Coluna do Marcello Dantas: Sassafrás, a raiz do amor — Gama Revista
COLUNA

Marcello Dantas

Sassafrás, a raiz do amor

Trata-se de uma árvore com um enorme potencial em sessões terapêuticas, em que a empatia e a importância da sinceridade são essenciais para a verbalização e a diluição do trauma

19 de Janeiro de 2022

Sassafrás é uma árvore nativa da América e desempenhou um papel importante na colonização ocidental da parte mais ao norte deste continente pelos europeus. Sassafrás foi a primeira “descoberta” e exportação da América do Norte ao Velho Mundo, numa época em que a madeira e os objetos feitos a partir desta matéria prima eram fundamentais para a vida cotidiana.

Uma planta, que é usada como cura para vários males por sociedades ancestrais das Américas, tem outras características muito especiais. Ela possui uma substância que é capaz de potencializar nossa afeição por alguém. O chá feito com sua raiz ou sua folha gera uma sensação deliciosa de liberação de serotonina e dopamina, fazendo com que as pessoas que o tomam fiquem por horas (ou até dias corridos) com sua afetividade levemente alterada – se tornam doces, suaves e verdadeiramente sedutoras.

Ela tem um enorme potencial de ser usado em sessões terapêuticas, onde a empatia e a importância da sinceridade são essenciais para a verbalização e a diluição do trauma.

Até os anos 1960 ela era o principal ingrediente em um refrigerante comum nos EUA, a Root Beer; depois foi retirado e trocado por gengibre e canela. Sassafrás foi proibido nos EUA, mas não no Brasil, onde é fácil de ser encontrado. Foi proibido por que é um ingrediente do processo de produção do MDA, não confundir com o MDMA. MDA é uma substância sintética que se utiliza do óleo de sassafrás para catalisar a produção da molécula alucinógena.

Talvez, para uma sociedade como a americana, uma substância que seja capaz de gerar amor e afeto nas pessoas seja algo de fato muito subversivo. Assim como foi a descoberta do MDMA pela Merck em 1912, que, em busca de de um medicamento que reduzisse o sangramento, descobriu uma droga que geraria afeto entre as pessoas. A substância não foi entendida imediatamente e acabou sendo esquecida. Naquela época, eram buscadas substâncias que auxiliassem na guerra, e não no amor. A Alemanha nazista foi pródiga no uso de anfetaminas em seus soldados.

Foram necessários quase 50 anos para que essa substância voltasse a aparecer nos anos 1980, na forma de ecstasy. Mas, misturada à anfetamina, ficou contaminado o seu potencial de ser puro amor.

Uma substância que nos encaminhe para maior empatia entre opositores deveria inspirar os líderes do mundo. Mas o amor e a afetividade estão em falta

Voltando à sassafrás pura, ela era utilizada por nativos das primeiras nações na forma de um chá ou na forma de um pó cicatrizante. Não há referência sobre algum cunho psicológico, mas sabe-se que suas folhas podem ter sido usadas no que hoje chamamos de cachimbo da paz quando era alcançado um armistício.

A sabedoria de se usar uma substância que nos encaminhe para maior empatia entre opositores ao invés do confronto armado é algo que deveria inspirar os líderes do mundo neste momento de radicalismos. Mas o amor e a afetividade estão em falta por toda a parte. Muito além da politica, se os casais antes do jantar tomassem uma xícara desse chá, ele não apenas iria ajudar na digestão como faria com que os assuntos à mesa se tornassem mais leves e divertidos, que os sorrisos florescessem e que os não ditos fossem muito mais facilmente ditos. Pais e filhos poderiam vivenciar mais afeto, e baixar a guarda que os separa em um mundo cada vez mais mediado por uma espécie de metaverso terceirizado.

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Sassafrás tem o poder de baixar a guarda do ego, a doença que mais atrapalha a vida. Se isso não é curador, não sei mais o que pode ser

Meu caminho em experimentar sassafrás foi totalmente acidental, atraído por textos científicos e diários pessoais. Comprei um saquinho no Mercado Livre e me dediquei a fazer uma bela quantidade de dois litros de chá com os chips de madeira e gengibre. Tomei a bebida o dia inteiro e, de fato, ao final do dia estava permeável a todo tipos de ideia e expressão alheia com muito mais atenção e interesse legítimo. Sassafrás tem o poder de baixar a guarda do ego, a doença que mais atrapalha a vida. Se isso não é curador, não sei mais o que pode ser.

Aceitar que somos criaturas químicas – e que por isso mesmo imperfeitas – me faz pensar que devemos buscar em substancias alquímicas que a natureza nos oferece uma forma de compensar nossas arestas de imperfeições. Adoro a palavra AmorTecer. Assim como em outro texto anterior dessa coluna tratei do aspecto bacteriológico do amor, existe paralelamente um aspecto químico dele que é regulado pela liberação de certos hormônios, que, claro, tem a ver com as bactérias, mas que pode ser alterado em função da presença de certas substâncias psicotropicamente ativas. É nesse momento que existe o nosso livre arbítrio de tecer nosso afeto: podemos sim decidir alargar os caminhos da nossa afetividade por alguém de forma a nos fazer permitir amar mais facilmente. Sassafrás é uma dessas senhas que a natureza nos disponibilizou para fazê-lo.

Marcello Dantas trabalha na fronteira entre a arte e a tecnologia em exposições, museus e projetos que enfatizam a experiência. É curador interdisciplinar premiado, com atividade no Brasil e no exterior

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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