ou nos seus Zap.

O ódio ao judiciário, subcategoria do Ódio maiúsculo cultivado nos últimos anos, foi aprimorado pelo ex-presidente. Durante seu mandato, Jair Bolsonaro xingou o mesmo ministro de “canalha” e “vagabundo”.

Não por coincidência, a história se repetiu no aeroporto de Roma.

(Há algo nos aeroportos que deixa os extremistas mais extremos. O também ministro Luís Roberto Barroso sofreu um achincalhe no terminal de Miami, enquanto o novo ministro Cristiano Zanin, no desembarque em Brasília.

Alguma melancolia, saudosa dos tempos em que transporte aéreo era reservado ao cidadão de bem e empregadas domésticas não podiam sequer sonhar com a Disney, deve tirar essa gentalha do sério.)

Dos mesmos criadores da depredação da Praça dos Três Poderes, mais um plano infalível pra restaurar a moralidade pública: que tal também esbofetear a cara do filho do ministro? Não tem como dar errado.

Fotografado pelo próprio Moraes e identificado pela Polícia Federal, o trio acusado garante não ter nada a ver com isso. O entrevero foi só um mal-entendido, tudo aconteceu dentro das quatro linhas da constituição.

Quinhentos anos de recalque não se resolvem em seis meses.

Como escreveu Lord Byron em seu “Don Juan”, “ama-se às pressas, devagar se odeia”. Ainda tem muita baba pra escorrer por aí. A justiça é o melhor guardanapo antirrábico.

Daqui a pouco eu morro e você nem me aproveitou

Francisco Alvim, 2018

Eu preferia o confronto físico, em vez do Threads.

Elon Musk tuitou o desafio pro Mark Zuckerberg há umas semanas: “Tô pronto pra luta na jaula, se ele também estiver”. O dono da Meta respondeu nos Stories: “Diga o lugar”.

Seria uma oportunidade única pros fãs de bilionários torcerem pro seu bilionário favorito, enquanto os dois descobririam um jeito de ganhar mais dinheiro com essa adoração não correspondida.

Tava pra assinar o pay-per-view do canal Combate, quando o fundador da Tesla escalou o conflito, abandonando as metáforas belicosas: “Proponho, literalmente, um concurso pra medir o tamanho do pau”.

Nesse caso, reconsidero a questão e fico com o Threads.

Não tô sozinho. Em apenas cinco dias, a nova rede social atraiu mais de 100 milhões de usuários, pulverizando os recordes do ChatGPT e do TikTok – dois e nove meses pra atingir essa marca.

Nem um nem outro contava com o empurrão de 2 bilhões de usuários – você precisa ter Instagram pra entrar no Threads. Muita gente animada com a novidade – foram 95 milhões de posts e 190 milhões de likes nas primeiras 24 horas.

Como seus seguidores são importados automaticamente conforme vão chegando, não parece que você tá falando sozinho ou chegou cedo demais na festa. Mas ainda não dá pra dizer a que veio a rede e, muito menos, se vai ficar.

Escaldado com MySpace, Vine, Snapchat e Clubhouse, criei uma conta por lá antes que acabe. Sabedoria conquistada nos versos do mineiro Francisco Alvim: “Daqui a pouco/ eu morro/ e você/ nem me aproveitou”.

Parece mais o Instagram de cabeça pra baixo, com texto antes da foto, que o Twitter – falta feed cronológico, hashtags e trending topics, que dão urgência pro passarinho azul que Musk vem se empenhando em depenar.

Alguns refugiados digitais chegaram em busca de “um lugar menos raivoso pra conversas”. Mas a humanidade sempre dá um jeito de mostrar seu pior – ainda mais quando o espaço salta de 280 pra 500 caracteres.

Eu deveria me ocupar de outra coisa além de você
Margaret Atwood, 1971

É difícil deixar pra trás um relacionamento tóxico.

O Brasil sabe: a diferença foi de apenas 1,8 ponto percentual. Mas o julgamento de Jair Bolsonaro pelo Tribunal Superior Eleitoral funcionou como uma sessão de terapia de grupo em rede nacional.

Inelegível por 5 votos a 2, essa página infeliz da nossa história foi virada pelo menos até 2030. Se não é a solução definitiva pra estranha psicopatologia brasileira, já é alguma coisa.

Mesmo assim, cerca de 25% do eleitorado ainda se declara bolsonarista. Repito: é difícil deixar pra trás um relacionamento tóxico.

O ex, como todo ex abusador, tenta inverter os papéis e se fazer de vítima – “vítima da democracia”, o novo bordão negacionista. O capitão de triste figura fez circular uma foto em que aparece descamisado, exibindo as cicatrizes – um truque recorrente nos momentos difíceis.

(E daí? Lamento. Não sou cirurgião plástico, tá?)

A imagem, porém, dá gatilho. Tadinho, pensa o eleitorado conservador com baixa autoestima, é só o jeitão dele. Antes mal acompanhado do que só, acredita o fragilizado cidadão de bem. Será que consigo encontrar alguém como ele? Nunca. E essa é a boa notícia. Não tem ninguém tão ruim.

O problema é o medo.

Após quatro anos de co-dependência afetiva e manipulação emocional, é difícil seguir em frente. Bate uma insegurança. Quem vai nos defender do marxismo-leninismo?

Não é piada, é pesquisa: um terço dos brasileiros concorda totalmente com a afirmação de que o país corre o risco de se tornar comunista. E outros 19% concordam parcialmente.

Ou seja, mais da metade da população sonha com um macho red pill pra enfrentar o perigo vermelho – esse espectro que ronda as quadras de beach tennis da Faria Lima.

A canadense Margaret Atwood pode ajudar a superar o trauma, com a exortação do poema “Hesitações do lado de fora da porta”: “Eu deveria me ocupar de outra coisa além de você”. A fila andou, o dólar caiu, a economia cresceu. Bloqueia o número dele no zap e abre seu Insta.

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