Filhos e internet: como lidar? — Gama Revista
Qual o futuro das redes?
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Filhos e internet: como lidar com desafios que ainda vão surgir

Como pais e cuidadores podem estar atentos à maneira como os mais jovens usam a internet e às constantes transformações das redes

Manuela Stelzer 04 de Dezembro de 2022

Filhos e internet: como lidar com desafios que ainda vão surgir

Manuela Stelzer 04 de Dezembro de 2022
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Como pais e cuidadores podem estar atentos à maneira como os mais jovens usam a internet e às constantes transformações das redes

Uma mãe decide apagar o perfil da filha de 14 anos das redes sociais e causa o furor de seus 2 milhões de seguidores, um cientista político escreve um artigo em que afirma que crianças devem ficar longe da internet. O mundo online não é bolinho e há diversos perigos para os filhos que se aventuram ali. Mesmo assim, a geração mais jovem nunca esteve tão conectada. E a verdade é que não gostariam de estar em outro lugar. Recentemente, uma adolescente de 16 anos respondeu a um cientista político que defende que internet e jovens não devem andar juntos: “Acho que o Sr. Levin e o resto dos adultos deveriam sair de seus telefones e tablets e voltar ao trabalho”.

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Ainda que reclamem, jovens terão de lidar com a vigilância dos pais quanto ao uso das redes. A jornalista Melissa Gass, 44, tem uma filha de 12 anos e diz se preocupar com seu comportamento na web – mas vive o dilema de não querer invadir sua privacidade, como conta a Gama. “Converso muito com ela e tento trabalhar a confiança. Claro que faço os alertas de mãe terrorista, mas aposto nesse equilíbrio.” A pré-adolescente, que tem um perfil no Instagram, um no Tik Tok e agora acaba de entrar para o Be Real (uma nova rede social francesa), tem alguns de seus passos monitorados pelos pais e limite de tempo nas telas. “Mas ela topa passeios fora de casa, valoriza as relações, curte o ao vivo, e nunca trocou nada disso pra ficar no celular.”

O moderado alívio desta mãe, que vez ou outra se questiona se deveria se preocupar mais, não é a realidade de todas. A ocorrência de episódios traumáticos (e virtuais) como um estupro no metaverso ou a aparição de bonecos de terror em vídeos do Youtube Kids assombram pais e cuidadores.

E os perigos da internet vão além, com consequências que ultrapassam o limite entre online e offline, a exemplo do Baleia Azul. O jogo surgiu em 2015 na Rússia e se espalhou pela Europa nos anos seguintes. O objetivo era completar uma série de desafios, que iam de demandas simples como assistir um filme de terror até a etapa final sinistra, que incluía automutilação e suicídio. No Brasil, algumas prefeituras, como as de Curitiba, Goiânia e Belo Horizonte emitiram alertas sobre a possível relação entre o jogo e algumas mortes de adolescentes. Por mais que não haja comprovação, os desafios do Baleia Azul estão entre os motivos de angústia dos pais.

Com um gap geracional e tecnológico, fica difícil para os mais velhos acompanharem as transformações de um universo em constante mudança e evolução. Os mais jovens tiram de letra, e é aí que mora o perigo. Gama conversou com especialistas em tecnologia e comportamento para mapear quais desafios esses pais terão que enfrentar no futuro, e como abordar o tema com os filhos.

Ferramenta e não brinquedo

Banir as redes ou evitar que crianças e adolescentes estejam conectados são quase incoerências destes tempos em que até a escola pode ser um espaço virtual. Mas, para a pesquisadora e professora da Universidade de Montreal, Linda Pagani, há um equívoco por parte dos internautas, tanto mais jovens quanto mais velhos, que consideram a internet um mero brinquedo – quando, na verdade, é um assunto sério. “Estamos tão envolvidos nas redes sociais que acabamos confundindo sua real função. São uma ferramenta, e não um brinquedo”, afirma a professora a Gama.

Um dos focos de sua pesquisa é examinar fatores presentes no início da infância que podem afetar o desenvolvimento humano no futuro. Pagani explica que, na adolescência, é normal que os jovens busquem aprovação, mas que nas redes sociais o efeito se intensifica: “É uma ferramenta desenhada como brinquedo. Então, quando o adolescente posta alguma coisa e ganha curtidas, comentários, recebe uma descarga de dopamina. E se não ganha, se sente rejeitado”.

Estamos tão envolvidos nas redes sociais que acabamos confundindo sua real função. São uma ferramenta, e não um brinquedo

Se as redes são uma ferramenta séria, devem ser tratadas como tal. A professora explica que, em muitos de seus trabalhos em pesquisa, concluiu que nenhum benefício pode surgir do uso da tecnologia em espaços privados. Por isso, sugere as orientações que deu aos filhos: sem telas no quarto para evitar privações de sono, e as refeições em família são sagradas – nenhuma notificação deve atrapalhar o momento. “Se os pais tiverem essas atitudes desde cedo, as crianças irão entender essa diferença, da função real da internet, desde pequenas também.”

Ao limitar voluntariamente o uso das telas, a especialista diz que, como consequência, “os jovens aumentam seu tempo de exposição às relações sociais ao vivo”.

Controlar ou não, eis a questão

A resposta não é tão simples: “A internet funciona de um jeito binário, e nós, responsáveis, pais e cuidadores, precisamos tomar cuidado para não funcionarmos da mesma forma”, pondera a psicóloga clínica Bettina Schaefer. Seguir cegamente um dos caminhos — se faz mal, banimos; se traz benefícios, liberamos — não é a melhor maneira de lidar com as redes. “Nosso funcionamento mental é mais complexo, e precisamos avaliar as situações sem ser apenas no ‘sim’ ou ‘não’. Quem faz isso são as máquinas.”

A busca pelo controle evidencia, na verdade, uma questão anterior: “É mais sobre o tipo de educação que os pais ou cuidadores vão dar. Aí entra ensinar sobre limite, a perceber certos perigos”, afirma Schaefer. Segundo ela, a orientação sobre o uso seguro das redes deve seguir a mesma direção do papo sobre consentimento e sexualidade para crianças, quando explicamos “onde pode ser tocado, onde não pode, a sensação estranha que aparece, que deve sim contar para os pais e que não é algo para se esconder”.

Para ela, é ingênuo acreditar em uma exclusão completa das redes – “se não fossem elas, a pandemia teria feito um estrago muito maior, por exemplo” –, mas ainda é necessário certo repertório legal para administrarmos melhor e de maneira mais saudável a internet. “Os pais não devem estar sozinhos nisso, precisamos desse respaldo para termos algum controle”, diz Schaefer. No Reino Unido, foi proposta uma nova legislação, das mais duras do mundo, para regular a internet. Entre os direcionamentos, estão a abolição de conteúdos considerados nocivos para crianças como bullying e pornografia. O Brasil, por outro lado, está entre os países que menos oferecem segurança aos jovens na web.

Precisamos estar atentos aos sintomas. Uma criança que do nada desenvolve uma fobia, um medo, se isola – tem algo aí

“Precisamos estar mais atentos aos sintomas que aparecem. Uma criança que do nada desenvolve uma fobia, um medo, se isola – tem algo aí, não necessariamente relacionado a internet, mas que pode ter uma conexão.” O controle absoluto, entretanto, é polêmico. Observar cada passo que o filho dá na internet é impossível, e nem tão recomendado. O desafio aqui é conseguir respeitar a individualidade do filho, e ao mesmo tempo protegê-lo. “Checar tudo que a criança faz, esse controle parental, só gera o ‘contracontrole’. O jovem sempre dá um jeito de fazer o que quer, online e offline também.”

Como o adolescente sempre flerta com o proibido, a supervisão, no caso dos pequenos, é importante, mas o controle deve ser revisto, na opinião da psicóloga. “A questão é anterior a isso. É muito mais o tipo de conversa que você vai ter com seus filhos, a confiança naquilo que você ofereceu como educação, como valor, e do que é importante. Ou entramos numa lógica policialesca sem fim.”

Um senso de realidade

Saber perder e se frustrar são dois aprendizados valiosos para uma criança em desenvolvimento. São essas lições que vão ensiná-la que, na vida real, as coisas levam tempo, demandam paciência, tempo, dedicação e que nem sempre conseguimos o que queremos – mesmo que queiramos e tentemos muito. “Isso é o que vai trazer um princípio de realidade para o pequeno”, afirma Bettina Schaefer. “O que é muito prejudicial na internet é que ela funciona no prazer instantâneo, e não traz um dado de realidade, onde você precisa de um processo para construir o que quer.”

A internet não traz um dado de realidade, onde você precisa de um processo para construir o que quer

Não é um problema que as redes tenham uma noção de tempo alternativa, em que as fases de um jogo não tem a mesma duração que as diferentes etapas da vida. Mas é preciso exercitar essa diferença, ou teremos jovens bastante impacientes e ansiosos com a espera de, por exemplo, cinco anos de um curso de faculdade para a conquista do diploma. Ou também indignados de perderem uma batalha na vida e não terem a possibilidade de simplesmente dar um restart.

Linda Pagani, da Universidade de Montreal, demonstra como essa velocidade das redes afeta também a escola: “Muitos pais e cuidadores só dão aos filhos o controle remoto, e as crianças assistem os desenhos mais divertidos, animados e velozes. Ao chegarem na escola, a professora e a aula ficam completamente chatas”.

Tempo de qualidade e aproximação

“Não dá pra cortar a internet e não colocar nada no lugar, um curso, uma atividade física, um momento pai e filho. Porque o videogame e as redes entraram num lugar vazio”, afirma a psicóloga Luciana Bezerra, que é colaboradora no Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), do Hospital das Clínicas, no Núcleo de Dependência Tecnológica. De acordo com ela, o diálogo entre as duas gerações pode ser complexo no início. De um lado, imigrantes digitais, que não cresceram no universo online, e do outro, nativos, que desde bebês têm um telefone em mãos. “Cada um precisa ceder um pouco para que a conversa seja possível.”

Tem que querer entender como funciona o jogo, quem são os amigos, qual é a dinâmica e o objetivo

Assim como as outras especialistas, entende o papel essencial da internet, mas pondera: “Precisa saber o que e qual uso vamos incentivar, e onde a criança está se metendo”. Por mais que haja o gap tecnológico e que os pais e cuidadores nem sempre entendam o funcionamento das redes, devem mostrar interesse e tentarem se aproximar daquela realidade. “Tem que querer entender como funciona o jogo, quem são os amigos, qual é a dinâmica e o objetivo. Sem julgar ou criticar, mas querendo aprender mesmo. Ou é a mesma coisa que jogar o filho no meio da rua sem orientação e monitoramento.”