Vanessa Rozan
O boy roedor
Não sabemos se a tendência do homem roedor é boa ou ruim, fato é que Hollywood dá seus pulos para atualizar o discurso da masculinidade
Presto bastante atenção quando surge uma trend que fala sobre beleza masculina. Em terra de tantas girl trends, dentro de uma sociedade em que a beleza é o capital social maior das mulheres, é raro aparecer um estilo ou uma tag destinada ao público masculino. Quando ela vem, a gente precisa botar uma lupa pra entender melhor. Anotem aí, rapazes, neste verão europeu o que está in é ser um homem roedor ou um hot rodent man. Isso mesmo, um homem roedor. Esse é o estilo masculino da temporada.
O que são os homens roedores e por que eles se tornaram quentes? São versões menos másculas do tradicional padrão de beleza ocidental masculino, pense menos em “Vingadores” e mais em “Stuart Little”. Em tese, eles são estranhos ou possuem uma beleza não convencional, que os torna mais interessantes para essa trend.
Eles têm traços faciais angulosos, cabelos desorganizados (porém, sabemos que são meticulosamente organizados para parecerem bagunçados) e olhos arredondados. O termo cunhado pela revista “Dazed” substitui a versão masculina anterior, que era a do namorado Golden Retriever. Se você está tentando juntar a descrição à um rosto, pense em Jeremy Allen White, yes chef! da série “The Bear”, Kieran Culkin, Mike Faist, Barry Keogan, Josh O’Connor e também Timothée Chalamet.
Um homem rato não é só amado por sua aparência física, de uma certa forma essa nem é a parte mais importante. Eles possuem um je ne sais quoi, são mais sensíveis e espirituosos e autoconscientes, e carregam uma vibração menos tóxica que a masculinidade padrão impõe. Os exemplos dessa espécie compram flores para sua namorada, como fez Jeremy Allen para Rosalía; são homens de suas mulheres, ou seja, assumem e celebram suas parceiras e não têm medo de compartilhar fotos delas no tapete vermelho ou em momentos de destaque, como fez Tom Holland com Zendaya no MET Gala. Na esteira da trend do rodent boyfriend, surge também o fruity boyfriend, outra tendência que segue a linha de homens mais sensíveis, capazes de falar sobre seus sentimentos enquanto vestem um jeans vintage e carregam uma ecobag. O termo frutinha, considerado pejorativo entre os homens, é positivado pelas mulheres que buscam tal tipo de parceiro.
Um homem rato não é amado apenas por sua aparência física, essa nem é a parte mais importante
Por um lado, esse comportamento do tal homem rato parece que é o oposto do que vemos emergir no buero das redes sociais quando o assunto é masculinidade: pencas de perfis de homens (no Brasil e no mundo) vomitando falas machistas e misóginas, que aparentam um esforço nítido para gostar de mulher. Que exigem uma lista de quesitos entre idade, número de parceiros anteriores, aparência e comportamento – um retorno à ideia de que o machão precisa de uma esposa troféu, outra trend que tá aí circulando. Fora a pesquisa que mostra que entre os mais jovens, as mulheres estão cada vez mais progressistas e os homens, mais conservadores.
Por outro lado, precisamos analisar que uma trend, para os homens, é menos sobre a beleza. Ou melhor, é sobre uma beleza fora do padrão (apesar de todos serem brancos, jovens e magros). Imagina se surge a trend mulher rata? Jamais. Ou seja, essa é uma trend de beleza, ou um padrão estético, que libera os homens de terem que seguir um modelo de beleza único. Enquanto isso, as mulheres estão cada vez mais presas ao padrão eurocêntrico, num retrocesso que venho falando aqui nos últimos textos – os corpos cada vez mais magros, peles cada vez mais lisas e rostos cada vez mais jovens.
Antes do homem rato, a tendência masculina que eu soube foi aquela que dizia que o corpo masculino com uma leve barriga de cerveja, o corpo que foi atlético no passado mas que agora tinha mais gordura, era aquele que estava em alta. A tendência foi uma das primeiras da era Instagram, e esse dad bod, ou corpo de papai, se tornou o corpo em alta para homens, segundo a mídia.
Isso foi em 2015, nem existia Tiktok naquela época, e essa trend veio para glamourizar o corpo que saia daquele padrão dos músculos definidos – o ideal masculino há anos e que ficou ainda mais reforçado com os super-heróis de todos os inúmeros filmes de Hollywood sobre o assunto. E voltando no tempo, tivemos nos anos 2000 o metrossexual. Talvez essa trend tenha sido difícil de ser emplacada dentro de toda a cultura misógina do garoto branco americano e da fraternidade que rolava no momento, com filmes como “American Pie” e “Clube da Luta”. Quem melhor carregou essa trend do metrossexual foi David Beckham, ele falava de homens que investiam em skincare, cabeleireiro e barbeiro. Além de um armário de roupas mais alinhado às tendências de moda e daqueles que não tinham medo de mostrar que gostavam de cuidar de suas imagens.
Não sabemos se a tendência do homem roedor é boa ou ruim, o fato é que Hollywood dá seus pulos para atualizar o discurso da masculinidade quando os filmes de super-heróis da Marvel já não emplacam tanto quanto “Barbie” ou “Oppenheimer”. Talvez Ryan Gosling tenha corrido como Ken, desmistificando a performance da masculinidade, para que o homem roedor possa andar pelas ruas hoje. Talvez essa trend mantenha o privilégio masculino de poder ser talentoso em sua área de trabalho e isso não estar intimamente relacionado com a sua aparência – coisa que não opera da mesma forma para mulheres. Eu torço por esse tipo de coisa: que as mulheres possam ser reconhecidas por seus talentos e inteligência antes mesmo da imagem. Como seria o nome dessa trend?
Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.
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