Winnie Bueno
Lésbica, feminista e preta
Ainda hoje persiste uma espécie de silêncio constrangido no reconhecimento da existência de lesbofobia no interior dos movimentos progressistas, especialmente no movimento negro
Na persistência da lógica de supressão e silenciamento que enfrentam mulheres negras, há aprofundamentos que precisam ser destacados. Talvez um dos silêncios mais injustos seja a falta de reconhecimento do protagonismo de mulheres lésbicas negras para a mudança de paradigma do pensamento feminista, potencializada sobretudo a partir dos anos 1970. O armário que mulheres negras lésbicas experimentaram, mesmo participando dos movimentos feministas e negros, tinha (e ainda tem) apertos muito complicados. Mesmo assim o papel que estas ativistas cumprem na produção de assertivas dedicadas a promover a emancipação das mulheres é fundamental e merece ser mais reverberado.
O ativismo de mulheres negras lésbicas na diáspora foi uma das principais fontes para a denúncia dos efeitos do heterossexismo enquanto sistema de dominação. As lutas constantes para afirmar a identidade política lésbica no interior do movimento social negro e no movimento de mulheres negras impulsionou ativistas como Heliana Hemetério dos Santos a um compromisso radical pelo desmantelamento de ideologias que historicamente são mobilizadas em prol da desumanização da comunidade negra.
Ainda hoje persiste uma espécie de silêncio constrangido no que diz respeito ao reconhecimento da existência de lesbofobia no interior dos movimentos progressistas, especialmente no interior do movimento negro. As agendas e pautas relativas às mulheres lésbicas são aquelas que ficam para depois, que podem aguardar, que não são levantadas por ninguém a não ser pelas próprias mulheres lésbicas.
As agendas e pautas relativas às mulheres lésbicas são aquelas que ficam para depois, que podem aguardar, que não são levantadas por ninguém a não ser pelas próprias mulheres lésbicas
Os relatos de mulheres negras lésbicas sobre suas lutas cotidianas no interior dos movimentos mistos que participam, seja no movimento negro, no movimento feminista, no movimento de mulheres negras e até mesmo no movimento LGBTQIA+, são bastante explícitos no que diz respeito aos desafios que historicamente elas enfrentam. A junção da opressão racista, sexista e, muitas vezes, de classe produz desafios específicos que necessitam de respostas complexas. Respostas estas dadas com contundência pelas mulheres negras lésbicas.
A necessidade dessas respostas foi o que impulsionou o Combahee River Collective, coletivo de mulheres negras lésbicas que respondeu com assertividade à reprodução de ideologias sexistas no interior do movimento negro estadunidense na década de 1970. A declaração do Coletivo Combahee River é um dos mais importantes escritos para compreender a política e a teoria feminista contemporânea. Apesar de citada com alguma frequência pelas teóricas do feminismo negro, ele ainda é um documento esquecido quando se pensa a genealogia do feminismo.
Da mesma forma, a comunidade negra lésbica brasileira formula importantes assertivas sobre a segregação no interior do movimento negro brasileiro. Claúdia Pons Cardoso, em sua tese de doutorado, relata como o seu heterossexismo foi desafiado pelas ativistas lésbicas negras. A partir de mulheres como Neusa das Dores Pereira e Rosângela Castro, fundadoras do Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro, é possível refletir a respeito da potência da lesbianidade negra para a construção de um feminismo e de um movimento negro sem fronteiras, um convite feito por essas mulheres há décadas, mas que resta ainda sem respostas.
Winnie Bueno Winnie Bueno é iyalorixá, pesquisadora e escritora daquelas que gostam muito de colocar em primeira pessoa sua visão do mundo e da sociedade. É criadora da Winnieteca, um projeto de distribuição de livros para pessoas negras
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