Coluna da Vanessa Rozan: "Feia e vulgar", o valor da beleza e dos bons modos — Gama Revista
COLUNA

Vanessa Rozan

“Feia e vulgar”, o valor da beleza e dos bons modos

Na hora de escolher seus representantes, vale pensar como sairemos desse pequeno lugar prescrito a nós na atual sociedade

30 de Setembro de 2022

Que beleza é o capital feminino a ser conquistado pelas mulheres nesta sociedade, todas nós já sabemos. Seguida pela juventude, a beleza é o maior bem que uma mulher pode ostentar desde que os casamentos deixaram de ser arranjos de negócios.

Uma mulher bonita faz até bebês olharem para sua face por mais tempo, segundo uma pesquisa – a beleza estaria relacionada à simetria da face. Imagina que encanto? Hipnotizar bebezinhos lindos com sua simetria facial parece até um superpoder. Uma outra pesquisa diz que mulheres bonitas terão mais dificuldade em arrumar um emprego pois poderiam ser contratadas por outras mulheres jovens e solteiras dos departamentos de RH, que as veriam como possíveis concorrentes. Parece um conto de fadas da madrasta que sente inveja da princesa ou um grande concurso de miss que não foi televisionado.

Só que antes a beleza era inata, ou se nascia bela ou não. Tudo de acordo com o padrão de cada época. Hoje, é um “você que lute”, em que a responsabilidade pelo seu sucesso é sua integralmente. Antes, um valor inato, hoje é uma conquista. Numa rápida pesquisa na internet dos nomes das atrizes e cantoras mais famosas da atualidade, quase todas possuem uma foto de antes e depois solta nas redes. Não basta nem nascer bonita, segundo os padrões, para ser mesmo bonita. Tem uma ou outra coisa que pode e deve ser aprimorada. Às vezes, essas imagens são como um “antes da fama versus depois da fama”, com mapas bem desenhados de como deve ser um rosto bonito para “chegar lá”, que em geral contempla o afinamento de nariz e lábios mais carnudos, somados a olhos de raposa semicerrados, alongados e sensuais.

Eu poderia falar do padrão de beleza e tal, mas meu ponto agora é o comentário da atual primeira-dama sobre a foto da atriz Bruna Marquezine em um desfile na temporada de moda internacional. Eu poderia estar roubando em cheques, mas to aqui falando dos outros — e tentando fazer uma análise dos valores das mulheres nesta distopia que vivemos.

Quais lugares uma mulher pode ocupar fora do eixo beleza e bons modos?

Mas não é só de beleza que vive uma mulher. Ela tem que ter o comportamento, ela tem que seguir um certo código. As meninas usam rosa, os meninos usam azul, e qual é o comportamento da mulher? Recatada e do lar. Aquela tríade: esposa, mãe e dona de casa. O anjo do lar. Esse anjo aí que Virginia Woolf matou, foi delineado pelo pensamento contratualista de Rousseau que determina que “a mulher é feita para agradar e ser subjugada, ela deve tornar-se agradável ao homem ao invés de provocá-lo”, é submissão na certa pra seguir a conduta das características do eterno feminino: timidez, módestia e pudor.

E a gente aqui achando que tinha conquistado muita coisa desde que esse tal Rousseau andou pela terra e pasmem, avançamos uns dois passos nesse campo, quando muito? Para desqualificar uma mulher, na época do misógino Rousseau, bastava chamá-la de feia e vulgar e isso seria o fim de qualquer possibilidade de defesa, pois sem beleza e sem conduta, o que resta pra gente? Inteligência que não é. E mais do que ter ou não beleza, o mesmo pensador reforçou que não satisfeitas em sermos bonitas, queremos que nos achem bonitas. É pra ser bonita, mas para o outro, como um bom objeto de decoração que alguém pode escolher pra enfeitar a sua casa.

Então, só pra completar a situação, pense que a fórmula de sucesso é ter beleza, seguir os bons costumes do que se espera de uma mulher e ser reconhecida como bonita pelo outro. Um total de zero surpresas as apoiadoras ricas do atual presidente, ou ex-apoiadoras, se autointitularem, em 2018, de bolsolindas, ou bolsogatas. Imaginou se elas poderiam ser Bolsoespertas, Bolsointeligentes ou Bolsorajosas? Mas dessa ala eu espero pouco avanço do lugar que uma mulher pode ocupar na sociedade, mesmo das próprias mulheres que só replicam o machismo do viriarcado.

O mais embaraçoso que vi sobre esse assunto do comentário da primeira-dama nem foi toda a análise acima, de entender que “feia e vulgar” seriam os piores xingamentos que uma mulher poderia receber ainda hoje. A gente já pode entrar em posição fetal só com os parágrafos anteriores e de onde saiu essa construção de feminino. Para mim, o que agravou toda essa discussão foi a “resposta” de muitas páginas que se dizem progressistas ao comentário da primeira-dama com a comparação de fotos de Bruna e de Michele. Como se a gente tivesse de volta à 5ª B, quando a resposta de uma criança a esse ataque só poderia ser: “Feia é você”.

Quem é a mais bonita? Parece aquele quadro de quem usou a roupa preta melhor, a figura do lado esquerdo ou a do lado direito, vote no look mais lindo. Percebo que estamos mesmo lascadas. Se essas páginas, consideradas de esquerda e apoiadoras das lutas feministas, alimentam a dinâmica do concurso de beleza – comparando uma mulher com a outra, como se esse fosse o nosso valor e a nossa única resposta ao comentário – como sairemos desse pequeno lugar prescrito a nós na atual sociedade?

Fica o pensamento para domingo na hora de escolher seus representantes, quais lugares uma mulher pode ocupar fora do eixo beleza e bons modos?

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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