Máscaras: o que mudou
Apesar de ser alternativa menos eficiente no combate à covid-19, máscara de pano é o que resta à população
Na atual pandemia, o mais importante é usar uma máscara ao sair de casa, não importa que ela seja de pano, cirúrgica, de plástico… ou será que não é bem assim? Essa pode ter sido a recomendação predominante pouco depois do início da pandemia, mas agora as coisas parecem ter mudado e o material certo faz diferença. Num momento em que a aplicação das vacinas contra a covid-19 já começou em vários países do mundo, incluindo o Brasil, mostrando à população uma luz no fim de um túnel que antes parecia não ter fim, o aumento do número de casos de infectados faz voltar à tona a discussão sobre a máscara ideal para evitar o contágio.
Na Alemanha, França e Áustria, foi proibido o uso de máscaras caseiras, feitas de pano, em detrimento das profissionais, como a PFF2 e a N95. Nos Estado Unidos, onde o presidente Joe Biden fez um apelo aos americanos pelo uso de máscaras em lugares públicos durante os cem primeiros dias de sua administração, tem sido incentivada a fabricação de máscaras industriais do tipo N95, que bloqueia 95% das partículas. O professor de medicina de Harvard Abraar Karan chegou a afirmar que o uso da N95 por toda a população poderia acabar com a pandemia em apenas quatro semanas.
Em entrevista recente, o imunologista americano Anthony Fauci, consultor médico da Casa Branca, recomendou o uso de máscaras com três camadas ou até utilizar duas máscaras sobrepostas como forma de aumentar a proteção. Segundo ele, o surgimento de variantes do vírus com maior transmissibilidade, como as vindas do Brasil e da África do Sul, acabam exigindo um maior grau de proteção.
Poucas alternativas
Essa grande variedade de recomendações e possibilidades de uso de máscaras — sem contar as limitações tanto financeiras quanto de disponibilidade de algumas das opções mais eficazes —, no entanto, pode acabar mais confundindo do que ajudando o público.
Como o Brasil, a exemplo do resto do mundo, passa por um momento crítico em termos de suprimentos no combate ao coronavírus, não há máscaras profissionais disponíveis em quantidade suficiente para toda a população, lembra Flávia Bravo, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações no Rio de Janeiro. E muitas das opções que existem são caras e pouco acessíveis.
Para o público geral, as máscaras de tecido com camadas dupla e tripla impedem a passagem de boa parte das partículas à distância. É preciso manter o distanciamento
“Como temos poucas, essas máscaras devem ser reservadas para profissionais de saúde que trabalham em ambientes com alta possibilidade de contaminação. Para o público geral, as máscaras de tecido com camadas dupla e tripla impedem a passagem de boa parte das partículas à distância. Portanto, se mantido o distanciamento, conseguimos sim uma boa redução do risco de transmissão.”
Flávia também aponta que, independentemente do tipo utilizado, as regras de higienização tanto das mãos quanto da máscara após seu uso devem ser sempre observadas. “Elas são eficazes sim se forem bem usadas e lavadas. Porque não adianta colocar uma N95 se você ficar colocando as mãos nela o tempo todo, contamina da mesma forma.”
O momento errado
O tipo de material e quantidade de camadas de uma máscara são fatores essenciais para determinar seu nível de proteção. E as estatísticas de uma para outra variam de forma impressionante. Segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), máscaras de tecido podem ter de 26% a 80% de eficácia ao evitar a passagem de partículas. As máscaras cirúrgicas de uso único, compostas por três camadas de material sintético, costumam ter uma maior proteção. Já as profissionais, como a N95 e a PFF2, podem até ultrapassar os 95% de proteção.
No caso das máscaras de tecido, quanto mais próximas forem as fibras do material e mais confortavelmente ajustada ao contorno do rosto estiver a máscara, maior a proteção. As de três camadas são as mais recomendáveis. Usar duas máscaras sobrepostas também é positivo, desde que não prejudique a respiração. E não custa lembrar que máscaras de materiais como tricô ou acrílico, daquelas com abertura embaixo, não são nada eficientes e precisam ser evitadas.
O maior problema do uso das máscaras caseiras é que elas eram recomendadas apenas para um contexto de isolamento social, em que a maior parte da população estava saindo apenas para o básico, afirma o infectologista Leandro Machado. “Quando tem tanta gente indo ao escritório, pegando metrô e ônibus, são necessárias máscaras mais protetivas.”
“Quando tem tanta gente indo ao escritório, pegando metrô e ônibus, são necessárias máscaras mais protetivas”
Outra questão é o surgimento de variantes mais transmissíveis do vírus, que não existiam no início da pandemia. Leandro aponta como exemplo casos como o da Coreia do Sul, em que o uso de máscaras profissionais foi política de Estado, o que teria contribuído para os baixos índices de contaminação. “A população que está indo às ruas tinha que estar usando máscaras PFF2. Em vez de gastar em ivermectina e hidroxicloroquina, que não funcionam, o governo tinha que ter investido nessas máscaras para torná-las acessíveis para a população.”
Segundo o infectologista, as máscaras continuarão sendo importantes por um longo tempo, já que as vacinas devem diminuir o número de mortes, mas não acabar com a infecção.
“Precisamos começar a demandar do nosso governo soluções, parar de fingir que o problema não existe. O cemitério está cheio de vítimas que acreditavam em cloroquina. E enquanto as pessoas estão morrendo, o pessoal está discutindo política.”
Um futuro incerto
De acordo com a professora de microbiologia da UFMG Viviane Alves, a estratégia do presidente Joe Biden de pedir o uso da máscara para os americanos ao longo de cem dias busca reverter uma realidade em que poucas pessoas têm usado o produto até mesmo em lugares públicos. O período indicado, porém, não deve ser suficiente se considerada a realidade atual e os prognósticos mais recentes da pandemia.
Segundo Viviane, é importante lembrar que a resposta imunológica fica pronta apenas quatro semanas depois de tomada a segunda dose da vacina. Então, nesse período, o uso da máscara e os cuidados para evitar a contaminação são imprescindíveis. “Além disso, ainda faltam estudos que confirmem seu funcionamento contra as novas variantes do vírus, então o ideal é que o isolamento social e o uso de máscaras continuem.”
Outro fator que precisa ser levado em conta é que não existem estudos conclusivos sobre a possibilidade de transmissão a partir daqueles que já estão vacinados. Ou seja, é possível que, mesmo não podendo desenvolver sintomas graves, o indivíduo ainda seja uma fonte de propagação da covid-19.
Para os que esperam que ainda este ano o “novo normal” deve dar lugar à realidade que conhecíamos antes da pandemia, as previsões não são animadoras. Somente quando a cobertura de vacinas atingir a maior parte da população mundial — o que deve levar algum tempo devido à escassez dos insumos necessários — e ficar provado que elas são eficientes contra as novas variantes do vírus, o uso de máscaras e o distanciamento social poderão ser relaxados, diz Viviane.
“Isso só quando houver uma redução significativa no número de casos. A doença não vai desaparecer, mas serão poucos contaminados, e quem pegar não deve desenvolver sintomas graves. O problema é que não dá para prever quando isso vai de fato acontecer.”
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