Joyce Pascowitch: "É mais fácil e divertido saber da vida dos outros" — Gama Revista
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Paulo Freitas/Glamurama

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Conversas

Joyce Pascowitch: 'É mais fácil e divertido saber da vida dos outros'

Jornalista que há 40 anos conta o que há de mais quente sobre ricos, poderosos e famosos diz que o Olimpo do high society ficou mais chato com a internet e que o segredo para uma boa história é ter um olhar diferente

Isabelle Moreira Lima 05 de Dezembro de 2021

Joyce Pascowitch: ‘É mais fácil e divertido saber da vida dos outros’

Isabelle Moreira Lima 05 de Dezembro de 2021
Paulo Freitas/Glamurama

Jornalista que há 40 anos conta o que há de mais quente sobre ricos, poderosos e famosos diz que o Olimpo do high society ficou mais chato com a internet e que o segredo para uma boa história é ter um olhar diferente

Há quatro décadas, a jornalista Joyce Pascowitch está contando o que todo mundo quer saber de quem está à frente dos holofotes. Fosse em uma das colunas sociais mais babadeiras do país, que assinou na Folha de S.Paulo nos anos 1990, ou em seu grupo Glamurama, que fundou no início de 2000 e que engloba site e revistas impressas como a JP e a Poder, ela nunca pareceu ter problemas para ter acesso à voz de famosos e poderosos.

Na época da coluna, foi ela quem contou que Thereza Collor, viúva de Pedro Collor de Mello, irmão do ex-presidente Fernando Collor (1990-1992), estava namorando o filho do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), entre outras fofocas ligadas à Brasília e ao high society do eixo Rio-SP. Hoje, coloca celebridades como a cantora Luisa Sonza na capa da JP, com uma saborosa entrevista no miolo, e poderosos como Christian Gebara, CEO da Vivo, na capa da Poder.

É curioso então quando ela diz que não é boa de ouvir. Como pode?

Na entrevista a Gama, que você lê abaixo, Joyce fala que confia mesmo é em seu repertório, a palavra que ela mais ama entre todas as do dicionário. É ele que ilumina suas ideias quando alguém está contando algo; é ele que faz com que ela consiga engatar uma pergunta interessante atrás da outra. Com ele e com sua personalidade absolutamente simpática e sedutora, ela tem o combo perfeito para deixar o interlocutor confiante para responder tu-di-nho. A conversa segue, então, naturalmente e com conteúdo muy suculento.

Engraçado é pensar que essa carreira — ou seria vocação? — aconteceu também naturalmente, sem muito planejamento. Embora sempre tenha amado comunicação, Joyce fez desenho industrial no Mackenzie e chegou a vender anúncios, até que o jornalismo e a noite cruzaram o seu caminho como num conto de fadas: “Comecei a trabalhar em 1980 em uma revista customizada feita para uma boate”, ela conta sobre a revista AZ, da casa noturna badaladíssima Gallery.

De lá foi para a Folha de S.Paulo e, sem experiência com jornalismo com J maiúsculo, escrevia como falava, criando um estilo e um glossário próprios que deixavam os bafões ainda mais deliciosos e que saíram das páginas do jornal para a boca dos leitores. Saia justa, por exemplo, é algo de que ela entende bem. Tanto que foi ela quem cunhou o termo. O resto é história, história das boas, você nem vai acreditar. Mas deixa que ela te conta aqui.

Bom é quando você consegue ultrapassar o limite do discurso preparado e atingir mares não navegados

  • G |Com tudo o que viu e viveu ao longo da sua carreira, qual é o seu palpite no interesse das pessoas na vida dos outros?

    Joyce Pascowitch |

    Porque dói menos do que saber da nossa vida. A nossa vida, quando a gente vai atrás, pode trazer desafios e surpresas às vezes indesejáveis. É muito mais fácil e divertido, menos profundo, prestar atenção na vida dos outros.

  • G |No colunismo, nas suas revistas, no Glamurama, qual a chave de ficar perto das pessoas e fazer com que elas falem sobre as suas vidas, já que dói tanto?

    JP |

    Acho que o discurso dessas pessoas para falar sobre as suas vidas não é o discurso que dói, que a gente fica se poupando quando se interessa pela vida do outro. Essas pessoas têm um discurso mais ou menos pronto, são preparadas, tem media training, são escoladas para falar. O bom é quando você consegue ultrapassar esse limite e atingir mares não navegados.

  • G |Você costuma conseguir. Como faz, o que acha que é a sua chave?

    JP |

    Ser verdadeira é o primeiro passo para dar certo no mundo da comunicação. Em TV principalmente, onde qualquer sinal de não verdade é perceptível por quem está assistindo. Não é que eu tento ser verdadeira, eu sou verdadeira, naturalmente. Ao ser verdadeiramente verdadeira você acessa com mais facilidade a verdade do outro. Com menos jogo, menos pretensão, menos fingimento. Você não pode fingir inteligência, fingir interesse, que quer saber aquilo. Tudo tem que ser de verdade, você tem que estar de fato interessada, você tem que estar de fato preparada para aquela conversa, para entrar no mundo daquela pessoa.

  • G |Como você vê a evolução da cobertura de famosos desde que você começou a trabalhar? Qual foi o maior ponto de virada?

    JP |

    Foram as redes, mais do que a internet. Hoje em dia o próprio famoso fala dele mesmo com a versão que ele quer dar. Ele mostra o melhor ângulo, fala o que lhe interessa, o que cai bem para a imagem dele, isso virou quase uma concorrência, mas não exatamente. É um novo desenho, digamos assim.

  • G |Já que eles fazem essa própria cobertura de tantos momentos, como o colunismo e mesmo o jornalismo pode se manter quente e relevante?

    JP |

    O Glamurama se reinventou levando em consideração o movimento das redes sociais. E notamos que fez bem porque as pessoas estão comparecendo com mais frequência, ficando mais tempo no site e aumentando a nossa audiência. Em vez de notas curtas, nos alongamos mais nos assuntos, colocando nosso olhar sobre esse mundo, fazendo uma seleção do que a gente acha que é relevante, do que interessa, do que é curioso, charmoso. Faz mais sentido fazer isso do que ser o primeiro a dar o furo. Essa história de ser o primeiro foi um dos motivos que me fez sair da Folha. Eu não achava que ficar correndo atrás de furo era a coisa mais relevante do mundo, que não ia mudar a vida de ninguém. Me preocupo em dar bem dado, com a linguagem, com a imagem, com o conteúdo. Claro, sou uma pessoa de conteúdo, nossos veículos e redes são de conteúdo, e a gente tem sabido se reinventar com o passar do tempo.

O mercado de celebridades está um pouco boring, um pouco chato, mas sempre vai existir um público interessado

  • G |E dentro de tudo o que fazem, qual o conteúdo você está mais a fim de fazer? São os famosos?

    JP |

    Nosso público é exigente e eu acho isso maravilhoso, eles querem saber a história por trás daquilo que tá todo mundo falando. Não adianta eu dizer quem é o novo namorado da Anitta, esse não é meu público. O público talvez queira saber como uma mulher feito Anitta faz para ter tanto namorado, e não mulher Anitta como cantora, mas uma mulher bem resolvida e de sucesso, algo que dificulta a vida afetiva. A gente já testou dar em primeira mão o namorado da Anitta e o internauta fica um minuto no Glamurama e vai embora, não é o nosso core business. É um exercício do olhar o que interessa, sob qual prisma e sob qual ponto de vista aquele assunto do qual estão todos falando chama atenção do nosso público. Não é o mesmo lado para onde todo mundo está mirando. Essa percepção a gente desenvolveu com o tempo, esse é um talento, uma percepção diferencial da gente.

  • G |Considerando que os famosos editam suas notícias e que existe uma nova geração de jornalistas que escrevem sobre eles e parecem seus amigos, as celebridades continuam abertas para você?

    JP |

    Continuam, todo mundo quer ser capa da JP. O olhar é diferente, a gente tem uma ética linear, restrita, e isso continua na moda. O exercício da profissão, independentemente da gente estar no ano 2021, requer as mesmas habilidades. Não fico constrangida porque agora as redes sociais estão falando tudo; encontro outro caminho. Me sinto desafiada, gosto de ser desafiada, acho que a minha vida inteira, quando fiquei muito acomodada, eu mesma me desafiei a mudar, então não me incomodo e para mim isso é como uma abdominal. Adoro fazer abdominal e agachamento.

  • G |Mas tá mais chato o mercado? Está mais chapa-branca?

    JP |

    O mercado de celebridades está um pouco boring, um pouco chato, mas sempre vai existir um público interessado. Veja os BBBs — o Boninho é um gênio porque ele trouxe as redes sociais, trouxe influenciadores, o mundo das redes para dentro do “Big Brother”. Essa foi a grande sacada dos últimos tempos. Existe esse mundo, não é do meu interesse, mas eu sou um ser totalmente híbrido, posso ter um interesse muito intelectual e muito pop. Não vejo que essa administração própria das celebridades nos atrapalha, apenas nos desafia.

  • G |Muitos dos furos na cobertura política vêm da fofoca: seja do vazamento de informação ou da conversa informal. Existe alguma diferença na abordagem de quem cobre Brasília e de quem cobre as celebridades?

    JP |

    Não sou especializada em nenhum setor, então sou prova de que um bom repórter faz qualquer coisa. Mas como tenho muitos anos de profissão, teve uma época que eu focava mais em Brasília e isso foi muito importante. Você aprende os meandros do poder, como lidar com os políticos, onde é o ponto fraco deles. E o ponto fraco deles não é o dinheiro, como o dos ricos de São Paulo. Não são as posses, o quadro que compraram, o barco, o jatinho — é o poder que ele exerce sobre as pessoas. Faço análise há mais de 40 anos, basicamente divã. Ontem a gente fez um pequeno evento, o primeiro dessa volta, com dez megaCEOs. O cara que cozinhava falou para mim “nossa, eu fiquei muito impressionado com você, sabe o que parecia? Uma psicanalista de CEO. Você fez uma sessão de terapia com eles”. Eu não me vi fazendo isso, mas tenho certeza que quando abordo uma pessoa ou quando falo com alguém da equipe que vai fazer uma capa, isso entra em jogo. Voltando à sua pergunta: as abordagens são diferentes? São todos seres humanos. Se você quer aprimorar o seu olhar e o seu foco, você vai também aprimorar a maneira como você vai abordar esse tipo de ser humano, essa comunidade: a comunidade políticos, ricos e alta sociedade, mundo da moda, empresários, VPs querendo ser CEOs, cada comunidade tem uma característica. E, quanto mais você souber esse DNA, vai poder acioná-lo e chegar ao coração deles.

  • G |Pelo que você está falando, é ter o seu próprio repertório, mas é saber ouvir, também. Tem uma coisa de saber ouvir, sacar rápido?

    JP |

    Repertório é a palavra em que mais acredito, a que mais uso desde que virei gente. Mais do que ouvir os outros, é repertório. Porque na hora que estou falando com você, estou acionando um repertório que não tem a ver com jornalismo nem com nada, porque está tudo aqui no meu hard disc, o acesso é automático. Sobre ouvir o outro, vou ser sincera, tenho bastante dificuldade.

O que senta de mulher na minha frente e chora… E eu dou gotinha da Weleda para acalmar

  • G |O tratamento de quem sai na sua revista de famosos é diferente dos que saem na dos poderosos?

    JP |

    Todo mundo é gente, o ser humano é feito da mesma massa, mesmo princípio, meio e fim, mas cada vez que você tá trabalhando para um veículo há uma mobilidade. Eu pessoalmente transito muito bem por todos esses mundo, e é o que a gente tenta imprimir no nosso trabalho. Fazemos isso com as equipes também. É totalmente viável, acho necessário trazer um olhar fresco e não ficar viciado naquele mundo.

  • G |Você tem uma atuação muito forte no mercado de lifestyle e do luxo. Qual é a medida para cobrir esse mercado que tem relevância e gera interesse e não parecer alienado com o cenário de crise em que o Brasil vive?

    JP |

    Eu tive essa questão bem clara na pandemia. A primeira coisa que fiz foi me dedicar a ajudar os outros. Procurei o Gilson Rodrigues do G10 Favelas, procurei o Celso Athaíde da CUFA, fazia muita live sobre minorias, sobre a questão racial, sobre tudo isso que me angustiava. Padre Júlio disse umas coisas interessantíssimas. Eu não fiz live sobre lifestyle, sobre consumo de luxo. Não fazia o menor sentido. E no Glamurama e nas revistas a gente cuidou para que as capas fossem mais focadas. A primeira capa na pandemia foi a Eliane Dias, mulher do Mano Brown, que eu conheço e admiro, e achei que ela era importante naquele momento. Na capa da Poder foi o doutor Esper Kallas, que era o maior especialista em coronavírus naquele momento em São Paulo, já que a gente não podia viajar para nada. O que eu posso falar é: bom senso, cuidado, olhar acolhedor, sensibilidade, empatia, tudo isso entrou muito nas nossas coberturas. A gente só voltou a falar de consumo quando a crise de fato amenizou e as pessoas consumirem ia ajudar todo mundo, dono de loja, fabricante, costureiras, etc. Foi também uma coisa orgânica e natural. Não fazia o menor sentido, sabe? Então quando a gente tinha uma sessão de consumo, você tinha coisas palpáveis que faziam sentido naquela hora. Naquela hora ninguém estava pensando em comprar uma bolsa de tantos mil reais.

  • G |O Glamurama hoje é um grupo comandado por você, que equilibra muitos papéis. Você falou sobre ser repórter. Acha que ainda é repórter?

    JP |

    Eu sou tudo porque gosto disso, adoro marketing. Essa foi a minha sorte, quando comecei a empreender e não sabia que estava empreendendo. Essa palavra não existia quando comecei. Já tinha trabalhado como vendedora de anúncios lá atrás. Eu não gostava de vender anúncios, mas gosto de vender ideias, parcerias. Vamos juntos porque isso aqui vai te interessar. Amo marketing, acho um desafio incrível cuidar disso também, mas cuido com prazer porque não cuido sozinha. Gosto dos dois braços. A gente não tem um departamento de RH porque a empresa é muito pequena, mas eu faço muito RH. A pessoa que tem mais de 40 anos de divã vai se negar a fazer RH? O que senta de mulher na minha frente e chora e eu dou gotinha da Weleda para acalmar, às vezes uma gota de rivotril escondida.

  • G |Você não larga o osso da parte de falar com as pessoas, né?

    JP |

    Isso sou eu. Não é questão de largar o osso, eu sou essa pessoa. Eu nem sei se tô com o osso, para mim eu sou isso. Quem inventou que quem faz isso não pode fazer aquilo? É uma profissão fascinante e me encontrei nela de uma maneira que penso em trabalhar até o fim dos meus dias, não penso em me aposentar nunca. Posso ir mudando o formato e intensidade, sou uma pessoa intensa. Dou graças a Deus que mesmo não tendo feito faculdade de comunicação, que era o que eu queria, meu sonho era ter feito a ECA. Mesmo assim voltei para um sonho que nem sabia que tinha. Às vezes a gente nem sabe que sonha, às vezes o sonho que a gente sonha não é bom para a gente. Vivo intensamente o meu caminho.