Branca Vianna: “Podcasts nos ajudam a fazer todas as coisas chatas da vida” — Gama Revista
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Branca Vianna: "Podcasts nos ajudam a fazer todas as coisas chatas da vida"

A idealizadora do podcast Praia dos Ossos e da produtora Rádio Novelo fala a Gama sobre virar podcaster aos 56 anos e como deixar sempre um podcast tocando pode tornar tudo mais interessante

Luara Calvi Anic 27 de Fevereiro de 2022

Branca Vianna: “Podcasts nos ajudam a fazer todas as coisas chatas da vida”

Luara Calvi Anic 27 de Fevereiro de 2022
Arquivo pessoal

A idealizadora do podcast Praia dos Ossos e da produtora Rádio Novelo fala a Gama sobre virar podcaster aos 56 anos e como deixar sempre um podcast tocando pode tornar tudo mais interessante

Quando Branca Vianna fala, a gente escuta. Desde a época em que a carioca atuava como intérprete simultânea, carreira que manteve por 25 anos, até agora como podcaster. Sua voz marcou o segundo semestre de 2020, como a narradora e idealizadora do Praia dos Ossos — que relembrou o assassinato da socialite Ângela Diniz, morta a tiros pelo então namorado Doca Street. Se você já ouviu o programa, certamente lembra de seu carioquês bem articulado. Se ainda não escutou, dê play o mais rápido possível. Até porque, logo mais sai outro: no início de abril, ela e sua equipe na produtora Rádio Novelo lançam um novo podcast que, como ela revela a Gama, traz novamente temas relacionados à justiça e crime.

Aos 60 anos, Branca diz que sempre gostou de podcast, mas foi em 2018 que se deu conta de que poderia trabalhar também com isso. Nessa época, estreou o Maria Vai com as Outras, programa da revista Piauí sobre mulheres e mercado de trabalho. Isso foi logo após decidir que iria parar de dar as aulas de interpretação simultânea que, por doze anos, ministrou na Puc-Rio. Ela então se juntou a jornalista Paula Scarpin e a tradutora e pesquisadora Flora Thomson-DeVeaux para lançar a Rádio Novelo.

“Começamos a ver que aquilo era possível, a gente podia ter uma relação com o podcast que não fosse só de ouvintes. Somos totalmente viciadas no formato”, diz. Hoje elas lançam podcasts que se destacam, entre outras coisas, pela pesquisa minuciosa. “Fomos aprendendo enquanto a gente fazia”, diz. “Eu não sou jornalista mas aprendi a apurar, com o Maria Vai com as Outras aprendi a entrevistar.”

Ela, claro, trouxe para essa nova fase da vida a expertise da carreira como intérprete. Não apenas a desenvolvura no microfone, mas a escuta atenta. “Uma coisa que o intérprete aprende é ouvir sem dar opinião. Quando estou entrevistando, reparo que naturalmente faço isso, me acostumei a ouvir as pessoas e ouvir mesmo, a escuta ativa. Ouvir, tentar absorver e não pensar no que eu acho daquilo.”

Nesta edição especial da Gama sobre o tema, ela fala do futuro e das particularidades do formato no Brasil e de como deixar um podcast tocando pode ser um jeito de fazer a vida mais interessante.

Me acostumei a ouvir as pessoas e ouvir mesmo, a escuta ativa. Ouvir, tentar absorver e não pensar no que eu acho daquilo

  • G |Quais as semelhanças e as diferenças no mundo do rádio e dos podcasts e quais os fatores que levam esse formato a fazer sucesso agora?

    Branca Vianna |

    O podcast tem muito a ver com o rádio, inclusive com o tipo de rádio que a gente tinha no Brasil antigamente, a radionovela. Ainda assim, novela é ficção, não é essa não-ficção narrativa [formato de muitos podcasts da Rádio Novelo]. Mas tem outras diferenças bastante importantes: uma, obviamente, é que o formato dos podcasts é on demand e o rádio depende da grade da estação. Outra é que a gente não tem no Brasil rádios públicas no estilo da BBC, na Inglaterra; ou da NPR, nos EUA, em que há a ausência do intervalo comercial. Pegando um podcast do tipo que fazemos na Novelo – Praia dos Ossos, A República das Milícias, O Sequestro da Amarelinha – eles contam uma história e prendem bastante o ouvinte, pelo menos essa é a nossa intenção. São episódios que duram às vezes pouco mais de uma hora, no mínimo 50 minutos. Eu consigo imaginar um podcast narrativo interrompido por intervalo comercial, mas isso tem que ser planejado em um roteiro, ter um ganchinho para que depois do intervalo a pessoa queira voltar, como se faz na novela. No rádio, você é obrigado a ouvir o intervalo e pode mudar de estação quando ficar de saco cheio…. Estava participando de um painel com o Thiago Barbosa [gerente de produtos digitais], da CBN, e perguntei se ele consegue imaginar no rádio comercial brasileiro um podcast narrativo do estilo que a Novelo faz, incluindo intervalos comerciais, e ele disse que sim, que é uma coisa que vai acontecer. Fiquei feliz.

  • G |Seria um jeito de alcançar o grande público. Você já disse que temos muito a alcançar com o podcast. Quem ainda não ouve podcast no Brasil?

    BN |

    É difícil dizer quem não ouve, posso dizer quem ouve. Mas essa é uma das dificuldades do podcast, saber quem ouve a gente. Algumas plataformas permitem que você acesse esses dados: no Spotify, por exemplo, os dados dos originais [aqueles que a plataforma detém os direitos] são todos deles, você não consegue acessar nem como ouvinte nem como produtor. Se for seu e está [hospedado] lá, assim como no Google, Deezer aí consegue acessar e eles mostram uma segmentação por faixa etária. O ouvinte de podcast, de modo geral, vai de 18 a 34 anos. Não é um hábito da geração mais velha. O pessoal da minha idade não ouve muito. Uma das coisas interessantes do Praia dos Ossos é que ele alcançou essas pessoas mais velhas por causa da história, já que todo mundo lembrava. Foi o primeiro podcast da vida delas. Acho até gozado que, às vezes, converso com pessoas da minha idade e elas dizem “como você ouve? Não consigo entender”, e eu digo “gente, é tão fácil de ouvir”. Muito antes de produzir podcast eu já ouvia, melhora tanto a tua vida. Podcasts nos ajudam a fazer todas as coisas chatas da vida. Eu fico lembrando quando meus filhos eram pequenininhos. Uma das coisas mais chatas é levar criança pequena na pracinha. Tem que ficar olhando para elas não caírem e baterem a cabeça, não pode pegar um livro e ler. Me lembro uma vez que estava lá sentada com aquela cara de tédio e tinha um homem do meu lado — o que não era uma coisa comum na época, hoje meus filhos têm mais de 30 anos — e esse cara falou “tem que ter muita vida interior, não é?”. O podcast faz isso, fico pensando quantas pracinhas e aulas de natação teriam sido mais fáceis.

  • G |Só escuta podcast em inglês ou outra língua quem tem um nível alto do idioma. Se discute algum tipo de tradução, dublagem ou legenda para internacionalizar os podcasts?

    BN |

    Não tem. Não que eu saiba. Postamos todos os podcasts no Youtube só com o áudio, mas não tem legenda porque é muito caro legendar qualquer coisa. Eu fui intérprete simultânea a vida inteira e, na verdade, o podcast é uma das melhores maneiras para aprender uma língua que você fala mal, ou praticar uma língua que você não tem muita oportunidade de praticar. Então eu usava muito com os meus alunos. Não só melhora a fala, já que quando você aprende a ouvir aprende a falar, mas também para aprender a ouvir. Ouvindo podcast você pega qualquer sotaque. O seu ouvido abre, é impressionante.

  • G |Quando ouvi o Praia dos Ossos eu pensei “será que os homens estão ouvindo?”. Vocês têm dados de audiência em relação a gênero?

    BN |

    Cerca de 70% dos ouvintes do Praia são mulheres, o que dá muito dó de saber. A gente adoraria que fossem mais homens porque uma coisa que sempre repito é que a violência contra a mulher não é assunto de mulher, é assunto de homem, e eles têm que resolver isso entre eles e com eles, já que são eles que estão fazendo, não a gente. Ninguém tem que mudar seus hábitos, sua roupa, a hora que sai de casa, a maneira como anda na rua por causa disso. Quem tem que fazer isso são eles, parar de bater e matar a gente. Eu adoraria que tivessem mais homens, é superimportante incluir homens em discussões de violência contra a mulher. E qualquer pessoa pode gostar porque a história da vida da Angela é uma loucura.

  • G |A equipe da Rádio Novelo parece ser heterogênia nas formações de seus profissionais. O que você considera uma boa formação para um podcaster?

    BN |

    A gente tem muito jornalista. Eu e a Flora [Thomson-DeVeaux, pesquisadora e tradutora] somos as poucas não-jornalistas. Tem o pessoal da técnica, editores e mixadores, e mesmo eles são muitas vezes jornalistas que vieram da área de rádio. Mais de uma pessoa veio da CBN, de outras rádios. Mas temos também, que é uma coisa muito interessante e nova, roteiristas que trabalham em projetos específicos da Novelo. Todos os projetos grandes que fizemos, que são narrativos e não de notícia, têm roteiristas de TV, gente com experiência em fazer série mais do que gente que tenha experiência em fazer documentário, é outra cabeça. Se você quer fazer uma coisa episódica, mesmo que seja não-ficção, mesmo que seja só áudio, funciona melhor trabalhar com pessoas assim. É interessante porque eles pensam diferente e sabem fazer coisas que a gente não sabe fazer. Eu não sou jornalista mas aprendi a apurar, com o Maria Vai com as Outras aprendi a entrevistar. Mas não sei escrever um roteiro que prenda, não sei pegar uma pessoa que entrevistei e transformar em um personagem, os roteiristas sabem. Tem gente dentro da Novelo que é jornalista mas que fez curso de roteiro, que tem experiência nas duas áreas, isso ajuda pra caramba.

  • G |Há no Brasil muitos podcasts de mesa redonda. O Foro de Teresina, produzido pela Rádio Novelo, é um deles, mas tem lá suas particularidades, seus personagens. Poderia falar sobre esse formato?

    BN |

    O mesacast é o podcast mais fácil de fazer porque são as mesmas pessoas regularmente, seus amigos, colegas de trabalho, que vão estar lá toda semana. Tecnicamente não é uma coisa complicada, você pode jogar [na plataforma] sem editar se quiser. É o que normalmente se faz. São às vezes duas, três horas de podcast, ouve quem quer, não sei se ouvem até o fim… O Foro é um podcast diferente disso, tem muita preparação de pauta por cada um deles para cobrir aquele tema definido. É dividido em blocos, então tem um formato bastante rígido, que é o mesmo formato desde sempre, com três pessoas. Tem uma edição fortíssima, aquilo que você ouve não é o que eles gravaram. As editoras da Novelo acompanham a gravação e editam depois. Vão tomando nota, montando um roteiro do que vão tirar ou botar, o que vai puxar de lá e botar para cá. Ao longo do tempo, foi criando esses personagens, o que é comum de mesacast. Os apresentadores em geral têm uma personalidade pública que leva traços pessoais que eles se sentem à vontade para expor. O [Pedro] Bial que vemos na televisão não deve ser o Bial pessoa de verdade — não o conheço e não sei dizer, mas imagino que não seja. O podcast tem essa coisa de você achar que é amigo dos apresentadores, eu acho que eu sou super BFF de todos os apresentadores dos meus podcasts favoritos, gente que ouço toda semana e com quem falo usando o primeiro nome. Dá essa sensação mesmo, parece espontâneo mas não é, e esse é o truque. Um aprendizado para quem vai apresentar podcast é demonstrar uma intimidade como se estivesse falando com um ouvinte específico. Uma coisa boa ao fazer podcast é tentar lembrar que está falando com uma pessoa, e não como se fosse para o Maracanã cheio, é uma conversa de uma pessoa com outra. Dar esse ar íntimo, de publicidade, eu acho muito legal como ouvinte e como produtora.

  • G |Cada vez mais as marcas querem produzir conteúdo, ter uma voz própria. As marcas também querem entrar nessa onda dos podcasts?

    BN |

    Já aconteceu tanto fora do Brasil quanto aqui das marcas quererem ter um podcast. E você nunca ouviu falar porque ninguém quer ouvir… É complicado ter uma fábrica de algo e querer ter um podcast. Pode ter se você tem 40 mil funcionários e quer passar informação para eles, então faz um podcast sobre isso. Mas se a General Motors quer fazer, tem que ser sobre outra coisa. Pode ser sobre carro, mas não institucional. As pessoas não vão assinar um feed pra ouvir um podcast de uma fábrica de móveis ou um banco. Já existe, grandes produtoras americanas fazem muito branded content. A Gimlet Media, uma das produtoras americanas vendidas para o Spotify, faz podcasts da Goldman Sachs. Aí é uma questão de posicionamento da marca. Se quiser fazer um podcast sobre o seu produto, acho muito mais difícil alcançar público. Mas se for para se reposicionar no mercado, faz um mostrando que a Goldman tem interesse em financiar projetos de habitação popular por exemplo. Então conta as histórias das pessoas que estão naqueles lugares, como elas foram ajudadas, e vira um podcast narrativo que no fundo é uma propaganda da Goldman Sachs e como eles são pessoas fofas que querem o bem da população. Reposicionamento de marca funciona muito bem, tanto no impresso quanto no podcast ou qualquer tipo de mídia. O que acho que não funciona é a marca ter um podcast. A marca chega para você e o jeito que eles propõem não funciona, mas por isso nos procuram. São pessoas que fabricam carros, do setor financeiro, não entendem de comunicação com o público. Daí você fala que a proposta que eles levaram não funciona, mas tem essa outra, e essa outra você consegue atingir um público que vai se interessar pelo assunto.

  • G |Em uma das reportagens da Gama a gente investiga se dá para viver de podcast nestes tempos em que muita gente ainda não quer pagar por informação, por assinaturas. Eu repasso para você: acredita que seja possível viver de podcast no Brasil?

    BN |

    Essa pergunta é difícil de responder, é a mesma coisa de perguntar se dá para viver de escrever livro. Tem gente que sim, tem gente que não. A Novelo é uma empresa com fins lucrativos, não é uma ONG, uma fundação. A gente vive de podcast. E tem outras: a Trovão Mídia, o pessoal da Rádio Guarda-Chuva, o Rodrigo Alves do Vida de Jornalista, que saiu do emprego na Globo e foi viver de podcast. O pessoal do Flow vive muito bem, mas você vê, tem várias maneiras de fazer isso. Quanto a assinatura, como as pessoas não querem pagar por nada e tem aquela história do início da internet, “information wants to be free” [informação quer ser livre], que eu acho uma proposta bastante complicada, quem quer produzir seu próprio podcast encontra maneiras de financiar isso. Uma delas é ter anunciantes. O Foro por exemplo tem vários anunciantes. E tem várias plataformas de áudio que querem ter assinantes, como o Spotify, o Deezer, o Amazon Music, o Audible, a Apple e tal, e uma forma de ter assinantes é ter podcasts exclusivos que as pessoas gostam. Essa é outra forma de financiar seu podcast: vendê-lo para uma plataforma. Essas são as principais maneiras, e aí obviamente um podcast mais independente, que não é de uma produtora ou uma plataforma, pode recorrer ao crowdfunding. Participo de vários e muita gente também. As pessoas criam podcasts que têm valor ao seu ouvinte e conseguem arrecadar fundos. Ninguém consegue dizer se dá para viver ou não mas é difícil, a maioria das pessoas faz outra coisa além do podcast.