Professores e tecnologia em sala de aula — Gama Revista
O que motiva os professores?
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Isabela Durão

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Reportagem

Professores e tecnologia em sala de aula

Como docentes, coordenadores pedagógicos e gestores lidam com as inovações tecnológicas, que já chegaram às escolas e, diariamente, transformam a educação

Ana Elisa Faria 15 de Outubro de 2023

Professores e tecnologia em sala de aula

Ana Elisa Faria 15 de Outubro de 2023
Isabela Durão

Como docentes, coordenadores pedagógicos e gestores lidam com as inovações tecnológicas, que já chegaram às escolas e, diariamente, transformam a educação

O cenário educacional no Brasil passou por transformações significativas nos últimos anos, impulsionadas, sobretudo, pela pandemia de Covid-19, que levou ao fechamento das escolas por um período e transferiu o ambiente da sala de aula para o monitor do computador e, muitas vezes, para a telinha de um celular.

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Com o ensino remoto e, mais tarde, o híbrido, os professores foram desafiados a se adaptar rapidamente às novas tecnologias e às ferramentas disponíveis — usadas durante os tempos pandêmicos, mas que chegaram para ficar e se atualizam dia a dia.

Agora, neste momento de pós-pandemia, o que se discute é como os docentes estão lidando com essas inovações que saíram das telas e chegaram ao cotidiano das instituições de ensino, como o ChatGPT, que usa inteligência artificial para responder perguntas e elaborar textos das mais variadas formas.

E mais: o professor precisa realmente conhecer e saber utilizar aplicativos e gadgets de toda a sorte? Hoje, o profissional da educação só é considerado bom se estiver a par das novidades tecnológicas? A atualização nessa seara é responsabilidade do educador ou da coordenação pedagógica? As tradições de ensino serão substituídas por educadores-máquinas?

Para responder essas questões e debater sobre o assunto, Gama conversou com especialistas da área.

Alinhamento, informação e capacitação

É inexorável: a tecnologia está aí, dada, avançando em todos os setores cotidianamente. Com a educação, portanto, não seria diferente. Mas a implementação de um instrumento novo às aulas ou à rotina escolar não pode ser feita de supetão nem individualmente por um educador.

O corpo docente colabora com ideias e insights, mas a responsabilidade pelo processo — além da formação e da atualização — fica a cargo de gestores e coordenadores, conforme explica Tathyana Gouvêa, professora, doutora em inovação educacional pela USP e coordenadora do laboratório de inovação pedagógica do Instituto Singularidades, o LABSing.

“Essas duas figuras têm um papel fundamental, que é o de entender quais tecnologias a escola vai adotar e, principalmente, como a tecnologia se insere no projeto pedagógico daquela escola, respeitando, por exemplo, a faixa etária de cada estudante e o que é próprio ou não para determinado momento do desenvolvimento intelectual”, diz.

Depois desse alinhamento, o professor entra mais em cena, estudando e se familiarizando com as ferramentas. Tathyana reconhece que alguns profissionais não são tão ligados à tecnologia, mas ela frisa que é importante estar de cabeça aberta para entendê-la, testá-la e, no mínimo, conhecê-la. Isso porque os estudantes, em casa, já utilizam apps ou navegam em sites para estudar.

É um comportamento geracional: sai a Barsa, entram as enciclopédias on-line. Assim, é interessante que o professor tenha ao menos ideia do que os alunos andam vendo e usando para se informar, pesquisar.

Segundo a especialista, “o corpo docente é bastante heterogêneo”, o que facilita em uma troca de figurinhas sobre o tema. “Tem professores que usam tecnologia, gostam de tecnologia, são os mais informados da escola, sabem das últimas tendências, mesmo antes dos próprios coordenadores. Esses profissionais podem ajudar a disseminar informações dentro do grupo, colaborar com a formação entre pares e tirar dúvidas técnicas. Mas, para isso, é preciso que todos estejam abertos para aprender sobre tecnologia e se integrar com o que está acontecendo de novo.”

Inteligências artificiais

Uma das tecnologias do momento é o ChatGPT, que ganhou usuários no mundo todo, entre adultos, para fins profissionais, facilitando processos rotineiros, e jovens, com objetivos estudantis. Por isso, alguns locais, para evitar possíveis “colas”, como Nova York, chegaram a banir o uso do robô, capaz de escrever textos e resolver problemas matemáticos num “enter” de mágica.

Alguns vão olhar para o ChatGPT e pensar que, nele, existe uma oportunidade de dar autonomia ao aluno no processo de estudo. Outros vão achar que o ChatGPT atrapalha o fluxo didático por trazer respostas prontas e a lição de casa feita

Assustador à primeira vista para uns, o app tem o seu valor e pode ajudar docentes e discentes. Mais uma vez, vai depender da linha pedagógica de cada escola. De qualquer forma, Tathyana é a favor de fazer testes porque o ChatGPT está sendo utilizado, e o professor só vai saber que, de repente, uma tarefa entregue passou por ali, conhecendo o recurso. A dica dela, então, é se inscrever na plataforma, dialogar com o bot e criar uma visão particular da ferramenta.

“Alguns vão olhar para o ChatGPT e pensar que, nele, existe uma oportunidade de dar mais autonomia ao aluno no processo de estudo, e que o aplicativo dialoga perfeitamente com o projeto pedagógico. Já outros, professores que lecionam em escolas baseadas em aulas mais expositivas, vão achar que o ChatGPT, ou qualquer inteligência artificial do tipo, só atrapalha o fluxo didático por trazer respostas prontas e a lição de casa feita”, desenvolve.

Além disso, salienta a professora, dependendo do ano da turma, o docente pode propor um bate-papo para compreender quais usos os estudantes fazem das inteligências artificiais — ou de qualquer tecnologia —, se sabem o que é uma IA, além de apresentar prós e contras desses programas. Tathyana conta a experiência que teve em sala.

“Fiz isso com as minhas alunas da graduação e foi interessante porque algumas nunca tinham ouvido falar e outras estavam usando constantemente. Não era o objetivo da disciplina, mas fiz uma breve explicação e iniciamos um debate, que chegou ao tema das alucinações dos chats [como essas IAs funcionam à base de combinações probabilísticas, muitas vezes elas criam respostas “verdadeiras” que só parecem verdade, mas, na realidade, nunca aconteceram]”, relembra.

A experiência prévia de Tathyana com o chat ajudou a mostrar à turma que a ferramenta não é tão recomendada para resultados finais, que podem chegar com erros. No entanto, ela mesma exemplifica uma boa forma de uso.

“Vamos supor que a ideia é aprender sobre a história do Brasil. A pesquisa, talvez, traga informações equivocadas. Mas se, por exemplo, estou numa aula de Língua Portuguesa ensinando sobre discursos diretos e indiretos e peço para o chat fazer combinações para apresentar. Esse é um uso que auxilia, de análises, não de respostas.”

No Centro Educacional Pioneiro, em São Paulo, a IA é inserida de variadas formas na rotina estudantil, como no Scratch Day, em que os jovens têm a oportunidade de utilizar jogos e objetos 3D controlados por inteligência artificial. Outra iniciativa é a do coletivo Mecha-se, que inicia garotas no universo tecnológico por meio de oficinas e eventos, como aconteceu durante a semana da cidadania digital, que promoveu uma intervenção com o ChatGPT para explorar a plataforma, gerando reflexões sobre como utilizá-la de maneira pedagógica.

Na Carandá Educação, também uma escola paulistana, o professor de Artes, Carlos Serejo, fez experimentos usando a inteligência artificial do Bing Creator, da Microsoft, que cria imagens. Em um projeto com a turma do 6º ano do ensino fundamental, Serejo comparou os personagens populares descritos em contos pelos estudantes nas aulas de Língua Portuguesa após uma visita a São Luiz do Paraitinga e, posteriormente, desenhados pelas crianças, com a imagem que a IA criou a partir dessa descrição. Segundo ele, ambas ficaram parecidas criativamente.

A tecnologia e a BNCC

Débora Garofalo, professora de tecnologia e robótica da rede pública de São Paulo e diretora de inovação da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, fala que a tecnologia é vista, por muitos, apenas como uma ferramenta de ensino, porém, não deveria, visto que ela faz parte dos chamados objetos de conhecimento — o que antes chamávamos de conteúdo. Ou seja, a tecnologia é uma das dez competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela integra a competência 5, de cultura digital.

“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Essa competência reconhece o papel fundamental da tecnologia e estabelece que o estudante deve dominar o universo digital, sendo capaz, portanto, de fazer um uso qualificado e ético das diversas ferramentas existentes e de compreender o pensamento computacional e os impactos da tecnologia na vida das pessoas e da sociedade”, descreve o documento.

No entanto, o que é previsto, descrito e obrigatório, a partir da efetivação da BNCC, não é implementado igualmente como deveria, em toda a rede, porque o Brasil, país de dimensões continentais, é extremamente desigual.

As escolas, mesmo as municipais e as estaduais, até têm a conectividade, mas ela não chega à residência dos alunos. Tanto que, para aplacar o problema, algumas soluções vêm sendo criadas, como a Política Nacional de Educação Digital (PNED), que visa “potencializar os padrões e incrementar os resultados das políticas públicas relacionadas ao acesso da população brasileira a recursos, ferramentas e práticas digitais, com prioridade para as populações mais vulneráveis”.

“Há tempos, a gente vinha discutindo formas de inserir a tecnologia na sala de aula, principalmente quando olhamos para o contexto da educação pública, que abriga 82,9% dos nossos estudantes O que acelerou o processo foi a pandemia. Nenhum professor imaginava que passaríamos por tudo o que passamos, mas, mais do que isso, ninguém pensava que a única forma de lidar com aquela fase seria por meio de uma mediação do uso da tecnologia. Muito do que foi feito naquele período usou a tecnologia como ferramenta de ensino, não como fim, mas como uma propulsora para poder alavancar a educação”, comenta.

Muitos professores não receberam formação adequada para lidar com tecnologia e inovação. Eles estão aprendendo ali, no dia a dia

Formação inicial e continuada

Outra camada do problema, além da falta de conexão estudantil, é a formação docente. “Muitos professores não receberam formação adequada para lidar com tecnologia e inovação. Eles estão aprendendo ali, no dia a dia. Então, há defasagem na formação continuada. A gente precisa ter um programa mais robusto, que garanta a esse professor vivências com o uso da tecnologia e da inovação para ele saber como utilizar melhor, em sala, a conectividade, as ferramentas e os recursos digitais, trazendo intencionalidade pedagógica para o processo de ensino e aprendizagem”, diz Débora.

Ela complementa abordando ainda a formação inicial, “que está aquém do que deveria”. Débora destaca que o professor se forma sem saber lidar com os problemas que vai enfrentar, cumprindo um programa de estágio mínimo. “E isso ainda se agrava quando falamos de introduzir novas metodologias de ensino. Porque quando falamos de tecnologia e inovação, é super importante também ter esse olhar, que não é só o de introduzir uma tecnologia junto com a metodologia, é preciso ter uma abordagem de ensino diferenciada.”