Livros que inspiram viagens — Gama Revista
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Domínio Público/Albert Robida "Le Sortie de l'opéra em l'an 2000"

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Depoimento

Livros que inspiram viagens

De ficção científica a caderno de viagens. A literatura instiga a busca pelo desconhecido, ao descrever lugares reais e imaginários, hábitos alimentares, conflitos e afetos  

Ana Mosquera 03 de Julho de 2022

Livros que inspiram viagens

Ana Mosquera 03 de Julho de 2022
Domínio Público/Albert Robida "Le Sortie de l'opéra em l'an 2000"

De ficção científica a caderno de viagens. A literatura instiga a busca pelo desconhecido, ao descrever lugares reais e imaginários, hábitos alimentares, conflitos e afetos  

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    “A imaginação literária muitas vezes supera os relatos mais objetivos sobre determinado lugar”

    “Ficções”, Jorge Luis Borges (Companhia das Letras, 2007)

    “Sou apaixonado por relatos de viagem. Mas a imaginação literária muitas vezes supera, em sensibilidade e insights, os relatos mais objetivos sobre determinado lugar. Foi o que aconteceu quando li, pela primeira vez, algumas décadas atrás, as histórias de ‘Ficções’, de Jorge Luis Borges, uma coletânea de contos que, mais do que meramente argentina, pode ser classificada como pampeana. No mesmo ano dessa primeira leitura, empreendi duas viagens que me colocaram no universo do autor portenho. A primeira, claro, para Buenos Aires: as esquinas misteriosas em ruas arborizadas, os cafés e as livrarias pareciam evocar as palavras do autor. Fui atrás das referências do autor, como a Biblioteca Nacional da Argentina, o bairro de Palermo, as ruas de paralelepípedos cobertas de névoa. Naquele mesmo ano fui a São Borja, na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina. Pronto: o outro lado das referências do autor aparecia ali, de forma viva e vibrante. Os gaúchos deslizavam entre português e castelhano, a noção arraigada – e violenta – de honra, as casas baixas sem recuo para a rua. Essas duas cidades, a metrópole e a província sulista, pareciam – e ainda parecem – encapsular o universo de Borges. Cosmopolita e do Pampa.”

    Leandro Sarmatz, colunista

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    “Suas impressões provam que somos todos meio iguais e queremos as mesmas coisas”

    “Em Busca do Prato Perfeito – Um cozinheiro em viagem”, Anthony Bourdain (Companhia das Letras, 1993)

    “Tentei fugir, mas é inescapável falar de literatura de viagem sem mencionar o cozinheiro, escritor e apresentador de TV Anthony Bourdain (1956-2018). ‘Em Busca do Prato Perfeito – Um cozinheiro em viagem’ é um clássico contemporâneo tão fundamental para aqueles que gostam de comer, se interessam pelo mundo da comida e pelo mundo em si quanto são os livros sobre a França de M.F.K Fisher, talvez a maior autora do gênero. Bourdain vai mais longe – literalmente –, ao outro lado do mundo, ao Vietnã, ao Camboja, ao Japão, ao Marrocos, à Rússia e a muitos outros lugares que parecem ainda mais distantes por serem tão diferentes. A graça do livro é o contraste entre descrições romanceada de iguarias e de opiniões, retas, diretas e sem floreios sobre outras comidas comida, além dos emocionantes encontros com o outro (por exemplo, ex-vietcongues). Suas impressões sobre os habitantes desses territórios longínquos provam que, no final das contas, nós, os humanos, somos todos meio iguais e queremos as mesmas coisas. Uma leitura capaz de nos levar longe, de fazer refletir sobre a humanidade e de nos ensinar sobre estilo de escrita.”

    Isabelle Moreira Lima, editora executiva e colunista

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    “Tento encontrar em todo canto aonde vou o mundo que Verne traçou, fosse ele real ou inventado”

    “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, Júlio Verne (Clássicos Zahar, 2017)

    “Já se tornou clichê citar o pai de todos os viajantes literários, Júlio Verne, ao falar de inspirações. Mas sou obrigado a insistir no impacto de um livro como ‘A Volta ao Mundo em 80 Dias’, que despertou nesta criança, até então inteiramente presa ao estado de São Paulo, uma curiosidade por conhecer pessoas, países e culturas que ela nem imaginava que existiam. Ainda que o impassível Phileas Fogg e seu criado Passepartout tenham visto o mundo mais pelas janelas de trens, carruagens e navios, passando de país a país, de continente a continente com a pontualidade de um relógio, Verne tinha o poder de despertar no leitor uma fome de aventura, por saber mais, por viajar. Ele mesmo não era imune aos clichês, ou a enfatizar um exotismo que existia mais nos olhos estrangeiros do que nos lugares que retratava. Mesmo assim, hoje ainda tento encontrar em todo canto aonde vou o mundo que Verne traçou, fosse ele real ou inventado.”

    Leonardo Neiva, redator

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    “Uma boa viagem perpassa pela atenção, cuidado e respeito com a história de cada civilização”

    “Homens Imprudentemente Poéticos”, Valter Hugo Mãe (Biblioteca Azul, 2016)

    “De uma forma ou de outra, todos os títulos de Valter Hugo Mãe propõem uma viagem. Ainda que não dê dicas turísticas, relate boas histórias na estrada ou sugira destinos pouco conhecidos, este livro, especificamente, convida o leitor a mergulhar na cultura do Japão antigo como se de fato estivesse naquele tempo e espaço. Mais do que inspiração para personagens e cenários, o autor reflete no romance a sabedoria japonesa, principalmente em relação à morte (e não seria essa a viagem sobre a qual menos se sabe?). Uma leitura que me envolveu na parte mais íntima e poética de uma cultura que pouco conheço, e que vai para sempre servir como lembrete de que uma boa viagem perpassa, necessariamente, pela atenção, cuidado e respeito com os saberes e a história de cada civilização local.”

    Manuela Stelzer, redatora

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    “É impossível não sentir vontade de ir a Nápoles – e se perder por seus becos e suas praças”

    “Tetralogia Napolitana”, Elena Ferrante (Biblioteca Azul, 2015-2017)

    “Ao mergulhar na história da simbiótica amizade de Lila e Lenu, narrada nas quase 1.700 páginas da ‘Tetralogia Napolitana’, é impossível não sentir vontade de ir a Nápoles – e se perder por seus becos e suas praças. Fatos importantes da trajetória das garotas, depois mulheres, estão intrinsecamente ligados à cidade italiana, sobretudo aos arredores de Rione Luzzatti, bairro periférico, pobre e violento, onde a dupla passa parte da vida. Nos quatro romances da misteriosa escritora que atende pelo nome de Elena Ferrante‘A Amiga Genial’ (2015), ‘História do Novo Sobrenome’ (2016), ‘História de Quem Foge e de Quem Fica’ (2016) e ‘História da Menina Perdida’ (2017) –, os pequenos edifícios, a biblioteca, o estradão e o túnel que as duas, ainda crianças, atravessam na intenção de conhecer o mar têm papel essencial. Uns feios, outros banais, esses locais podem não ter o menor apelo turístico a viajantes que não tenham sido contaminados pela tal ‘febre Ferrante’, mas para leitores e leitoras da obra são tão personagens quanto os irmãos Solara e Nino Sarratore.”

    Ana Elisa Faria, redatora

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    “Além de visitar aquele lugar, a narrativa fez despontar o desejo de viajar pelos afetos e conflitos”

    “Os Veranistas”, Emma Straub (Rocco, 2016)

    “Cheguei ao livro por indicação da Roberta Martinelli e, por algumas manhãs, a obra de Straub se tornou uma fuga do isolamento, no primeiro verão da pandemia. Enfurnada no apartamento da minha mãe em Ilhabela, e voltando a dividir a rotina com ela depois de anos, encontrava paralelos com a história das personagens que então ocupavam uma casa histórica na também paradisíaca Palma de Mallorca, na Espanha. Em um cenário de belas trilhas, praias e montanhas rochosas, a convivência do grupo reacendia questões antigas e recentes, pessoais e coletivas. O casal Franny e Jim, abalado por uma traição tanto quanto pelo envelhecimento; os filhos Sylvia e Bobby lidando com a própria sexualidade e outros dilemas da juventude; o casal de amigos Charles e Lawrence, divididos sobre o tema da adoção e o ciúme. Além da vontade de visitar aquele lugar reservado e interessante, a narrativa aparentemente leve e simples fez despontar o desejo de viajar pelos afetos e conflitos, e de entender a humanidade por trás das relações familiares.”

    Ana Mosquera, redatora

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    “A vida deles vai se entrelaçando com a paisagem amazônica e com a história do Brasil”

    “Dois Irmãos”, Milton Hatoum (Companhia das Letras, 2000)

    “Desde que li ‘Dois Irmãos’, em 2011, virei fã de Milton Hatoum e fiquei enlouquecida para conhecer o Amazonas. O livro narra a vida de Yaqub e Omar, irmãos gêmeos nascidos de uma família de origem libanesa que migrou para Manaus. A vida deles cheia de questões e desafios acontece ali, à beira do rio, naquela cidade portuária, e vai se entrelaçando com a paisagem amazônica e com a história do Brasil. O livro acaba nos anos 1970, eu fui conhecer o Amazonas somente em 2017, mas ali me senti muito próxima da vida daqueles dois irmãos da ficção. Nessa viagem fui com meus filhos gêmeos, nascidos em 2013, e reli o livro, fazendo anotações mentais sobre os desafios de criar gêmeos e experimentando a vida pelos rios da região.”

    Marina Menezes, head de operações e relações institucionais

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    “O livro é daquelas experiências que inspiram vida, com todos os cinco sentidos humanos”

    “Mil Dias em Veneza”, Marlena de Blasi (Sextante, 2011)

    “Li pela primeira vez ‘Mil Dias em Veneza’ ainda na adolescência, quando tinha 14 anos de idade. Reli num contexto completamente diferente em 2020 quando, em um dos auges da quarentena, senti a necessidade de fugir para um momento mais agradável. Logo me veio à cabeça o livro da Marlena de Blasi, que conta uma história real e própria da autora. Marlena viveu mil dias em Veneza: a priori por conta de Fernando, um amor daqueles à primeira vista. Mas a verdade é que foi Veneza quem conquistou Marlena. O romance narra a experiência na cidade italiana através da culinária e das descrições dos sabores e das paisagens. Acredito que o livro é daquelas experiências que inspiram vida – viver mesmo, com todos os cinco sentidos humanos. Ainda que com todas as facilidades que um romance oferece, ‘Mil dias em Veneza’ definitivamente é o clichê que cai bem para todo mundo.”

    Adyel Beatriz, mídia e distribuição