Coluna da Vanessa Rozan: A queda do bodypositive? — Gama Revista
COLUNA

Vanessa Rozan

A queda do bodypositive?

Os corpos maiores que os tamanho 34 e 36 quase não existem para a moda

12 de Março de 2024

Pelo que as passarelas mostraram nesta temporada que acaba de encerrar, os corpos fora do tamanho zero ou dois (34-36) quase não existem para a moda. Na última análise feita pela Vogue Business, que conta a representação da pluralidade de corpos nos desfiles, os números de modelos mid-size e plus-size para primavera e verão do hemisfério norte eram mínimos.

Dos 9.584 looks em 230 desfiles e apresentações em Nova York, Londres, Milão e Paris, 0,9% eram de tamanho grande (tamanho americano 14 ou mais) e 3,9% eram de tamanho médio (tamanho de 6 a 12). Isso significa que 95,2% dos looks apresentados eram em tamanho de 0 a 4, que seria do 34 ao 38 da grade brasileira.

A moda se atualizou com o discurso de inclusão, garantiu a diversidade de tons de pele, admitiu as grisalhas, mas manteve — ou diminuiu — o tamanho do corpo

Quando o assunto chega aos desfiles das grandes maisons, fica nítida a construção de uma roupa pensada para uma elite, presente na fila A e excludente para corpos que não são os muito magros. O que a moda fez, de forma muito silenciosa, foi atualizar o discurso de inclusão da seguinte forma: garantiu a diversidade de tons de pele e até mulheres grisalhas, mas manteve — ou diminuiu — o tamanho do corpo desfilado. Então, é como se a mensagem fosse “aceitamos a diversidade, claro, só que a diversidade dentro de um tamanho de corpo específico”.

O mito da beleza vigente em 1990, como diz Naomi Wolf, era muito rígido, “o rosto de mulheres mais velhas quase nunca era mostrado em revistas”, e “era raro que mulheres não brancas fossem apresentadas como modelos a seguir, a menos que tivessem…feições praticamente caucasianas”, e o que temos hoje é a atualização do “Mito da Beleza” para sua versão 2.0. O dos anos 90 trabalhava em cima de dois medos plantados por jornais e revistas: envelhecer e engordar. Medos construídos a partir da culpa, da ideia de sacrifício, da dedicação e da submissão ao padrão e seus métodos.

Na temporada passada, uma das indicações mais visíveis do retorno do “Mito da Beleza” foi a campanha da nova era da Gucci, com o estilista Sabato de Sarno. A foto principal usada para veicular tal coleção procurava promover uma limpeza estética do estilista anterior e fazia uso de modelos jovens e não tão reconhecidas pela indústria, como as outras marcas de moda costumam fazer, apostando sempre no trio de supermodelos: Kendall Jenner, Gigi Hadid e Bella Hadid. Vale a pena analisar a campanha e checar a quantidade de pele magra e jovem exposta. Disseram que a marca agora era mais sexy. Para quem possui algum conhecimento em semiótica fica fácil traduzir: para ser sexy é preciso ser assim, bem magrinha e bem jovem, o jeito certo, com aspas, que você pode usar nossa marca.

Nos desfiles que acabaram de acontecer, algumas marcas incluíram uma ou outra modelo de cabelo grisalho, como no desfile de Yves Saint Laurent, que exibia corpos seminus em muita transparência, com mamilos e seios bem à mostra. Cem por cento dos looks foram desfilados por corpos extremamente magros. Mesmo que a marca tenha escolhido Diana Ross para a campanha lançada em janeiro deste ano, é preciso observar as diferentes estratégias. Talvez aí exista uma separação do mito da beleza, que se apresenta em diversas versões atuais, e que quase nos faz acreditar que agora a moda inclui diversidade. Essa fantasia é construída por inserir certa pluralidade na publicidade, um lugar mais controlado, onde os cliques são estáticos e podem ser retocados até atingir o resultado final. É como se fosse um cala a boca da patrulha da observação atenta: “Olha aqui, coloque um check no assunto pluralidade, a gente nem gosta, mas cumprimos a meta”.

As discussões em torno do body positive e da inclusão de corpos na moda e na indústria da beleza quase desapareceram no hemisférios Norte

Percebo que as discussões em torno do body positive e da inclusão de corpos na moda e na indústria da beleza quase desapareceram no hemisférios Norte, uma ou outra modelo segue aparecendo para falar do assunto, e sim, algumas marcas apresentaram roupas em corpos diversos, com foi o caso da Marni.

Em outra leitura que explica bem a construção do mito da beleza por outro prisma, o clássico “Backlash”, de Susan Faludi, é possível entender que, tanto os mercados de beleza quanto de moda estavam em declínio no final dos anos 1970, quando outras discussões sociais estavam fervilhando, o que fez a indústria adotar uma nova estratégia: um foco total e absoluto no corpo, uma nova obsessão. A conta é simples, enquanto mulheres estavam questionando os padrões de beleza e seu lugar na sociedade, as vendas desses itens caíram. Não é o nosso caso agora, com uma ideia de feminino retomada pela onda da extrema direita, somada à inclusão de artigos de luxo na cultura pop. Mostrados amplamente como itens de status nas redes sociais, as vendas desse mercado só tiveram crescimento durante a pandemia e depois dela.

Um respiro antes de terminarmos essa reflexão: aqui no Brasil, o último desfile de Alexandre Herchcovitch mostrou que é possível, quando se quer de fato e não apenas para passar um pano, incluir todos os corpos na passarela. Aliás, a gente nesse sentido, tem feito mais avanços do que os gringos.

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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