Stefania Bril e a fotografia de rua nos anos 1970
Com fotografias ao mesmo tempo bem-humoradas e críticas, fotógrafa polonesa radicada no Brasil ganha mostra no Instituto Moreira Salles, em São Paulo
A chamada fotografia de rua tem o poder de nos dar vestígios do modo de vida de determinada época, com seus personagens, encontros e paisagens. Os registros de Stefania Bril (1922-2022), que tem a rua como seu principal cenário, nos apresentam muito mais do que isso – trazem humor, contradições e revelam uma fotógrafa atenta, com um olhar crítico sobre a cidade. A polonesa radicada no Brasil acaba de ganhar uma mostra com cerca de 160 imagens no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Essa é sua primeira individual em três décadas.
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Durante os anos 1970, as fotografias de Bril eram vistas como ingênuas. É que diante dos temas predominantes do período – ditaduras, guerras, movimento de contracultura –, é como se os assuntos que ela trazia fossem menos importantes. “Ela não fotografa o que é da esfera pública, os conflitos, o outro lado do mundo ou o que a gente não tem acesso”, diz Ileana Pradilla Ceron, uma das curadoras. “Mas aquilo que está no raio dela.”
Dir: Batismo no rio Tietê, Itu, maio de 1973
Acervo Instituto Moreira Salles / Arquivo Stefania Bril
Em meio a ditadura militar no país, seu entorno mostrava sobretudo anônimos e uma cidade que se dizia desenvolvida, mas que tinha de lidar com desigualdade e pobreza. Em uma das fotografias, um outdoor com a propaganda de um banco contrasta com pessoas em situação de vulnerabilidade; já na série “Descanso”, vemos flagrantes de trabalhadores dormindo, sugerindo uma exaustão generalizada. Além de São Paulo, há também registros feitos em Nova York, Amsterdã e México durante a década de 1970.
Nos anos 1970, registrava anônimos e uma cidade que se dizia desenvolvida, mas que tinha de lidar com desigualdade e pobreza
A exposição “Stefania Bril: Desobediência pelo Afeto” traz no título a atitude da fotógrafa de questionar critérios estabelecidos em relação à imagem, e o caráter desafiador de sua trajetória de vida. Como sobrevivente do nazismo, Bril teve que adotar uma identidade falsa durante a ocupação da Polônia. Formada em química, e com uma carreira na área, conheceu o marido nesse período e, em 1950, a família se mudou para o Brasil. No país, após o nascimento dos filhos, se matriculou em um curso na Enfoco, considerada a primeira escola independente de fotografia do Brasil. Aos 46 anos, começa então uma nova trajetória profissional.
Após quase uma década de produção fotográfica, com exposições e imagens publicadas em revistas especializadas como a Íris Foto, no final dos anos 1970 ela começa a escrever sobre o tema para o Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, ao lado do fotógrafo e pesquisador Boris Kossoy, se tornando a primeira crítica de fotografia do país. Essa década é considerada por especialistas como um período de profissionalização e expansão da produção fotográfica no Brasil. “E Stefania faz parte da criação de um espaço para a fotografia, da promoção de uma tecnologia do olhar”, diz o também curador Miguel Del Castillo.
Acervo Instituto Moreira Salles/ Arquivo Stefania Bril
Acervo Instituto Moreira Salles/ Arquivo Stefania Bril
Em textos didáticos, Bril trazia conceitos, debates, exposições e resenhas de livros que iam surgindo, como os hoje clássicos “Sobre Fotografia” (1977), de Susan Sontag; e “A Câmara Clara” (1980), de Roland Barthes. Na época, promoveu ainda os primeiros festivais de fotografia do país, em Campos de Jordão (1978 e 1979). “Ela esperava libertar as pessoas para verem as imagens mais criticamente”, diz Castillo. Suas fotografias são um convite para esse olhar mais atento.