Amizade com ex: é possível? — Gama Revista
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Relações

É possível terminar em paz?

Divórcio não é fracasso. Dependendo do casal é um sucesso maior do que o próprio casamento. Uma coleção de histórias provam que dá para ser amigo do ex

Manuela Stelzer e Andressa Algave 15 de Maio de 2022
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É possível terminar em paz?

Divórcio não é fracasso. Dependendo do casal é um sucesso maior do que o próprio casamento. Uma coleção de histórias provam que dá para ser amigo do ex

Manuela Stelzer e Andressa Algave 15 de Maio de 2022

Se para muitos parece uma missão impossível terminar um relacionamento em paz (e mais ainda: se dizer melhor amigo do ex), há exemplos de sucesso nessa tentativa. Caetano Veloso e a atriz Andréa Gadelha, por exemplo, foram casados por quase 20 anos. Ainda que divorciados desde o final da década de 1980, os dois celebram aniversários e memórias, e nutrem muito carinho um pelo outro. “Personalidade única, Dedé continua sendo uma das pessoas mais importantes da minha vida”, disse o músico em uma publicação dedicada à ex.

Os jornalistas Lia Bock e Ivan Martins foram casados por quatro anos, e já estão divorciados há mais de dez. Bock e Martins também provam, com a série Ex-Casados, que há luz no fim do túnel. Em 2017, eles dividiram um sofá, ligaram a câmera e compartilharam com o público suas experiências de relacionamento e divórcio – e não faltou bom humor e leveza.

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“Há casais que conseguem chegar nesse lugar de valorização do outro, reconhecimento, entendimento do que foi e de que agora acabou”, explica a terapeuta de casais e mestre em psicologia social Tai Castilho. “Mas se duas pessoas mal casadas se divorciam e ficam mal divorciadas, então era melhor que ficassem mal casadas.” Segundo a especialista, o processo de separação carrega muitas perdas: econômicas, judiciais, emocionais, além do sofrimento dos filhos, caso existam. “Se o ex-casal se entende e se separa bem, os filhos superam com muito mais facilidade.”

Um divórcio pacífico não é tarefa fácil – demanda paciência, muita empatia, cuidado e uma dose de conflito, que é inevitável. Mas Gama ouviu histórias de separação que mostram que não é impossível chegar lá. Apesar dos desentendimentos iniciais, são relatos que inspiram pela resolução harmônica, novos acordos e reestruturações familiares. Há ex-casais que, inclusive, declararam união estável no cartório depois da separação na intimidade para o benefício de ambos.

Dá-lhe o tempo!

O engenheiro José Furia foi casado por quatro anos com a ex-esposa. A filha chegou logo no início. “Ver a barriga crescendo, ir me preparando para a chegada, foi muito legal. Ela nasceu no meu aniversário, e eu, que já queria ser pai, fiquei ainda mais babão com o presente.” A união, que começou meio às pressas pela gravidez, foi estável e tranquila durante esses quatro anos. “Mas sempre faltava alguma coisa”, conta Furia. “Como tudo tinha começado sem muito planejamento e não estávamos felizes, ela teve um caso com o chefe, e eu acabei descobrindo.”

O divórcio acontece quando um dos dois se frustra muito nas expectativas, e isso interfere naquilo que chamamos de amor

A psicóloga Tai Castilho alerta para a raridade de um divórcio que é esperado por ambos. “É muito difícil, depois de tantas dores, sofrimentos, ofensas e até traições, que os parceiros olhem um para o outro e digam comumente ‘acabou’”, explica. “O divórcio acontece quando um dos dois se frustra muito nas expectativas, e isso interfere naquilo que chamamos de amor.” Justamente por isso, logo após o rompimento, Furia disse que ficou extremamente infeliz. “Não deve ter sido fácil para ela também. Mas tudo que eu conhecia como ‘família’ foi destruído.” Os dois se falavam para combinar horários de atividades da filha, o pega e traz da escola, e mais nada.

Foi só depois de dois anos da separação que José Furia e a antiga parceira se reencontraram. Na ocasião, ele conversou com o atual marido da ex (o mesmo da traição), falou o que precisava ser dito, e com o tempo se consumou uma aproximação. Hoje, Furia é casado e foi pai pela segunda vez. E sua ex, também casada, costuma cuidar do filho do antigo parceiro enquanto ele sai com a atual para jantar. Os quatro casais até celebram as festividades juntos, com os dois filhos de Furia, em uma nova composição familiar nada convencional. Tudo, segundo ele, foi para estar mais perto da filha do primeiro casamento. “Sempre que me perguntam como mantenho uma boa relação com ela, respondo: ela era uma esposa terrível, mas é a melhor ex do mundo. O tempo é o melhor remédio.” A história reflete os dizeres de Castilho: “É um processo, demanda tempo e cuidado”.

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Começaram como amigos, terminaram como amigos

A designer Hana Luzia conta que conheceu o ex em um date com o colega dele. “Primeiramente, queria que fossemos amigos, não conseguia vê-lo como namorado. Mas queria muito ficar com ele porque o achava interessante, uma mistura de atração física e mental.” A relação durou cinco anos e escalou da paixão inicial, misturada com uma ligação intensa de amizade, para um clima morno. Com questões de saúde mental, desgaste da relação e vida sexual mecânica, entender que o romance não existia mais foi um processo difícil.

Tai Castilho explica que a escolha por ficar junto passa pela expectativa de um relacionamento modelo, que deve ser aprovado por quem está de fora. “Tem casais que não conseguem desmanchar a parceria que já acabou.” Segundo ela, “é como se sempre precisassem tirar aquela fotografia certinha, mesmo com o equilíbrio bambo, que se bater um vento, desmorona”. Em dado momento, Hana Luzia e o ex entenderam que deveriam se afastar.

Tem casais que não conseguem desmanchar a parceria que já acabou

Foram alguns meses de coração partido e distanciamento até uma amizade surgir. Para Luzia, a responsabilidade emocional foi o ingrediente mais importante para que a separação desse certo. Voltaram a conversar aos poucos e estabeleceram regras: se a mágoa do término estivesse muito doída para, por exemplo, falar sobre novas aventuras amorosas, tanto ela quanto o ex iriam impor limites. “Meus pais são separados e continuam amigos. Então, tenho uma referência positiva e via aquilo funcionando.” Ao que a terapeuta analisa: “Cada ex-casal tem seus limites, é preciso entendê-los como uma fronteira em volta de si. Para atravessar, é necessário apresentar um passaporte”.

Casadas, separadas e casadas de novo

A consultora de novos negócios Lia Rodrigues conheceu a ex em 2002, na finada rede social Fotolog, pouco antes de se mudar do Espírito Santo para Belo Horizonte. Na nova cidade, uma amiga em comum marcou o encontro. O primeiro beijo demorou um tempo para acontecer, mas iniciou um relacionamento cheio de cumplicidade. Até que, quatro anos depois, Rodrigues precisou ir para São Paulo à trabalho. “O processo da separação foi bem amistoso e amigável, apesar da dor no coração. É aquela dor de que é melhor a pessoa ir, mas também gostaria de levá-la comigo.”

Distantes uma da outra, a amizade reatou depois de seis meses, quando Lia Rodrigues precisou de ajuda. A ex, ao lado de outras amigas em comum, montou uma vaquinha para ajudar com aluguel e compra de casacos para o inverno paulista. A amizade então cresceu tanto que para conseguir um desconto no plano de saúde, Lia e a “ex” se casaram no cartório, o que reaproximou ainda mais uma conexão que fazia bem para ambas. “Nem temos mais o plano de saúde hoje, mas continuamos casadas. Somos esse apoio uma da outra.”

O que antes eram duas pessoas apaixonadas se modifica, e as expectativas precisam se afinar

Tal relacionamento, que termina com as dores do fim do romance mas não do amor, serve de exemplo da separação que acontece não pela infelicidade — mas pela vontade de ser mais feliz. “Muitos amores têm cumplicidade, respeito, possibilidade de alianças, entendimento e compreensão. Mas a conjuntura vai mudando. O que antes eram duas pessoas apaixonadas se modifica, e as expectativas precisam se afinar”, explica Castilho. Lia Rodrigues conta que leva boas lições da separação, como o aprendizado de ser mais fiel às próprias emoções e vontades, que se mostraram diferentes das da ex-companheira (e atual esposa no papel).

Fim do casamento, mas não da parceria

“Digo que somos como óleo e água de tão diferentes. No início, fomos costurando as diferenças, até que elas se tornaram abismos.” A pedagoga Adriana Csaszar foi casada por dez anos, e hoje já conta 11 desde o divórcio. A relação matrimonial, segundo ela, foi construída no respeito, mas quando o término aconteceu, de maneira abrupta, houve bastante sofrimento. “Foi horrível vê-lo sair para trabalhar no dia em que nos separamos. Foi um processo muito triste e de luto infinito.”

Com a notícia de um diagnóstico de câncer da mãe e em seguida sua morte, Adriana Csaszar se reaproximou do ex. “Ali descobrimos que ainda éramos uma família. Conversamos, choramos, lavamos a roupa suja e tiramos da gaveta o que ainda nos servia: amizade e respeito”, conta. Csaszar explica que, com o ex, desclassificaram a palavra casamento. “O amor não precisa dividir a cama, o sexo, e as contas. O amor é saber que temos uma relação que foi se construindo de acordo com as mudanças que a vida impôs. E isso não está no cartório.”