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Vitor Romenior

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Reportagem

O Brasil é o novo país dos games?

Com setor em alta, país vem ganhando visibilidade no ramo e até lidando melhor com uma crise de proporções globais

Leonardo Neiva 18 de Agosto de 2024

O Brasil é o novo país dos games?

Leonardo Neiva 18 de Agosto de 2024

Com setor em alta, país vem ganhando visibilidade no ramo e até lidando melhor com uma crise de proporções globais

Quando falamos na indústria dos videogames, é provável que venha à mente um país como o Japão, lar da gigante Nintendo e do megapopular console PlayStation. Ou então os Estados Unidos, com seu XBox e pesos pesados como a Microsoft que o desenvolve. Mas dificilmente alguém vai lembrar do Brasil como um dos destaques no mercado global de jogos eletrônicos.

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E de fato não somos. A indústria brasileira de desenvolvimento de games ainda é formada principalmente por micro e pequenas empresas independentes — 75% dos estúdios por aqui têm menos de dez funcionário, segundo a Abragames, a Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais —, e nasceu relativamente tarde em comparação com os líderes do setor. Mas esse cenário pode estar prestes a mudar.

De acordo com um mapeamento divulgado pela Abragames em 2023, o país conta com 1.042 estúdios de desenvolvimento de games, com faturamento total de US$ 252 milhões em 2022, que corresponde a cerca de 10% do consumo de jogos no Brasil. Pode não parecer tanta coisa, mas a verdade é que esse mercado vem se expandindo rapidamente por aqui. Para se ter uma ideia, o número de estúdios cresceu 177% só nos últimos cinco anos.

“A gente vê que o ambiente para empreender no setor melhorou, porque muito mais empresários têm entendido games como uma fonte de negócios”, afirma o presidente da Abragames, Rodrigo Terra. Segundo ele, existem desenvolvedores atuando no país praticamente desde os primórdios dos jogos eletrônicos, lá nos anos 1980. Mas a produção não conseguiu acompanhar o forte mercado de gamers no país.

De acordo com Terra, só foi de fato acontecer uma retomada a partir do boom de jogos para smartphones na década de 2010, plataformas mais acessíveis para uma população que antes tinha apenas os caríssimos consoles e PCs como alternativa, reavivando o interesse em investir na área. “O consumo aqui estava aumentando, e o videogame começa a ser uma coisa mais desmistificada”, aponta.

A partir de 2015, tem início um processo de ampliação expressiva da quantidade de estúdios em terras brasileiras, conta o presidente da Abragames. Negativos na maior parte das frentes, os anos de pandemia acabaram sendo extremamente benéficos para essa indústria, com o número de gamers explodindo no período de isolamento.

Em maio, ainda entrou em vigor o Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, regulamentação que é demanda antiga do setor — e abre a possibilidade de maiores investimentos daqui para frente. Na prática, a lei libera a fabricação, importação e comercialização de games, diferenciando-os dos cada vez mais populares jogos eletrônicos de azar, com o objetivo de estimular os negócios e o empreendedorismo no ramo.

Segundo o professor de desenvolvimento de games da PUC-SP, Reinaldo Ramos, o principal benefício da legislação é aumentar a segurança jurídica, “Muitas empresas acabavam ficando de fora de editais ou não conseguiam emitir uma simples nota fiscal, tendo que fazer algumas gambiarras para evitar o excesso de impostos. Essa dificuldade a gente pode resolver com o Marco Legal”, explica.

Além de tudo isso, Terra aponta, a falta das gigantescas multinacionais do setor no Brasil acabou criando uma bifurcação para os profissionais que querem atuar na área: ou você vai trabalhar no exterior ou acaba criando um negócio próprio por pura necessidade. Hoje, isso se reflete inclusive numa vontade de os estúdios nacionais contarem mais histórias autorais. Em 2022, segundo a Abragames, 93% deles desenvolveram projetos próprios, com o licenciamento de produções estrangeiras em queda livre, invertendo uma tendência histórica de mercado por aqui.

E em 2023 o mercado brasileiro recebeu outra boa notícia: foi o país homenageado durante a Gamescom na Alemanha, maior evento de games da Europa, coroando a evolução do setor. Na verdade, a indústria nacional tem encontrado até mais destaque lá fora do que no próprio país, já que metade das desenvolvedoras nacionais conseguem 70% do faturamento no exterior, ainda de acordo com dados da Abragames.

“Aos poucos a gente tem uma elevação muito interessante da qualidade do jogo brasileiro”, sintetiza Terra. “Deixamos de ser conhecidos por apenas fazer jogos em pixel art e 2D, uma porta de entrada para quem começa a desenvolver, para sermos vistos como um país com potencial para fazer qualquer tipo de jogo, num nível de qualidade igual ao de qualquer outro país do mundo.”

Por trás do joystick

No dia em que Gama conversou com o desenvolvedor Diego Sato, seu game Slash Quest! estava sendo lançado numa versão para computador — antes o jogo estava disponível apenas para Apple. A história do jogo é simples mas intrigante: uma espada falante precisa percorrer um mundo de fantasia para se reencontrar com sua dona, a Rainha. Para isso, você deve ajudá-la combatendo inimigos, colhendo vegetais e resolvendo quebra-cabeças ao longo de um caminho multicolorido e pulsante.

Sato é o fundador e diretor de criação e efeitos visuais do estúdio Big Green Pillow, onde o game foi desenvolvido. Embora Slash Quest! seja indiscutivelmente o jogo de maior sucesso da empresa, não é o único. Há também títulos como Porcunipine, uma batalha até a morte entre porcos-espinhos em processo avançado de calvície — têm um único espinho sobrando.

 Reprodução/Big Green Pillow

Com 12 anos de estrada, a empresa nasceu do interesse em comum em videogames entre quatro amigos de faculdade de Bauru, no interior de São Paulo. Num universo então com pouquíssimos estúdios do ramo e raras vagas, os jovens tiveram que caçar oportunidades, fosse desenvolvendo jogos para publicidade ou até fugindo da sua área de atuação, criando aplicativos para terceiros. “A gente ia oferecendo nossos serviços, participando de reuniões de negócios, mas no começo a gente fez de tudo”, conta Sato.

Aos poucos, foram conseguindo contratos para criar jogos online para empresas maiores, como o Cartoon Network. “A gente só conseguiu, depois de alguns anos, ir lapidando um jogo nosso aos fins de semana, enquanto fazia essas prestações de serviço.”

Por um lado, Sato considera a indústria atual mais favorável do que quando lançou a Big Green Pillow, com maiores oportunidades em editais e até premiações. Em 2023, o estúdio ficou entre os 10 selecionados pelo Indie Games Fund, que distribui US$ 2 milhões em dinheiro e suporte técnico para empresas do setor na América Latina.

Mas o desenvolvedor também vê uma concorrência ainda mais disputada nesse mercado. “Muita gente já investe dinheiro nas plataformas de assinatura, como o Play Pass do Google ou o Apple Arcade. Então o jeito que se consome games hoje em dia é bem diferente, e isso com certeza implica na competitividade, na forma como você vai distribuir seus jogos.”

Game das desigualdades

Infelizmente, a indústria dos jogos acompanha boa parte do mercado brasileiro num índice nada favorável: a falta de diversidade. Embora pretos e pardos correspondam a 54% dos gamers brasileiros, apenas 7,8% dos colaboradores e 5,8% dos sócios na indústria nacional de games são pretos, segundo dados da Abragames. E essa disparidade também é de gênero, já que somente 28% dos colaboradores e 14% dos sócios dessas empresas são mulheres.

Há cerca de cinco anos, a ONG carioca AfroReggae criou o projeto AfroGames justamente para combater essa falta de diversidade na área. Inicialmente voltado a formar atletas de esports — competições de jogos eletrônicos —, a iniciativa acabou se expandindo e hoje também oferece aulas de desenvolvimento e programação para o mercado. “Essa interação [com os jogos no celular] mudou, e a gente precisa acompanhar isso. Esse jovem quer participar disso”, afirma Danilo Costa, diretor-executivo do AfroReggae.

A partir de 2021, alunos do projeto chegaram inclusive a produzir jogos curtos como Ominira, em que a jovem protagonista negra parte numa jornada em busca de sua ancestralidade, e A Lenda do Guaraná, game com raízes indígenas que narra a origem da fruta amazônica. Os exemplos mostram o comprometimento do projeto em incentivar narrativas mais diversas entre os estudantes.

 Reprodução/AfroReggae

“É interessante trazer essa diversidade para que a gente não se torne apenas repetidor de uma cultura alheia”, afirma Luca Alves, professor de programação e desenvolvimento de jogos no AfroGames. “Quando o aluno pega um jogo, não se vê naquela tela, e isso gera um problema, porque ele reproduz aquilo. A gente não limitava o que eles produziam, mas eu questionava: você percebeu a cor desse personagem que desenhou? Ele é branco, mas você não. Por que desenhou um personagem diferente de você?”

Hoje, são cerca de 200 alunos espalhados pelas unidades do projeto no Rio, nas comunidades do Morro do Timbau, Complexo da Maré e Vigário Geral — a ONG deve abrir uma nova unidade em São Gonçalo até 2025. Embora ainda deva levar tempo para se concretizar, a ideia é lançar um estúdio próprio de desenvolvimento de games. Alves reforça também a importância da iniciativa na criação de oportunidades. Hoje, dois ex-alunos são professores no próprio AfroGames, passando esse conhecimento adiante. Mas a falta de acesso segue sendo uma das principais barreiras.

“É uma realidade que assusta, um mercado novo que já está repetindo os vícios e o racismo estrutural dos outros mercados. Tenho aluno de 25 anos que foi ver um computador pela primeira vez dentro do AfroGames. Ele já começa mais atrasado do que um jovem que faz uma faculdade de computação. É mais difícil, mas a gente tem conseguido ver uma melhora no setor como um todo”, reflete o professor.

Escudo anticrise

Por mais que o mercado internacional de games seja bem maior e mais avançado do que no Brasil, não significa que o setor está vivendo seu melhor momento lá fora. Pelo contrário, os últimos anos foram marcados por demissões em massa em alguns dos principais players do ramo, como a Microsoft e a Sony. Até agosto, foram cerca de 11.500 funcionários dispensados ao longo de 2024, mais do que o total registrado em 2023.

O cenário é complexo. Embora as vendas na indústria de consoles continuem crescendo — num ritmo muito mais lento do que na pandemia, é verdade —, a produção de games cada vez mais hiper-realistas também encarece a atividade. Além disso, boa parte dos novos títulos não tem alcançado o sucesso esperado, sem contar a concorrência cada vez maior e mais variada de games, seja nos celulares ou em plataformas de streaming.

No caso do Brasil, a configuração do mercado nacional pode ter ajudado a reduzir os efeitos da crise, segundo o presidente da Abragames. “Aqui também tivemos fechamento de estúdios e demissões, mas de forma mais abrandada”, considera Terra. Uma das principais mudanças recentes na indústria nacional, segundo ele, é que jogos para PC têm ultrapassado o interesse dos games para celular entre os desenvolvedores, acompanhando uma tendência mundial. Otimista, prevê para os próximos anos a abertura de ainda mais empresas de games por aqui

O professor Reinaldo Ramos, da PUC-SP, endossa essa visão. “Quando você observa uma quebra ou uma demissão, sempre vê uma, duas ou três empresas indie nascendo.” Para ele, o cenário nacional segue sendo positivo, com maiores incentivos para a criação de micro e pequenas empresas.

A própria formação de profissionais no país enfrentou uma intensa transformação nas últimas décadas, segundo o docente, passando de cursos generalistas na área para graduações mais focadas e que atendem melhor às necessidades reais do mercado. Ramos também vê os desenvolvedores como extremamente motivados a continuar trabalhando no setor, até mesmo em ramos como a gamificação, que costuma ter alta demanda por aqui.

Como esses profissionais raramente deixam o setor de games, mesmo quando não encontram oportunidades, Terra vê grande parte dos desenvolvedores abrindo os próprios negócios no Brasil nos próximos anos em meio à crise. Mas há também uma outra alternativa.

“A gente vê nossos círculos de amigos se reduzindo, porque muito vão trabalhar em Barcelona, Londres, eles vão saindo”, conta Diego Sato, da Big Green Pillow. “A percepção de fora é que no Brasil temos profissionais muito competentes.”