Fazer fofoca faz bem? — Gama Revista
Soube da última?
Icone para abrir
Fotos Getty Images

1

Semana

Fofocar é saudável?

Muitas vezes entendida como algo destrutivo, a fofoca também é considerada uma habilidade social, pode unir pessoas e trazer efeitos positivos aos relacionamentos

Manuela Stelzer 05 de Dezembro de 2021

Fofocar é saudável?

Manuela Stelzer 05 de Dezembro de 2021
Fotos Getty Images

Muitas vezes entendida como algo destrutivo, a fofoca também é considerada uma habilidade social, pode unir pessoas e trazer efeitos positivos aos relacionamentos

Mas essa fofoca “vai edificar a minha vida? Edificou a sua? Da nossa família?” Mal sabia o ator Felipe Simas, ao proferir essas palavras, que a resposta para suas perguntas seria um sólido sim. No início de 2021, a jornalista Mariana Uhlmann, casada com Simas, publicou uma foto dos dois, e na legenda contou sobre um episódio que acontecera: ao chegar com um boato quentíssimo para o cônjuge, foi surpresa pela indagação. A internet não perdoou, e choveram memes a favor da fofoca nos relacionamentos.

Entre os militantes do fuxico está um dos casais mais queridinhos pelo público, os artistas Tais Araújo e Lázaro Ramos. Em meados de novembro, Ramos revelou a fórmula para o sucesso de seu relacionamento: o humor e a fofoca. “Rimos muito junto, fofocamos muito. Nos vemos todos os dias e trocamos Whatsapp o dia todo pra fofocar. Isso conecta muito a gente”, disse ele durante o programa À Prioli, sobre seus 17 anos de casamento com a atriz. Entretanto, nomes de peso já se declararam contra a fofoca — Papa Francisco a definiu como uma praga pior até do que o coronavírus, e o filósofo pop Leandro Karnal, como “a arma dos fracos”.

Se existe fuxico do bem ou se fofocar é pecado, a questão pode dividir especialistas, mas que é tentador comentar com amigos, parceiros ou familiares sobre a vida alheia — isso é. Gama foi investigar por que somos tão viciados em fofocar, se existe um limite e quais suas consequências.

Não dá para viver sem fofoca!

Que atire a primeira pedra quem nunca comentou sobre a vida de uma pessoa que não estava presente. Apesar da definição de fofoca, segundo o Houaiss, ser “comentário maldoso da vida alheia; mexerico”, há quem defenda que o termo significa falar de uma pessoa ausente, como atestam psicólogos e pesquisadores da Universidade da Califórnia. O tom do diálogo pode, inclusive, ser positivo, negativo ou mesmo neutro. Independentemente disso, a fofoca é uma necessidade. “Somos seres sociais, ou seja, fazemos negociações e colaborações com o outro, e não temos tempo suficiente para conhecer todas as pessoas”, explica a neurocientista e autora do livro “Eu Controlo Como Me Sinto” (Planeta, 2021) Claudia Feitosa-Santana. “Fofoca é uma necessidade, porque ela permite que você escolha melhor quem fica perto de você.”

Se existe uma fofoca do bem e extremamente relevante, é a que denuncia situações de violência. “Tive um professor que me deixava extremamente desconfortável, mas nunca tive coragem de comentar. Mas quando descobri, por meio de cochichos nos corredores da faculdade, que ele era assim com todas, fiquei mais aliviada, e me senti protegida”, relata Claudia. E o exemplo se estende: se uma pessoa está em dúvida sobre duas vagas de emprego e já sabe de antemão que o futuro chefe de uma dessas vagas é um assediador ou não é boa pessoa, vai tomar uma decisão muito mais saudável do que se não soubesse dessa informação (ou melhor, fofoca).

Fofoca é uma necessidade, porque ela permite que você escolha melhor quem fica perto de você. Não temos tempo para conhecer todas as pessoas

O que não pode faltar no fuxico, de acordo com o psicólogo e psicanalista Lucas Bulamah, é o fator do interesse. “Fofocar é manifestar para uma pessoa que a vida do outro é mais interessante, no sentido de que desperta interesse, e aí não cabe juízo de valor”, explica ele. “Quando vemos um filme bizarro, de terror, ou algo assim, fazemos careta e tapamos os olhos profundamente interessados. É a mesma coisa com fofoca.”

Por mais que haja um senso comum que ateste que não falar da vida dos outros é um princípio ético, o hábito faz parte da evolução humana. Um pesquisador da Universidade de St. Andrews, na Grã-Bretanha, teorizou que a fofoca surgiu porque nossos ancestrais precisaram se aliar para caçar, o que forjou um alto grau de trabalho em equipe e compartilhamento de informações pessoais. Hoje, fofocar é até considerada uma habilidade social. “Ajuizar sobre os outros, baseado em aparência, ditos, qualquer coisa que seja evidente, é um princípio fundamental do que é estar em sociedade”, conta Bulamah.

Ajuizar sobre os outros, baseado em aparência, ditos, qualquer coisa que seja evidente, é um princípio fundamental do que é estar em sociedade

Claro que os comentários sobre a vida alheia não podem gerar exclusão e preconceito. “Devemos sempre priorizar o princípio da boa convivência, não excluir o outro por questões e escolhas pessoais”, relembra o psicanalista. Segundo ele, precisamos incluir nos círculos sociais o maior número de pessoas, sem deixar a diversidade de lado. Ao mesmo tempo, não esconde que o ato de fofocar tem sua importância: “Não querendo ser hipócrita em sentido nenhum, vira e mexe nos pegamos fazendo comentários sobre as pessoas, e é quase um alívio quando você encontra um colega com quem pode comentar coisas que em público você nunca comentaria. E esse efeito catártico é positivo”. Fofocar é também admitir a imperfeição — afinal, como explica Lucas Bulamah, é falacioso afirmar que não temos nenhum lado ruim, invejoso, preconceituoso.

A fofoca une

E também pode acalmar. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade da Califórnia demonstrou que o ritmo cardíaco diminui quando as pessoas fofocam ativamente. Entre dois cônjuges, o fuxico tem um poder ainda maior: o de aproximar. A mesma pesquisa norte-americana apontou que esse tipo de diálogo afasta a solidão, e ainda sugere um aumento da intimidade entre os dois interlocutores, bem como o fato de ser uma espécie de entretenimento.

“Em formas mais maduras, a fofoca, diferentemente da maledicência, significa que um grupo, constituído enquanto grupo, vigia suas próprias fronteiras”, explica Lucas Bulamah. O fenômeno pode gerar efeitos negativos, como no exemplo da música célebre de Chico Buarque, em que uma figura estranha, a Gení, provoca uma união da sociedade em favor de seu linchamento. “É um fator de coesão de grupo, estabelece uma identidade. Claro que sempre vai haver, justamente porque é uma vigilância de fronteira, a produção do estrangeiro, o que por si só não é necessariamente ruim, mas conhecemos formas muito ruins como isso pode se dar.”

Dentro de uma relacionamento amoroso, como no caso dos artistas Tais Araújo e Lázaro Ramos, ou no caso de duas pessoas que convivem extremamente juntas, a neurocientista Claudia Feitosa-Santana explica como é custoso para o cérebro guardar uma fofoca. “Não é que o casal que não fofoca é neutro — não fofocar faz mal para a relação. Se vocês são cúmplices máximos, é óbvio que você pode ter seus segredos, mas é difícil tê-los. A mentira custa muito caro para o nosso cérebro.” De acordo com ela, contar uma confidência ao seu par estabelece uma relação de confiança e conexão.

Lucas Bulamah complementa: “A não ser que seja um comentário muito grave, é uma violação de intimidade você chegar com uma fofoca para um amigo, familiar ou cônjuge e ouvir uma militada como resposta”. Segundo ele, é o momento em que você exibe seu lado tosco, policialesco, invejoso para alguém de confiança, e se o outro se movimenta no sentido de corrigí-lo, é muito ruim.

Mas tudo tem limites… Até a fofoca

Por mais que colocar juízo na fofoca seja complexo, já que se trata de uma questão universal, é importante ressaltar que toda a potência do fuxico se perde quando a intenção de um comentário sobre alguém que não está presente é pejorativa. “É preciso pensar sobre a finalidade por trás de uma notícia ruim ou uma informação que não é legal sobre uma pessoa e que você compartilha. Compartilhar aquilo pode vir de um lugar de cuidado, por exemplo, ou de inveja. E se tem esse cunho maldoso, aí é destrutivo”, explica a psicóloga e professora da PUCRS Samantha Sá.

Ela cita um exemplo: se uma mãe, preocupada com o filho que tem passado por problemas na escola, comenta com uma amiga sobre a questão — a fala é negativa, ainda que construtiva, porque, ao contar sobre a situação do filho, que não está presente na conversa, a mãe está buscando auxílio. A psicóloga acredita que o termo fofoca é sempre algo destrutivo, com uma intenção ruim ou invejosa. “Se for chamado de fofoca, já carrega o cunho pejorativo, porque remete à falar mal de alguém.” Mas coloca o compartilhamento e a troca de informações entre um casal ou amigos como algo valioso para um relacionamento saudável.

Independentemente do termo usado para designar o comentário da vida alheia, é necessário cautela. “Você precisa ter noção de quem é o seu interlocutor. Muitas pessoas querem ser ‘diferentonas’ falando coisas politicamente incorretas, e aí vira uma socialização de gente ruim. Agora, quando você escolhe o público que vai ouvir sua fofoca, alguém de confiança e íntimo, que não vai te julgar, aí tudo bem”, diz Bulamah. O que permeia a possibilidade e o limite do fuxico é, no fim das contas, a noção.

Os benefícios da fofoca estão dados — pode unir um casal por 17 anos, gerar uma sensação de pertencimento, ou mesmo denunciar situações de violência. Por isso, está liberado, mas com moderação e, claro, boas intenções.