Relacionamento tóxico e abusivo: identifique — Gama Revista
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Reportagem

Relacionamento tóxico e abusivo: identifique

Psicólogos e especialistas no tema apontam as principais práticas dentro de relacionamentos pouco saudáveis para que você reveja seus hábitos

Leonardo Neiva 05 de Fevereiro de 2023

Relacionamento tóxico e abusivo: identifique

Psicólogos e especialistas no tema apontam as principais práticas dentro de relacionamentos pouco saudáveis para que você reveja seus hábitos

Leonardo Neiva 05 de Fevereiro de 2023

O desfecho do relacionamento relâmpago entre a atriz Bruna Griphao e o modelo Gabriel Tavares no Big Brother Brasil levantou uma série de dúvidas do lado de fora da casa sobre relações tóxicas e comportamentos abusivos. Embora pareçam ser a mesma coisa, especialistas costumam separar os dois tipos de relações por um aspecto central: enquanto o indivíduo tóxico não costuma ter noção do que está fazendo, o abusivo é calculista e premedita o mal que causa às vítimas.

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“O tóxico precisa que o outro se sinta mal para que ele se sinta bem”, esclarece a psicóloga Eglacy Sophia, que atua em casos de amor patológico. Para conseguir esse resultado, uma das principais estratégias é colocar o outro para baixo, relação que Sophia compara com um vampiro sugando a energia do outro para sobreviver. “A pessoa tóxica costuma não perceber que causa mal ao outro e se sente culpada quando descobre seu comportamento inadequado.”

A psicóloga Alessandra Augusto, especializada no tema, considera difícil definir a rápida, mas intensa e violenta relação que os participantes do BBB viveram na casa. “Existe o aditivo do confinamento. Se fosse aqui fora, talvez ele demorasse mais tempo para apresentar esse comportamento”, pondera Augusto. “O que podemos afirmar sem dúvida é que não era uma relação saudável.” Entre os problemas detectados pelos telespectadores, surgiram a dependência afetiva, as constantes críticas de Gabriel à aparência de Bruna e ameaças de agressão de ambos os lados.

Ao tentar provar de forma exagerada seu amor, o que você pode estar buscando é controle

A psicóloga e terapeuta de casais Cristina Werner optou por abolir o uso do termo abusivo em seu trabalho. Como significa uso em excesso, Werner argumenta que, se aplicado a práticas como o estupro, poderia levar à interpretação equivocada de que a ação criminosa é permitida em alguns casos. “Prefiro dizer relações desiguais e injustas, que são o que todas as mulheres vivem, por conta de como as relações de gênero se estabeleceram”, afirma.

O terapeuta de casais Filipe Starling lembra que é sempre mais difícil reconhecer um comportamento abusivo em si mesmo. do que nos outros. “Quando estamos dentro da relação, vamos gradativamente nos acostumando com o desrespeito, o abuso e aos poucos naturalizando aquilo”, explica. Também não se pode esquecer que relações pouco saudáveis não são restritas a casais. Elas existem entre pais e filhos, amigos ou no ambiente de trabalho (leia mais sobre o assunto aqui). Mas afinal, além de agressões mais evidentes, que características definem uma relação tóxica ou abusiva? A seguir, reunimos comportamentos problemáticos para que você reavalie seus hábitos, se já tiver feito alguma dessas coisas em suas relações — claro, no caso de não ter consciência do mal que estava causando.

Portanto, você pode estar sendo tóxico ou abusivo se:

Sufoca o outro com “provas de amor”

Nem tudo que reluz é ouro, já dizia o ditado. Ainda assim, é difícil para a maioria das pessoas ligar o excesso de zelo e demonstrações de afeto a um comportamento tóxico ou abusivo. Afinal, o que tem de errado em paparicar o amado, presenteá-lo com flores sempre que possível ou mesmo brincar sobre casar e ter filhos já nos primeiros tempos de namoro? Bem, para a psicóloga Alessandra Augusto, tem sim bastante coisa errada nesse comportamento.

A especialista chama de “love bombing” essa overdose de amor, que geralmente surge no início de uma relação. “Tudo em excesso é um abuso”, diz Augusto. “Portanto, num relacionamento de uma semana em que você atualiza logo de cara os perfis em todas as redes sociais e começa a dar nomes para os filhos que pretende ter, está claramente ultrapassando alguns limites.” Além de uma forma de chamar a atenção ou tentar lidar com as próprias inseguranças, ao tentar provar de forma exagerada seu amor, o que você pode estar buscando é controle.

Até por isso, o praticante do “love bombing” procura, conscientemente ou não, se relacionar com pessoas com baixa autoestima. “A vítima acha bom porque é suscetível e tem uma personalidade empática. O excesso acaba preenchendo uma lacuna”, afirma a psicóloga. No entanto, fique atento porque costumam haver segundas intenções. “A pessoa quer colocar o outro num patamar altíssimo para depois vir tirando os degraus.” Ou seja, no futuro, toda essa dedicação pode se tornar moeda de troca para obrigar o parceiro a agir de acordo com suas vontades ou fazê-lo se sentir culpado por não responder à altura.

Não divide as tarefas de forma justa

Na opinião da psicóloga e terapeuta de casais Cristina Werner, a desigualdade e injustiça sempre levam a relacionamentos tóxicos. Em poucos lugares isso se mostra mais do que na divisão das tarefas domésticas. Uma pesquisa recente mostra que, mesmo com ambos trabalhando em home office, as mulheres ainda são muito mais responsabilizadas pelos cuidados com o lar e a família. “Elas acabam se encarregando dessas obrigações extra, que consomem seu tempo”, afirma a terapeuta. “Então a toxicidade não vem só da agressão ativa, mas da passividade e negligência.”

A psicóloga lembra que, se você tem como hábito relegar a maior parte das tarefas de casa, está ao mesmo tempo se beneficiando e prejudicando o parceiro. “Quem tem a comida feita e a roupa lavada encontra tempo para ler, estudar e relaxar” enquanto reduz o tempo que o outro pode dedicar a uma atividade profissional ou de lazer. E o fato de ser um costume enraizado na sociedade dificulta a percepção do problema, acrescenta Werner.

Então, se acredita que isso é justo apenas porque é você quem paga as contas, a psicóloga esclarece que esse roubo de tempo impede que o outro evolua profissionalmente, perpetuando a situação, e pode até comprometer a saúde mental. “Ela começa a abaixar a cabeça, sem poder deixar essa relação tóxica. É uma violência silenciosa e insidiosa, uma injustiça quase invisível.”

Critica o companheiro sempre que pode

Uma pesquisa realizada na Inglaterra apontou que quase metade da população já foi insultada por causa do peso, tipo de cabelo ou tamanho dos pés. Poucos dias após engatar um namoro relâmpago com a atriz Bruna Griphao no BBB, Gabriel constrangeu a então companheira ao perguntar a interlocutores se o nariz dela era mais parecido com o de uma “ararinha azul” ou de um “rinoceronte”. Para Augusto, o comportamento tóxico tem muito a ver com a depreciação do outro, que acontece não só em relação à aparência.

Essa desvalorização pode atingir o trabalho, as capacidades intelectuais, conquistas e sonhos do outro, aponta a especialista. “Mesmo quando faz um elogio, você sempre coloca uma coisa negativa em seguida”, exemplifica Augusto. “O outro deixa de estar bem ou feliz e vai se intoxicando. Não tem mais vontade de contar nada e deixa de acreditar em suas vitórias, planos e sonhos.” Esse é um comportamento típico de um indivíduo tóxico, como aponta a psicóloga Eglacy Sophia, porque a intenção não é controlar o outro, mas sentir-se melhor rebaixando o parceiro e atingindo sua autoestima.

Segundo Werner, essas pequenas agressões cotidianas também vão criando um sentimento de incapacidade e minando os dois pilares da sustentabilidade psíquica: a competência e a necessidade de ser acolhido. “Se alguém questiona sua competência ou aparência, murcha a pessoa de um jeito que ela vai ficar menos ativa e consciente”, define. Caso esse comportamento não seja proposital, a terapeuta sugere que você treine formas de linguagem menos violentas, fazendo no máximo críticas construtivas pontuais, que nunca deixem de apontar os pontos positivos do outro.

Transforma o erro em padrão

Também não se culpe demais caso apresente alguma ação isolada problemática ou que pode ser lida como tóxica. Como lembra o psicoterapeuta Yuri Busin, errar e não perceber certas questões é natural para o ser humano. Uma única atitude questionável não te torna tóxico ou abusivo, mas sim sua repetição até que se torne um padrão no relacionamento. “Todo mundo tem dias ruins e pode acabar sendo um pouco mais ríspido em algum momento. Se for de vez em nunca, tudo bem, desde que o respeito e a admiração não se percam”, afirma Busin, que é especialista em neurociência do comportamento.

Para o psicólogo e terapeuta Filipe Starling, os problemas costumam dar as caras em pequenos atos, que vão evoluindo e se ampliando ao longo do tempo. “A pessoa começa falando alto, depois parte para agressão verbal e mais tarde começam as ameaças”, exemplifica. Assim, o parceiro vai ficando cada vez mais assustado e oprimido. “O indivíduo abusivo passa a controlar a outra pessoa, desconsiderando totalmente suas opiniões e necessidades.”

E é justamente no início da relação, quando costumam surgir esses padrões, que a pessoa precisa se questionar sobre sua maneira de agir, diz Werner, porque ainda dá tempo de impedir que a relação enverede por um caminho desagradável. Então, se começar a reconhecer no seu cotidiano atitudes constantes das quais não se orgulha, pode ser a hora de buscar conselhos de amigos e familiares ou uma ajuda profissional para impedir que isso se perpetue.

Não liga para os sentimentos do outro

Yuri Busin reforça que a individualidade e o egoísmo criam uma tendência de desconsiderarmos as dores alheias. “Se alguém te revela um problema, você pode até pensar que não é nada, mas para aquela pessoa significa algo, está doendo.” Para o profissional, aprender a respeitar essas dores deve ser a base para a responsabilidade emocional numa relação que de fato contenha empatia de ambos os lados.

E a empatia precisa vir em primeiro lugar, na visão de Werner, porque só compreendendo o ponto de vista do outro você é capaz de enxergar de fato uma situação. “Quando a outra pessoa faz qualquer reclamação, minha primeira resposta não pode ser uma tentativa de me defender”, afirma. “É preciso tentar atender a necessidade dela, de acordo com as minhas possibilidades.” Portanto, fique atento e se pergunte em todas as situações: será que estou levando a sério os sentimentos do outro e oferecendo o apoio necessário?

Faz questão de estar sempre perto

Talvez você já tenha se oferecido para acompanhar seu parceiro a algum lugar, como levá-lo e buscá-lo no trabalho todos os dias. No começo, pode parecer apenas uma gentileza, mas é possível que exista uma intenção oculta aí, envolvendo ciúmes ou a necessidade de saber todos os passos do outro.

“Com o tempo, a pessoa começa a acompanhar a outra aonde ela for. Assim, acaba não fazendo mais nada sozinha porque acha até bacana que esteja ali para ela”, dá como exemplo a psicóloga Alessandra Augusto. Além de ir cerceando as poucos sua liberdade, logo surgem as cobranças. “Você foi a tal lugar e não me falou? Não quer que eu te leve por quê? Está me escondendo algo?”

Portanto, se perceber que essa necessidade de estar sempre com o outro tem um componente de insegurança e controle, saiba que o comportamento é abusivo e pode arruinar a relação. “Você passa a oferecer estar sempre perto como se fosse algo positivo, mas só porque quer controlar e manipular”, considera a especialista.

Afasta amigos e familiares

Mesmo em uma relação a dois, há sempre um terceiro elemento presente, de acordo com Werner. Quando fala nessa terceira ponta do triângulo, a plateia, a terapeuta inclui familiares e conhecidos próximos, mas também ONGs e órgãos de defesa da mulher. E esse público tem um papel essencial para a percepção de que algo não vai bem na relação — até porque a tendência é que os dois principais envolvidos não enxerguem os problemas com nitidez.

Na relação entre Gabriel e Bruna no BBB, foi de outros participantes que partiu a impressão de que o namoro era “chato” ou mesmo “tóxico”, como citou o apresentador Tadeu Schmidt em seu discurso. O caso exemplifica por que a ação de indivíduos abusivos, que criticam ou forçam o afastamento do parceiro de amigos e familiares, é tão prejudicial para a relação, que acaba perdendo esse ponto de equilíbrio externo.

“Ele tira o poder de percepção, mantendo seu controle. Quem faz isso é inseguro, não consegue conviver com terceiros na relação”, conclui a psicóloga. Então, se perceber que suas ações têm afastado o parceiro do convívio social, deve acender um sinal de alerta. Afinal, você está deixando sua insegurança e necessidade de controle levar a melhor sobre o bem-estar do companheiro?

Coloca em dúvida a percepção do outro

Perdida de amor por um homem com quem acaba se casando, uma jovem cantora de ópera é levada pelo marido a acreditar que está enlouquecendo. Mesmo que você não esteja familiarizado com a história do filme clássico de 1944, estrelado por Ingrid Bergman, já deve ter ouvido falar em gaslighting. O termo foi extraído do título do longa, “Gaslight”, que se baseia num dos aspectos básicos da prática: tentar fazer com que o outro duvide de si mesmo.

De acordo com Augusto, o gaslighting costuma surgir depois que uma relação abusiva já está parcialmente estabelecida. Seja para dispersar os sinais de uma traição ou encobrir o controle excessivo que você exerce sobre o parceiro, a tática é não apenas mentir, mas convencê-lo de que está vendo coisas onde não existem. “Isso a ponto de a pessoa se perguntar se está louca mesmo e acabar caindo de novo na armadilha do relacionamento”, descreve a psicóloga.

Portanto, se você vem questionando as percepções, a inteligência e a estabilidade psicológica de outra pessoa, tenha consciência de que o hábito pode gerar consequências devastadoras para a saúde mental do companheiro. “Essa é uma das piores violências psicológicas porque, com o tempo, faz a pessoa duvidar da própria sanidade, passando a diferenciar cada vez menos o que é amor e o que é manipulação”, aponta a psicóloga.