Stefania Bril e a fotografia de rua nos anos 1970 — Gama Revista
Cultura

Stefania Bril e a fotografia de rua nos anos 1970

Com fotografias ao mesmo tempo bem-humoradas e críticas, fotógrafa polonesa radicada no Brasil ganha mostra no Instituto Moreira Salles, em São Paulo

Luara Calvi Anic 28 de Agosto de 2024
Acervo Instituto Moreira Salles/ Arquivo Stefania Bril

A chamada fotografia de rua tem o poder de nos dar vestígios do modo de vida de determinada época, com seus personagens, encontros e paisagens. Os registros de Stefania Bril (1922-2022), que tem a rua como seu principal cenário, nos apresentam muito mais do que isso – trazem humor, contradições e revelam uma fotógrafa atenta, com um olhar crítico sobre a cidade. A polonesa radicada no Brasil acaba de ganhar uma mostra com cerca de 160 imagens no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Essa é sua primeira individual em três décadas.

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Durante os anos 1970, as fotografias de Bril eram vistas como ingênuas. É que diante dos temas predominantes do período – ditaduras, guerras, movimento de contracultura –, é como se os assuntos que ela trazia fossem menos importantes. “Ela não fotografa o que é da esfera pública, os conflitos, o outro lado do mundo ou o que a gente não tem acesso”, diz Ileana Pradilla Ceron, uma das curadoras. “Mas aquilo que está no raio dela.”

Esq: Não passe pela direita, Minhocão, São Paulo, 1974.
Dir: Batismo no rio Tietê, Itu, maio de 1973
Esq: Não passe pela direita, Minhocão, São Paulo, 1974.
Dir: Batismo no rio Tietê, Itu, maio de 1973

Acervo Instituto Moreira Salles / Arquivo Stefania Bril

Em meio a ditadura militar no país, seu entorno mostrava sobretudo anônimos e uma cidade que se dizia desenvolvida, mas que tinha de lidar com desigualdade e pobreza. Em uma das fotografias, um outdoor com a propaganda de um banco contrasta com pessoas em situação de vulnerabilidade; já na série “Descanso”, vemos flagrantes de trabalhadores dormindo, sugerindo uma exaustão generalizada. Além de São Paulo, há também registros feitos em Nova York, Amsterdã e México durante a década de 1970.

Nos anos 1970, registrava anônimos e uma cidade que se dizia desenvolvida, mas que tinha de lidar com desigualdade e pobreza

A exposição “Stefania Bril: Desobediência pelo Afeto” traz no título a atitude da fotógrafa de questionar critérios estabelecidos em relação à imagem, e o caráter desafiador de sua trajetória de vida. Como sobrevivente do nazismo, Bril teve que adotar uma identidade falsa durante a ocupação da Polônia. Formada em química, e com uma carreira na área, conheceu o marido nesse período e, em 1950, a família se mudou para o Brasil. No país, após o nascimento dos filhos, se matriculou em um curso na Enfoco, considerada a primeira escola independente de fotografia do Brasil. Aos 46 anos, começa então uma nova trajetória profissional.

Após quase uma década de produção fotográfica, com exposições e imagens publicadas em revistas especializadas como a Íris Foto, no final dos anos 1970 ela começa a escrever sobre o tema para o Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, ao lado do fotógrafo e pesquisador Boris Kossoy, se tornando a primeira crítica de fotografia do país. Essa década é considerada por especialistas como um período de profissionalização e expansão da produção fotográfica no Brasil. “E Stefania faz parte da criação de um espaço para a fotografia, da promoção de uma tecnologia do olhar”, diz o também curador Miguel Del Castillo.

Menino lê gibi em carrinho de supermercado, Rua França, São Paulo, 1973
Menino lê gibi em carrinho de supermercado, Rua França, São Paulo, 1973
Acervo Instituto Moreira Salles/ Arquivo Stefania Bril
Não pise na grama, Mercado, Campos do Jordão, 1973
Não pise na grama, Mercado, Campos do Jordão, 1973
Acervo Instituto Moreira Salles/ Arquivo Stefania Bril

Em textos didáticos, Bril trazia conceitos, debates, exposições e resenhas de livros que iam surgindo, como os hoje clássicos “Sobre Fotografia” (1977), de Susan Sontag; e “A Câmara Clara” (1980), de Roland Barthes. Na época, promoveu ainda os primeiros festivais de fotografia do país, em Campos de Jordão (1978 e 1979). “Ela esperava libertar as pessoas para verem as imagens mais criticamente”, diz Castillo. Suas fotografias são um convite para esse olhar mais atento.

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