O que falta conquistar quando falamos em direito das mulheres — Gama Revista
Dá pra comemorar, mulher?
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Mariana Simonetti

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Sociedade

Dia das Mulheres: o que falta conquistar?

Espaço na política, direitos reprodutivos, diversidade no debate. Na luta por direitos, advogadas, obstetras, jornalistas apontam o que falta ser botado em prática

Manuela Stelzer 06 de Março de 2022

Dia das Mulheres: o que falta conquistar?

Manuela Stelzer 06 de Março de 2022
Mariana Simonetti

Espaço na política, direitos reprodutivos, diversidade no debate. Na luta por direitos, advogadas, obstetras, jornalistas apontam o que falta ser botado em prática

Em uma lista de 192 países, no ranking internacional de participação de mulheres na política, o Brasil ocupa a 142ª posição. Na pandemia, uma em cada quatro brasileiras sofreu algum tipo de violência. Segundo dados do IBGE, em 2019, elas dedicaram 8 horas a mais do que eles nos afazeres da casa, mesmo empregadas. O Ministério da Saúde afirmou que, em 2018, a cada dois dias uma mulher morria por aborto inseguro. Dentro da estatística, descobriu-se que as maiores vítimas eram negras, menores de 14 anos e moradoras da periferia. Em 2015, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontava que a cada 11 minutos uma mulher era estuprada no país. Cinco anos depois, o número diminuiu – não o de violentadas, mas de tempo entre cada estupro: agora são apenas oito minutos.

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Os dados não mentem: são resultado de uma sociedade que não se atenta para a vida das mulheres. Sem espaço na política para falar sobre suas necessidades, sem acesso a direitos reprodutivos e autonomia para tomar decisões sobre o próprio corpo, e sem políticas públicas que as protejam de violências cometidas dentro de casa, pelos cônjuges, tios, pais ou irmãos – a elas resta lutar para conquistarem o que é delas por direito.

Gama convidou diferentes mulheres, entre ativistas, advogadas, comunicadoras e médicas para responderem o que ainda falta conquistar quando falamos em direito das mulheres.

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    “Falta mulher na política, mas não por culpa delas”

    Ligia Fabris, coordenadora do Programa de Diversidade e Inclusão e professora da FGV Direito Rio
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    Arquivo pessoal

    “Há uma série de barreiras, formais e informais, que dificultam o acesso das mulheres à política. As barreiras informais, é evidente, tem a ver com o machismo que estrutura a sociedade, com a ideia de que as mulheres não devem participar de espaços de poder e de decisão. E a política é um espaço de poder por excelência. As mulheres ficam relegadas ao espaço privado. Hoje elas trabalham fora do ambiente doméstico, mas sempre sob imposições precárias. As mulheres sofrem de uma carga emocional gigante, por serem responsabilizadas pelas tarefas de cuidado, além de seus trabalhos. É a gestão da sobrevivência, e todas as pessoas que compõem seus laços familiares esperam isso da mulher. Isso é um grande obstáculo às mulheres alçarem posições de poder, seja na carreira privada ou na pública.

    Em relação às barreiras formais, desde 2010 temos a obrigatoriedade de que os partidos invistam na formação política de mulheres. Já fiz pesquisas para avaliar o cumprimento dessa regra, ou seja, se os partidos de fato investem 5% dos recursos do fundo partidário na formação delas – todos descumprem. Precisamos dar a mão a essas mulheres. Pesquisas mostram que para se lançarem em candidaturas, elas precisam se sentir muito habilitadas, capazes, e para isso precisam de formação. Queremos impulsionar isso, queremos que elas estejam bem preparadas, que entendam como a política funciona, como se constrói uma candidatura, e assim possam disputar efetivamente esses espaços, e cobrar seus direitos.”

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    “Precisamos de diversidade e pluralidade”

    Fayda Belo, advogada especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídios
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    Arquivo pessoal

    “Mulheres pretas, trans e com deficiência acabaram no final da fila do movimento feminista. A luta se concentrou em mobilidade econômica, cultural, política e social entregue apenas a mulheres brancas, cisgênero e sem deficiência. Em que pese termos avançado muito em políticas públicas de inclusão, proteção e paridade, esse avanço não alcançou todas. Precisamos pautar e discutir as mudanças pelo prisma interseccional. Entender que não somos todas iguais é o início do debate para que a igualdade de gênero e as políticas públicas que conferem direitos a elas possam seguir adiante de forma ampla e alcançar verdadeiramente todas as mulheres e não apenas um grupo pequeno.

    Exemplo disso é que em 2020 o número de homicídios contra as mulheres brancas caiu, e contra as mulheres pretas aumentou. T emos um canal de emergência que em tese seria para todas as mulheres, o 180, mas ele não tem acessibilidade – somente as ouvintes conseguem denunciar. O Brasil é o país que mais mata mulheres trans no mundo. A mulher preta ganha 42% a menos que a branca tendo o mesmo diploma. A mulher com deficiência só consegue ser empregada no número exato de cota de PCD e ainda ganhando 20% a menos que uma mulher sem deficiência. A trans sequer consegue um emprego formal. O que vemos é que a mobilidade econômica, social e política das mulheres tem avançado apenas para um seleto grupo e não para todas. É preciso pluralizar o debate.”

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    “O que falta é poder decidir continuar ou não uma gravidez”

    Beatriz Galli, advogada e mestra em direito, trabalha com estratégias jurídicas e políticas para o acesso ao aborto legal e seguro
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    Arquivo pessoal

    “No caso do Brasil, não temos acesso ao direito ao aborto legal e seguro. Temos enfrentado muitos retrocessos e tentativas de eliminar direitos que já são previstos em lei. Acredito que esse é um tema central para o alcance da igualdade de gênero para mulheres, adolescentes, e pessoas com capacidade de gestar, que tenham vontade ou precisem interromper uma gravidez. Essa discussão ainda têm muitos estereótipos: a mulher tem papel social de mãe, cuidadora, que privilegia a família em detrimento das próprias escolhas individuais. Há muito julgamento em cima de uma mulher que decide abortar. É uma despenalização social – países que mudaram suas legislações, como Colômbia, Argentina, Uruguai, vimos mobilizações expressivas, a população na rua, debate social. Você vê um apoio social muito grande para a despenalização, e aqui ainda precisamos trabalhar isso. Tem toda a questão religiosa que permeia esse debate. Queremos que ele seja feito de forma laica, baseada na perspectiva dos direitos humanos, da saúde pública, da ciência.”

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    “As mulheres periféricas entendem desde o início que é só com o coletivo que construímos alguma coisa”

    Cristiane Guterres, jornalista e apresentadora do podcast Meteora, que traz informações e debates atuais numa perspectiva feminista.
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    Mayla Ota

    “Se você olha para a periferia, as mulheres são líderes – da comunidade, de grupos, de conselhos tutelares e gestores. Só que as vozes dessas mulheres não chegam no legislativo. E é imprescindível a presença delas nos espaços de aprovação de políticas públicas. Quando a deputada federal Tábata Amaral apresentou o projeto de lei de distribuição gratuita de absorventes, e foi vetado pelo Bolsonaro, não conseguimos uma política pública em nível nacional, mas prefeituras e estados transformaram o projeto em políticas públicas em suas regiões, simplesmente por termos dado luz ao assunto. Mulheres se uniram para distribuir absorventes também. Isso demonstra que não conseguimos colocar nossas pautas no foco porque somos poucas – mas mesmo sendo poucas, conseguimos transformar.

    Política se faz o tempo inteiro, principalmente na escassez de uma favela, periferia ou comunidade. É uma política rica porque é comunitária, feita com todos. E isso se aprende desde cedo. Porque na escassez, se entende que é só no coletivo que construímos alguma coisa. São mulheres que não têm aquele discurso, o palavreado que se usa dentro de uma casa legislativa. Mas elas têm o saber, um saber riquíssimo. Elas fazem a transformação com a escassez.”

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    “Enquanto não refletirmos de maneira interseccional, a garantia de direitos sexuais e reprodutivos permanecerá elitista e excludente”

    Mariana Ferreira, ginecologista e obstetra
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    Arquivo pessoal

    “Ainda estamos distantes do dia em que os direitos sexuais e reprodutivos serão respeitados. Mulheres continuam morrendo todos os dias devido à assistência ausente ou negligente durante a assistência pré-natal e durante seus partos. Assim como várias outras ao recorrerem a abortos ilegais. Violências praticadas dia após dia contra mulheres e pessoas que gestam continuam acontecendo de forma institucional, o que impede que essas pessoas possam vivenciar suas gravidezes de forma respeitosa. Cabe ressaltar que mais uma vez: são as mulheres negras e periféricas as principais vítimas desse sistema cruel. Racismo, classismo e misoginia se somam, e mostram como é impossível não racializar a discussão.

    Precisamos de políticas de ampliação dos programas de planejamento familiar no SUS, educação sexual nas escolas, acesso garantido ao pré-natal e assistência ao parto de qualidade, assim como assegurar direitos já garantidos, como interrupção da gestação em casos previstos em lei. Ampliar essa discussão visando descriminalizar o aborto também é urgente e necessário. Devemos repensar os atores que participam das decisões que envolvem nossos corpos, ampliar nossa participação política dentro dos espaços de poder é uma estratégia necessária. Promover uma discussão ampla, envolvendo especialmente mulheres e pessoas que gestam, e sempre considerar raça e classe. Aliás, enquanto não pensarmos tudo isso de forma interseccional, os movimentos no sentido de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos permanecerão elitistas e excludentes.”