Coluna da Maria Ribeiro — "Succession" e a selvageria da condição humana — Gama Revista
COLUNA

Maria Ribeiro

“Succession” e a selvageria da condição humana

No fundo, somos todos animais vaidosos e competitivos, e estamos exaustos de fingir que não

31 de Maio de 2023

Nunca fui boa de despedida. Saio de festas à francesa, controlo o tempo nas sessões de psicanálise, fujo de abraços em aeroportos. Quando um livro vai terminando, trato de acabar logo com isso. Nada de ler aos pouquinhos, ou dar de comer à saudade. Para quem, como eu, é do tipo que chora à toa, a ironia costuma ser uma excelente saída de emergência. Quem precisa de lágrimas quando podemos fazer piadas?

“Succession” (2018-2023) exibiu seu último episódio no último domingo (28). A série, um marco na história da teledramaturgia mundial, destruiu todo o meu aparato antissentimentalismo. Estou arrasada há pelo menos dez dias. No sábado, véspera do dia 28, havia decidido não ver o final. Assim, pensei, manteria todos os personagens vivos. Jamais ficaria sozinha. E seguiria firme na convicção de que só o sarcasmo é capaz de diálogos tão inteligentes — um brinde a ele.

Tá todo mundo se recuperando da infância, querendo pai e mãe, fingindo que alguma coisa faz sentido

Tudo mentira. Nossa paixão pelos Roy – ou, pelo menos, a minha – não se dá apenas por causa da genialidade das frases, mas também, e sobretudo, pela selvageria da condição humana. Pela precariedade dos nossos instintos. Pela honestidade da violência. No fundo, somos todos animais vaidosos e competitivos, e estamos exaustos de fingir que não.

E se nossa conta bancária está a léguas de distância da turma de Nova York, o desamparo, esse, não perdoa ninguém. Tá todo mundo se recuperando da infância. Tá todo mundo querendo pai e mãe. Tá todo mundo fingindo que alguma coisa faz sentido.

“Aprendi a viver sem afeto — é como um superpoder”. A fala de Connor, filho mais velho do patriarca Logan, dita na última temporada, dá a exata medida da miséria em que vivem nossos heróis anti-heróis. Daí a nossa compaixão, a nossa identificação, a nossa catarse. Independentemente dos cenários.

Sem falar no carisma. Shiv, Rome e Kendall são horríveis, mas também provocam compaixão. Sabe aquele date roubada que você já sabe que vai ser roubada, mas vai mesmo assim? Então. Eu fui. Agora é tomar coragem pra se despedir.

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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