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ReportagemAos vegetais, seu protagonismo
Muito além da tríade milho, feijão e abóbora, a presença dos vegetais mostra a importância desses elementos na culinária caipira, da roça ao restaurante
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Aos vegetais, seu protagonismo
Muito além da tríade milho, feijão e abóbora, a presença dos vegetais mostra a importância desses elementos na culinária caipira, da roça ao restaurante
Lobozó (virado) de vegetais, vinagrete de abóbora, pastel de angu com umbigo (flor) de bananeira. Ainda que estejam ganhando destaque recente – ou ao menos um novo olhar – nas cozinhas de chefs e restaurantes, os vegetais têm importância histórica quando o assunto é a formação da culinária caipira.
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“O milho, as abóboras variadas, a araruta, a mandioca, o inhame, a batata ariá e o amendoim já estavam domesticados no continente sul-americano entre os 10 mil e 7 mil anos A.P. [antes do presente]”, diz um trecho do livro “A Culinária Caipira da Paulistânia” (Fósforo, 2021), do sociólogo Carlos Alberto Dória e do chef Marcelo Corrêa Bastos.
Quando os portugueses chegaram na chamada Paulistânia – região que compreende partes de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e dos estados do Centro-Oeste –, encontraram esses elementos tão importantes quanto a carne de caça para a alimentação guarani.
Junto com o porco e a galinha, hoje também emblemáticos dessa cozinha, os colonizadores trouxeram verduras amargas, como couve e almeirão, igualmente indispensáveis no receituário caipira.
“Eu não acho que os vegetais venham sendo mais valorizados, porque eles já eram muito apreciados na cozinha caipira”, fala Dória, focando na tríade milho, abóbora e feijão, essencial desde a roça dos guaranis e, posteriormente, dos bandeirantes.
“Os bandeirantes tinham como obrigação, em suas entradas pelo sertão, cultivar esses alimentos, o que aprenderam com os indígenas da região. Havia uma espécie de rotação de culturas”, lembra o historiador João Luiz Maximo, reforçado pelo relato de um colega do século 18, Pedro Taques, mencionado na obra citada: “para poder fazer plantas e deixá-las plantadas”. Surgiam, ali, os primeiros sítios.
É possível fazer uma cozinha vegetal caipira, com comidas incríveis, pensando no meio ambiente e na conscientização
“Os sítios foram importantes, nesse sentido, produzindo uma variedade de alimentos vegetais. A carne sempre foi relevante, mas como um complemento dessa dieta”, confirma Maximo.
Se hoje preparações como Verduras na Brasa com Molho de Paçoca, Lobozó de Vegetais e Pastel de Angu dão destaque para o reino vegetal no restaurante que Dória e Bastos mantêm com o chef Gustavo Rodrigues, na capital paulista, o Lobozó, elas também se apresentam como possibilidades para o crescente público vegetariano. “Elas foram pensadas dentro de um enquadramento cultural que é a cozinha caipira, que não hierarquiza a carne e o vegetal de modo antagônico, de maneira alguma”, comenta o sociólogo.
“As carnes seriam um luxo, mais comuns nas celebrações, reuniões, festas”, lembra Bastos. “No dia a dia, a subsistência era predominantemente vegetal, com destaque para o milho e os seus derivados”. Paranaense, de raízes rurais, o chef se recorda dos pratos que não faltavam nas panelas da mãe, durante sua infância: abóbora ou abobrinha refogada, virado de legumes, farofa com vegetais e verduras amargas refogadas.
Algum vegetal refogado e úmido, acrescido de farinha de milho, dava o tom desses mexidos caipiras. De estado para estado, de casa para casa, a receita ia se adaptando.
Cozinha vegetal caipira
“Do mexido da minha casa, substituí a carne por outros ingredientes e ela continua ali. Eu sinto a minha mãe naquele prato.” Inspirada na família e em suas heranças mineiras é que a cozinheira e escritora Carolina Dini (Cebola na Manteiga) dá prosseguimento ao trabalho como pesquisadora de agroecologia, fermentação e vegetais.
A dificuldade de encontrar lugares com opções vegetarianas na capital mineira também moveu os caminhos que sua cozinha tomou: o de chamar a atenção para a história de Minas Gerais, pelo viés dos vegetais. O pinga e frita – técnica de ir acrescentando água ou cachaça na panela, para um cozimento lento – com abóbora, o milho, a mandioca, as conservas, os guisados. E, claro, os fermentados, que vão muito além do café, do queijo e das farinhas.
“É uma questão de politização, de resgatar as memórias e de trazê-las para o centro da mesa, sem deixar de considerar o materialismo histórico. Isso já estava ali, nas cozinhas do dia a dia. Só estou levando para o meu público”, conta a cozinheira, que ministra oficinas e dá cursos de fermentação de vegetais por todo o país.
Eu não acho que os vegetais venham sendo mais valorizados, porque eles já eram muito apreciados na cozinha caipira
“Antes de estudar técnicas culinárias, eu não entendia o que levava uma bactéria a conservar o alimento”, ela fala sobre a prática que já era utilizada pelos povos originários da Paulistânia: “os índigenas tinham conhecimento empírico de que a fermentação é, também ela, uma forma de cocção“, relata outro trecho de “A Culinária Caipira da Paulistânia”.
Essa habilidade se perpetuou tanto no Brasil caipira que ela se recorda que, durante uma imersão na área rural de seu estado, a fermentação que executou do limão-capeta (cravo ou rosa) serviu para sensibilizar profundamente as pessoas que ali viviam.
“Não é só uma necessidade. A fermentação está na humanidade, no DNA de todos os povos”, conta sobre a técnica que remonta ao ano 6.000 a.C.: “É um recorte do tempo, uma maneira de adorar minha cozinha e obter outros sabores. Vai muito além da conservação”.
Natural do Espírito Santo, foi no estado vizinho, Minas, que a chef Angelita Gonzaga, do Espaço Arimbá, aprendeu seus famosos pastéis de angu. À base de milho, sem proteína animal, os mais diversos recheios preenchem essa mistura delicada, como umbigo de bananeira e moqueca de palmito – o último ainda leva couve na composição da massa.
Para ela, trabalhar com vegetais na culinária caipira – ou de roça, como gosta de chamar – é crucial e remete às lembranças de infância, quando chegavam as verduras chegava, frescas na cozinha de casa, e ela já ajudava a limpar e a preparar. “Se minha mãe fazia uma carne, tinha muita verdura junto. Comíamos chuchu cozido na água com sal para ver televisão, como petisco”, ela rememora.
Gonzaga assiste com bons olhos o uso dos vegetais na cozinha caipira e acredita que o caminho, no momento, também passe pela escolha dos ingredientes: “Está havendo uma revolução dos chefs, uma corrente para ter mais produtos vegetais de pequenos produtores”. A própria chef privilegia o uso do fubá agroecológico e tem focado nas experiências com o milho crioulo – aquele que não foi apropriado pela indústria.
“É possível fazer uma cozinha vegetal caipira, com comidas incríveis, pensando no meio ambiente e na conscientização”, complementa Dini, que ressalta a urgência de rever o sistema agroalimentar vigente, entre outras mudanças fundamentais: “A gente também depende de investimento na educação, o que não é só tirar derivados da carne do prato. Para poder ser realmente gostoso, tem um baita caminho para trilhar”.
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