Sexo: uma odisseia no espaço — Gama Revista
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Mariana Simonetti

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Reportagem

Sexo: uma odisseia no espaço

Ainda um tabu para agências espaciais, sexo entre astronautas se mostra cada vez mais necessário se quisermos conquistar o espaço sideral

Leonardo Neiva 18 de Setembro de 2022

Sexo: uma odisseia no espaço

Leonardo Neiva 18 de Setembro de 2022
Mariana Simonetti

Ainda um tabu para agências espaciais, sexo entre astronautas se mostra cada vez mais necessário se quisermos conquistar o espaço sideral

Após admirar a infinitude do universo, os dois únicos ocupantes de uma enorme nave espacial fazem sexo pela primeira vez. Há anos-luz dali, num dos aposentos de uma espaçonave, uma cientista encaixa uma camisinha num consolo metalizado, pouco antes de uma intensa sessão de masturbação. Em outro ponto do espaço-tempo, nus e dividindo apenas um lençol, um casal se beija apaixonadamente enquanto sai levitando sob o efeito da gravidade zero.

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Além de serem todas cenas particularmente quentes em meio a ambientes frios e inóspitos, esses exemplos têm outro fator em comum. Nenhum deles é real. Retiradas respectivamente dos filmes “Passageiros” (2016), “High Life” (2018) e “007 Contra o Foguete da Morte” (1979), as sequências imaginam na ficção um evento que, em tese, nunca aconteceu: atividade sexual no espaço.

Alguns astronautas mencionaram ereções e aludiram fortemente ao potencial para a masturbação em cenários espaciais“, revela a pesquisadora de comportamento sexual e sexologia espacial da Universidade Concordia, no Canadá, Maria Santaguida. No entanto, segundo a especialista, “ainda que seja tentador imaginar astronautas se engajando em atividades sexuais” e apesar da existência de rumores e especulações sobre o tema, “a NASA já declarou que seres humanos nunca fizeram sexo no espaço”.

O ato sexual é todo ajustado à gravidade terrestre e dela dependente

Apesar de informações sobre o assunto serem raríssimas ou praticamente inexistentes, pode-se supor que as muitas complicações que envolvem transar fora da gravidade da Terra estejam entre os principais fatores que inibem até os viajantes que já sentiram muita vontade de fazê-lo. “O ato sexual é todo ajustado à gravidade terrestre e dela dependente“, lembra o professor de engenharia aeroespacial Antonio Gil Brum, da Universidade Federal do ABC. “Sem ela, torna-se um grande desafio.”

Para começar, de acordo com o estudioso, quando ocorre uma queda considerável de gravidade, muda também toda a distribuição de sangue e de fluidos no corpo. Mais desse sangue vai parar nas partes superiores, como a cabeça, e menos do que seria comum permanece nas inferiores. Ou seja, o tesão e a possibilidade de conseguir uma ereção vão — não literalmente — para o espaço.

Além disso, também tem a dinâmica da coisa. Ficar flutuando por aí causa desorientação e náuseas, diz Brum, e ainda dificulta todo o processo físico do ato sexual. “Para vencer isso, algum tipo de amarra será necessária.” E, conforme o tempo passa, pode faltar até força. Isso porque, no espaço, cai nossa produção de glóbulos vermelhos, reduzindo a massa muscular, aponta o professor. Na realidade, hoje não se sabe nem até que ponto uma gravidez seria viável fora da Terra.

Em meio a todos esses obstáculos, é possível que mesmo vestes adaptadas não deem conta do recado. “Os trajes espaciais podem ajudar a manter os corpos ligados um ao outro, com velcro, por exemplo, mas não vão alterar, corrigir ou facilitar as funções corporais necessárias para o ato sexual”, afirma Brum. Na visão do pesquisador, para que o sexo no espaço se torne uma possibilidade real, talvez outra invenção que só existe no cinema também precise dar as caras na vida real: a gravidade artificial. “Do jeito que se vê nos filmes. Sabe aquele setor da nave espacial que fica girando em torno do eixo do veículo? Naquele compartimento, a rotação é controlada de maneira a simular a gravidade terrestre.”

Mariana Simonetti

A hora H

Em tempos de SpaceX, em que voos tripulados por civis deixaram de ser apenas um sonho distante e a possibilidade de pisar em outro planeta parece que logo vai sair do campo da ficção científica, o sexo não é apenas uma questão de alívio e prazer, mas sim essencial para a sobrevivência e continuidade humana fora da Terra. Falar do assunto é tão “pé no chão” que a própria Nasa já está planejando a preparação de astronautas para colonizar Marte. “As viagens planejadas ao espaço são relativamente curtas. Talvez por esse motivo não se tenha pensado muito nisso, mas a hora já chegou e é preciso encarar esse desafio”, declara Brum.

Não significa, porém, que estabelecer uma equipe de pesquisadores para estudar a sexologia espacial esteja nos planos da maior agência espacial do mundo. “No momento não estamos buscando propostas ou considerando uma área ou projeto dedicado a esse tópico”, afirmou recentemente um representante da Nasa ao site Mic. Para Santaguida, a posição da agência é no mínimo equivocada. “Ela ignora a realidade gritante de que que a sexualidade e intimidade humana no espaço são preocupação de saúde e segurança que merecem ser priorizadas.”

De fato, para enfatizar esse ponto, ela se uniu a outros pesquisadores em temas como psicologia e filosofia sexual e tecnológica para desenvolver um artigo que aponta a urgência de se discutir o tema. “Senão, corremos o risco de prejudicar a saúde e o bem-estar de astronautas e futuros habitantes do espaço, colocando em risco o sucesso de missões, e terminando por torná-los cidadãos do espaço infelizes e insatisfeitos”, aponta o documento.

Mão amiga

Hoje, praticamente não existem pesquisas sobre o funcionamento sexual humano em contexto espacial, como ele pode afetar a saúde mental e física dos astronautas ou a performance da equipe, diz Santaguida. Por outro lado, o conservadorismo com que o assunto tem sido tratado oficialmente, segundo a pesquisadora, pode estar impedindo que astronautas incorram em atividades sexuais “ou ao menos admitam que o fizeram”.

As poucas declarações públicas de astronautas até hoje são sobre uma atividade sexual consideravelmente menos complexa e difícil, mesmo sem gravidade. “Meus amigos me perguntam ‘Como você está fazendo sexo no espaço?’ Eu digo: ‘Com a mão!'”, descreveu o cosmonauta soviético Aleksandr Laveykin no livro “Próxima Parada: Marte” (Paralela, 2013).

Aparentemente muito menos fechadas sobre o assunto, as autoridades aeronáuticas soviéticas enviavam a seus cosmonautas vídeos “coloridos” que ajudavam a tripulação a “recuperar o moral” e “agir como homens adultos normais”, contou ao Guardian o cosmonauta aposentado Valeri Polyakov. O que, é claro, não significa que a vontade se restrinja aos soviéticos. “Às vezes, eu acordava com uma ereção capaz de furar até kriptonita”, revelou à revista Men’s Health o astronauta texano Michael Mullane.

Demasiado humano

Em seu artigo, Santaguida aponta ainda que a falta de estudos não faz com que algumas questões relacionadas à sexualidade humana simplesmente deixem de existir no espaço. É o caso, por exemplo, do assédio sexual. O documento reconta como uma pesquisadora foi assediada numa equipe composta por homens durante um experimento de simulação que durou 110 dias.

“A Dra. Lapierre foi assediada sexualmente — apalpada de forma não consensual, forçada e beijada — por um membro russo da tripulação que estava no comando da missão.” Um comportamento que condiz com o histórico complicado de agências como a Nasa em relação à igualdade de gênero. “Mulheres que se tornaram astronautas e cientistas aeroespaciais enfrentaram obstáculos, desigualdades e injustiças sociais, além de dinâmicas de poder problemáticas enraizadas em atitudes e perspectivas sexistas”, explica a especialista.

Para que a humanidade finalmente avance nesse tema, ainda é preciso superar tabus, desenvolver tecnologias que tornem o sexo no espaço seguro e higiênico e garantir a cooperação de todos, o que inclui os próprios astronautas, como diz a pesquisadora. “As agências espaciais devem mudar seus paradigmas de exploração espacial para um modelo que considere o todo ao selecionar, treinar e apoiar viajantes espaciais, o que inclui nossas necessidades sexuais, íntimas e de relacionamentos.”