As mulheres que lutaram pela Independência do Brasil — Gama Revista
uliana Misumi @julianamisumi

As mulheres que lutaram pela Independência

Novo livro de Antonia Pellegrino e Heloisa Starling recupera histórias de personalidades femininas decisivas para a declaração de 1822

Manuela Stelzer 07 de Setembro de 2022

Se hoje brigamos por mais paridade de gênero na ocupação de cargos públicos, imagine há 200 anos. Quer dizer, nem precisa imaginar nada: era proibido que mulheres reivindicassem participação política no Brasil entre o final do século 18 e o começo do 19. Ainda que o envolvimento político fosse ilegal, diversas mulheres empunharam armas, se engajaram no ativismo político, participaram do debate público e romperam as regras de sua época para sonhar e projetar um futuro independente para o país. É o que mostra “Independência do Brasil – As mulheres que estavam lá”, que acaba de ser lançado pela editora Bazar do Tempo.

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“É importante que a gente busque essas mulheres pioneiras, que estão em franco diálogo com as mulheres de hoje. Recuperar essas histórias é reverenciar nossas ancestrais, bebendo na fonte do que o feminismo negro prega”, afirma a roteirista Antonia Pellegrino, uma das autoras do livro, a Gama.

Na data que marca o bicentenário da Independência do Brasil, refletir sobre o atual contexto político à luz do que se viveu 200 anos atrás, a partir da perspectiva de gênero, se faz necessário, como afirma Pellegrino. “É um processo de reconhecimento, de respeito e de comemoração da existência dessas mulheres, para que a gente se inspire, ocupe nossos lugares, tenha força para seguir lutando, sobretudo para um projeto político para o nosso país, que hoje vive uma crise da democracia.” Dados do Fórum Econômico Mundial, trazidos pelo livro confirmam que, apesar das brasileiras serem a maioria da população do país, ocupam apenas 15% dos assentos na Assembléia Legislativa e 14,8% no Senado Federal. Isso coloca o Brasil na posição 108º (entre 155 países) no ranking de empoderamento político.

Recuperar essas histórias é reverenciar nossas ancestrais, bebendo na fonte do que o feminismo negro prega

Baseado no trabalho cuidadoso de Antonia Pellegrino e de Heloisa Starling, que perfilaram, ao lado de outras cinco historiadoras e escritoras, algumas das muitas mulheres decisivas nas lutas pela independência, Gama reúne cinco das muitas protagonistas femininas que existiram no período — e foram negligenciadas por um apagamento sexista. Como finaliza a introdução do livro que reúne os perfis: “Quem sabe, então, essa história também nos ajude a pensar sobre o povo que queremos ser. Afinal, a História não está escrita nas estrelas. Ainda temos algum tempo para reagir e fazer nossas escolhas. E escolhermos juntas o futuro”.

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    Uma mulher na Inconfidência Mineira

    Hipólita Jacinta Teixeira de Melo (1748-1828), filha do país das Minas

    Nascida em Prados, pequeno município de Minas Gerais, Hipólita Jacinta era parte da elite colonial da capitania, e dispunha de um patrimônio respeitável. Difícil dizer o que a levou a participar da Conjuração Mineira, mas a educação fora dos padrões de sua época e o comportamento independente, além de assustarem pretendentes para o casamento, podem ter sido bons motivos para levá-la à luta.

    Aos 33 anos, casou-se com Francisco Antônio de Oliveira Lopes, um membro ativo do grupo de Tiradentes. Sua casa, a Fazenda da Ponta do Morro, tornou-se ponto de encontro entre os heróis da Conjuração e outros descontentes com a situação do país. Os serões, como eram conhecidas as reuniões no espaço doméstico, formaram um terreno fértil e autônomo para o debate de ideias e a convivência política. “Só Hipólita foi capaz de transitar com desenvoltura em um grupo heterogêneo e exclusivamente masculino”, como afirma a historiadora Heloisa Staring. “E recusou-se a ficar confinada ao papel de esposa e mãe.”

    Os serões abriram para ela, de diferentes maneiras, o front de sua atuação política. Enviou cartas e comunicados para seus companheiros de luta, na tentativa de ajudar na comunicação da revolução. E tudo indica que partiu dela a ordem de dar início ao levante militar, depois que os principais líderes do movimento foram presos. Por mais que a Conjuração Mineira tenha fracassado, Hipólita Jacinta, envolvida até o pescoço na política do período, manteve o posicionamento “intransigente, obstinado e corajoso, características que marcaram sua trajetória”, define Starling.

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    Uma das primeiras republicanas, foi presa e torturada por seus ideais

    Bárbara de Alencar (1760-1832), heroína do Crato

    Filha de mãe indígena e pai português, Bárbara de Alencar é, desde o nascimento, descrita como uma sobrevivente. Aos 32 anos, conhece o naturalista Manuel de Arruda Câmara, que lhe ensina não apenas sobre botânica, como coisas mais perigosas à saúde da sociedade colonial: as ideias de Voltaire, Rousseau e Montesquieu. Em sua carta-testamento, datada de 1810, Câmara recomenda o título de heroína à Bárbara – sete anos antes da revolução explodir no Ceará, liderada por seu filho Martiniano, “nutrido por ela, nas ideias e nos afetos”, como escreve Antonia Pellegrino.

    Em 1817, Martiniano proclamou a Independência e instalou a República de Jasmin, nome de uma propriedade de Bárbara. Mãe e filho lideraram o povo exaltado pela sensação de liberdade. Oito dias depois, entretanto, chegou a restauração, e Bárbara foi presa pelo envolvimento e liderança da revolução. E pior: foi acusada de traição no matrimônio, por nutrir amizade com um padre. “A acusação (para muitos, infundada) tinha o objetivo claro de difamar a única mulher a participar da Revolução e macular sua memória entre os viventes e as futuras gerações”, segundo Pellegrino.

    Se não era possível calá-la e escondê-la, humilharam Bárbara de Alencar, que foi presa, maltratada e torturada. Foi libertada após três anos, por um lance de sorte: a eclosão da revolução do Porto. Nome conhecido no imaginário popular cearense, Bárbara foi mulher pioneira na política e considerada por muitos a mãe da independência.

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    A mulher que veio do mar e ruminava fogo

    Maria Felipa de Oliveira (?-1873), era líder militar, estrategista, capoeirista, pescadora e marisqueira

    Pouco se sabe sobre a história e trajetória de Maria Felipa de Oliveira, uma “mulher negra, pescadora e engajada em lutas sociais”, como define a pesquisadora Lívia Prata. “Para criar imagens onde Maria Felipa seja vista como uma líder, corajosa, bondosa e forte, são necessários esforços para que o imaginário ao redor da personagem não seja de submissão, exploração, escravidão”, afirma em um trecho do livro. Desprezada pela historiografia tradicional, foi felizmente imortalizada pela memória popular.

    Imagina-se que nasceu na Ilha de Itaparica, parte do estado da Bahia, em data incerta. Ao lado de outras 37 mulheres, Maria Felipa liderava o Batalhão das Vedetas, que tinha a função de sentinela: noite e dia essas mulheres patrulhavam matas, manguezais e praias, levando tochas acesas feitas de palha de coco e chumbo para procurar e identificar portugueses. O grupo travava lutas inclusive de corpo-a-corpo, e Maria Felipa se encarregava também de repassar informações sobre os conflitos para companheiros em Salvador.

    “Negros escravizados viam na independência uma possibilidade de mudança de status, de se tornar liberto. A participação política das pessoas negras foi muito grande, sobretudo na região da Bahia. Que tenhamos conseguido chegar a personagens, foi só a Maria Felipa, o que não significa que não houvessem outras”, comenta Antonia Pellegrino.

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    A pequena grande ativista

    Os lamentos e lutas de Urânia Vanério (1811-1849)

    Também conhecida como Baianinha, Urânia Vanério é filha de um casal de portugueses, nascida em Salvador, e desde menina é ativista da independência pelas palavras. O panfleto “Lamentos de uma Baiana”, de sua autoria, é o mais “revoltado e dolorido protesto contra a ação das tropas do General Madeira de Melo, vazado em linguagem simples e direta”, como afirmam os autores da coletânea “Guerra Literária: Panfletos da Independência” (UFMG, 2014). Foi escrito entre os dias 19 e 21 de fevereiro de 1822, e por uma menina de apenas dez anos.

    Os panfletos, na época, permitiam uma comunicação mais barata, de circulação rápida e suas mensagens eram respeitadas por diferentes setores da sociedade. Também eram temidos pelas autoridades, já que foram uma ferramenta política relevante em várias revoltas do Brasil colonial, como explica a professora de história e pesquisadora Patrícia Valim, no livro.

    Em seus versos, Urânia relatava revoltas pessoais e de sua família diante dos rumos da guerra. O que parece ter começado como uma tentativa de defender seus pais portugueses de possíveis ataques, “ganhou corpo e transformou-se em uma das mais potentes críticas contra os arbítrios do absolutismo português na Bahia, da exploração colonial e da violência das tropas imperiais contra a população de Salvador”, afirma Valim.

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    A mulher que se vestiu de homem para lutar

    Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), a moça-cadete que lutou no Batalhão dos Periquitos

    Depois do ato em terras paulistas que marcou a independência, algumas províncias permaneceram sob controle das tropas portuguesas, caso da Bahia. Conflitos armados se intensificaram na região em 1822, e Maria Quitéria de Jesus, assim que descobriu sobre a guerra, teve pedido de se juntar ao exército para lutar no campo de batalha recusado pelo pai. Por isso, fez o impensável para a época: pegou roupas do cunhado emprestadas, cortou os cabelos e se despiu de qualquer indício externo que a configurasse como mulher.

    Maria Quitéria lutou até 2 de julho de 1823, quando os últimos portugueses que ainda resistiam decidiram abdicar do combate. A data marca a independência da Bahia. Em seguida, a moça-cadete retorna ao Rio de Janeiro, onde foi condecorada e passou a receber um salário vitalício, “para usar como bem entendesse, sem a intromissão de pai, marido ou irmão. Em outras palavras, conquistou a independência financeira”, afirma a historiadora Marcela Telles, no livro.

    Não parece haver arrependimento por parte de Maria Quitéria. Alguns biógrafos afirmam, entretanto, que ela pediu ao imperador para interceder a seu favor pelo perdão do pai, que jamais aceitou sua participação na guerra. Mesmo assim, ao voltar à Bahia, direto para a casa paterna, “foi saudada com entusiasmo por parentes e irmãos. Seu pai, contudo, dizem, retirou-se da varanda sem dirigir-lhe uma palavra sequer”, escreve Telles.

Produto
  • Independência do Brasil – As mulheres que estavam lá
  • Heloisa M. Starling, Antonia Pellegrino e outras
  • Bazar do Tempo
  • 224 páginas

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Este conteúdo é parte da série “Ecos de Outros 22”, produzida em parceria com o Itaú Cultural, uma organização voltada para a pesquisa e a produção de conteúdo e para o mapeamento, o incentivo e a difusão de manifestações artístico-intelectuais.

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