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Repertório

Para ler e gozar

Escritores indicam seus títulos eróticos prediletos, de Anaïs Nin a Georges Bataille, para alimentar e aguçar fantasias e prazeres

Manuela Stelzer 18 de Setembro de 2022

Para ler e gozar

Escritores indicam seus títulos eróticos prediletos, de Anaïs Nin a Georges Bataille, para alimentar e aguçar fantasias e prazeres

Manuela Stelzer 18 de Setembro de 2022

Um espaço que se abre para novas inquietações, curiosidades e desejos. Palavra que agarra pelo erotismo, libido que aquece os olhos e as vontades mais secretas, que pedem para ser reveladas. É assim que a doutora em educação e autora de literatura erótica Ilana Eleá define o papel dos livros sobre sexo. Não os manuais, os manifestos, as análises sobre a prática sexual – e sim a escrita que envolve e fisga pela sensualidade na descrição de cenas e personagens.

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Eleá, que escreveu o livro “Emma e o sexo” (e-galáxia, 2020), primeiro volume de uma trilogia sobre desejo e erotismo, diz que recebeu retornos interessantes de leitores. “Casais me contam que passaram a considerar relacionamentos abertos, mulheres correm atrás de orgasmos até então nunca alcançados em parceria, fetiches pedem para sair do armário, masturbação e terapias orgásticas entram para o repertório”, comenta. “E o mais importante: as pessoas se sentem mais livres para conversar sobre sexo, dialogar com as suas parcerias.” A literatura erótica pode propor ideias, despertar desejos, encorajar aventuras sexuais que antes ficariam apenas na fantasia.

É possível apimentar o cotidiano apenas com palavras. Gama convida diferentes autores a indicarem títulos que, quando o assunto é sexo, não saem da cabeceira.

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    Uma narrativa sobre prazer

    Francisco Mallmann indica: “Reverse Cowgirl” (Semiotext(e), 2020)

    “Não sei se o livro de McKenzie Wark é sobre sexo, exatamente. Eu acho que não. Eu acho que sim”, conta Mallmann. Em uma mistura de gêneros – autoficção, memória, autoetnografia –, o enredo acompanha a protagonista em uma viagem de Sydney, na década de 80, para uma Nova York atual, sem nenhuma pretensão de produzir uma linha do tempo linear sobre sua vida, descobertas, amores e lembranças, como explica o escritor curitibano.

    Wark é uma mulher trans, e não tem nenhuma resposta sobre quem é ou foi. “Nesse percurso, o sexo, as práticas sexuais, o prazer, compartilhados em detalhes, ocupa um lugar central na vida e na obra. O próprio nome da obra sugere uma posição sexual.” Francisco Mallmann, que atua entre a escrita, a performance, as artes visuais e a teoria, além de ser autor do livro “Tudo o que leva consigo um nome” (José Olympio, 2021), afirma que gosta especialmente do modo como Wark estabelece reflexões “a partir, por meio, junto do sexo e do prazer, sem fazer disso um discurso moral ou uma cartilha pretensamente aplicável para outras vivências”.

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    Uma antologia de poesia erótica por mulheres cearenses

    Jarid Arraes indica: “O Olho de Lilith” (Jandaíra, 2019)

    Organizada pela poeta, pesquisadora e editora Mika Andrade, a coletânea reúne jovens cearenses que se expõem em seus versos provocações diversas, e convidam o leitor a mergulho guiado por Lilith e seu olho que tudo vê. Com uma linguagem direta e que vai fundo ao tema do prazer, sem rodeios, o título propõe uma reflexão sobre a forma como o prazer feminino é visto, retratado e sentido.

    Segundo Jarid Arraes, escritora e cordelista, é “uma antologia que representa muito bem a diversidade de linguagens e estéticas poéticas, ao mesmo tempo em que representa a diversidade das sexualidades femininas na sociedade”. Nascida e criada em Juazeiro do Norte e autora do título “Redemoinho em dia quente” (Cia das Letras, 2019), ela finaliza: “O fato de valorizar escritoras nordestinas é um atrativo importante por todos esses motivos”.

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    Fogo em meio ao luto

    Aline Bei indica: “A Obscena Senhora D” (Cia das Letras, 2020)

    Aos 60 anos, depois da morte do marido, a protagonista Hillé se sente absolutamente sozinha e decide viver no vão da escada de casa e experimentar o mais profundo isolamento. Com flashbacks e memórias que vêm à tona durante esse período, em um intenso fluxo de consciência, ela lamenta sua perda e questiona o sentido da vida. Uma mistura de vida e morte, libido e sofrimento, tudo misturado.

    Aline Bei, conhecida por criar em seus livros, como o romance “O peso do pássaro morto” (Nós, 2017), uma coreografia com as palavras, diz que o título de Hilda Hist a marcou por completo. “Por ser um fogo que nasce de um corpo em meio ao luto, solitário na floresta que é a casa debaixo de uma escada, em um gozo pela boca da loucura.”

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    Um livro que questiona o tabu fundador da civilização

    Paulliny Tort indica: “Incesto: diários não expurgados de Anaïs Nin” (L&PM Editores, 1992)

    Mesmo em uma relação de muita ternura e carinho com o marido, Hugh Guiler, Anaïs Nin não consegue dar vazão a seus desejos dentro do casamento, e por isso, entre os anos caóticos de 1932 e 1934, a autora francesa se entrega a aventuras sexuais com seus psicanalistas e com Henry Miller. Em uma complicação extra para a equação amorosa do livro, em 1933, reencontra seu pai depois de anos, e dali surge um perturbador relacionamento incestuoso.

    “Os diários escritos por Anaïs entre 1932 e 1934 tratam não apenas da vida afetiva – e intensamente sexual – da autora, mas de seu amadurecimento enquanto artista”, comenta a jornalista e mestre em comunicação e sociedade, Paulliny Tort, cuja estreia na literatura foi com o romance “Allegro ma non troppo” (Oito e Meio), semifinalista do Prêmio Oceanos em 2017. É também autora do “Erva Braba” (Fósforo, 2021), seu primeiro de contos, vencedor do APCA em 2022. Sobre sua escolha para a lista, diz: “Incesto é um texto que revela uma escritora (e uma mulher) corajosa, ousada, capaz de questionar até mesmo o tabu fundador da civilização”.

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    Delírio e obscenidade

    Emilio Fraia indica: “História do olho” (Cia das Letras, 2018), “O erotismo” (Autêntica, 2020) e “Os coadjuvantes” (Cia das Letras, 2022)

    Para o escritor, editor e jornalista paulistano Emilio Fraia, os dois títulos do francês Georges Bataille estão no topo de sua lista, por lhe parecerem “ainda mais potentes e necessários hoje em dia, como literatura e reflexão filosófica sobre o desejo, a imaginação, o sexo”. Segundo ele, os livros são como irmãos, “História do olho”, na ficção, e “O erotismo”, não-ficcional. “Bataille coloca em cena um narrador e a jovem Simone, numa espécie de história gótica do delírio e da obscenidade, onde pratos de leite são feitos para sentar, ovos e olhos se tornam objetos eróticos e a Via Láctea não passa de um ‘estranho rombo de esperma astral’ – na tradução absurdamente boa de Eliane Robert Moraes.”

    Complementa sua lista de prediletos com “Os coadjuvantes”, recente publicação da carioca Clara Drummond, que “se coloca o desafio e cria ótimas cenas de sexo, coisa rara na literatura contemporânea brasileira”, comenta Fraia.

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    Sexo para além da versão heteronormativa usual

    Monique dos Anjos indica: “Tudo pode ser roubado” (Todavia, 2018)

    O livro de Giovana Madalosso acompanha a garçonete de um conhecido restaurante na região da Avenida Paulista. Nas horas vagas, aproveita encontros fortuitos nas casas de homens e mulheres para roubar objetos de valor. Quando um desconhecido a aborda no restaurante oferecendo muito dinheiro para roubar um livro precioso, a protagonista mergulha em um submundo que mistura um milionário excêntrico, drogas e sexo.

    “De um jeito nada político, ela descreve cenas de sexo que ultrapassam a versão heteronormativa usual”, comenta a escritora e jornalista Monique dos Anjos, autora de contos eróticos protagonizados por mulheres negras. “Entre as personagens que amam e são amadas (ou aquelas que se concentram puramente no sexo), temos mulheres trans, pessoas bissexuais, heterossexuais e com diferentes fluidezes. Sem contar que se passa em São Paulo. Quer cenário mais sexy?”