Das vitrines do centro de São Paulo, agora se vê arte
O projeto arte_passagem apresenta intervenções de artistas consagrados e emergentes levando arte para o cotidiano de quem circula pela região
Quem passa em frente à galeria comercial do Edifício Eifell, projetado por Oscar Niemeyer nos anos 1950, entre um cabeleireiro, uma banca de jornal e uma loja de doces, vê parte de suas vitrines ocupadas por adesivos coloridos, que estão espalhados pelo vidro e que camuflam um piano que reina sozinho dentro do espaço.
Trata-se da mais recente intervenção do arte_passagem, projeto que visa levar arte para além dos espaços tradicionais de museus e galerias convidando artistas a ocuparem vitrines do centro de São Paulo com propostas que dialoguem com o entorno. “É muito potente fazer com que o olhar desatento do passante diante de uma vitrine seja atravessado por algo que não é comercial”, diz o artista paulistano Matheus Chiaratti, um dos idealizadores do projeto. “E é muito interessante ver como cada artista trabalha com esse espaço bidimensional que a vitrine impõe.”
Os adesivos da exposição atual (que vai até 26 de fevereiro) são parte icônica da obra do cearense Leonilson (1957-1993), que os produziu na década de 1980. Eles estão acompanhados por um pequeno texto encomendado à amiga e artista Leda Catunda, também destaque da chamada Geração 80, movimento que sucede a arte conceitual dos 1970 e que tem como principal marca a retomada da pintura e nos dois amigos, expoentes.
É muito potente fazer com que o olhar desatento do passante diante de uma vitrine seja atravessado por algo que não é comercial
No mesmo espaço está uma ocupação de Rafael RG, artista nascido em Guarulhos (SP) e radicado entre Belo Horizonte e Salvador. Apresentada pela primeira vez na SP-Arte, a obra é fruto de uma pesquisa sobre a presença de pessoas racializadas no universo da música erudita, na qual ele resgatou composições silenciadas pela história. Em determinados dias e horários, o músico Luiz Viola executa as peças, convidando o público a observá-lo.
Linguagens da arte em exploração
O arte_passagem, hoje tocado por Chiaratti junto aos artistas Ilê Sartuzi e Pedro Zylbersztajn e ao curador João Paulo Quintella, surgiu em 2018 com a intenção de expandir as possibilidades de linguagem da arte e trazê-la de forma acessível e palpável para trabalhadores, estudantes e moradores do centro de São Paulo. “Grande parte do nosso público nunca pisou num museu. Existem diversos fatores que inibem parte da população desse espaço”, conta Sartuzi.
O projeto primeiramente ocupou vitrines na Galeria das Artes, na rua Sete de Abril. Com a pandemia, tiveram que deixar o espaço e passaram a organizar intervenções online pelo Instagram – outro tipo de vitrine. Em 2020, receberam cerca de 25 artistas, entre eles nomes fortes como Marcelo Cipis e Panmela Castro, que produziram arte em vídeos, carrosséis de fotos e outros formatos.
Grande parte do nosso público nunca pisou num museu. Existem diversos fatores que inibem parte da população desse espaço
A possibilidade de voltar às ruas veio em 2021 com o apoio da Heineken e a plataforma “Green Your City”, que propõe iniciativas que trazem a ideia de sustentabilidade para a vida noturna e a cena cultural e discute as diferentes relações com os espaços públicos das cidades. O projeto já apoiou, por exemplo, a chamada Zona Criativa Grou, que une designers a donos de estabelecimentos independentes da Rua Mateus Grou, em Pinheiros.
A mostra no Eifell começou no fim de novembro de 2021 com Sonia Andrade, octogenária conhecida pelo pioneirismo na videoarte no Brasil, que realizou uma performance com televisão e fotografia. Além dela, a dupla Ana Matheus Abbade e Agrippina R. Manhattan, jovens artistas cariocas, apresentaram uma intervenção com tecidos e letreiros de neon.
Da Documenta para a República
Entre 11 de março e 23 de abril, a última etapa da mostra, o arte_passagem contará com a participação da paulista Renata Lucas, artista que já expôs em eventos internacionais como a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, que vai trazer manequins e outros objetos para dialogar com a vitrine. Junto a ela, seguindo a lógica de mesclar artistas consagrados com nomes em início de carreira, estará o duo formado por Antonio Gonzaga Amador e Jandir Jr., do “Amador e Jr. – Segurança Patrimonial”, cuja obra faz refletir sobre o lugar do segurança dentro de instituições de arte e as relações raciais que permeiam esses ambientes.
Bem inserida no corredor cultural-gastronômico do centro – a galeria Pivô, o restaurante Casa do Porco e a livraria Gato Sem Rabo estão a poucos passos – a atual edição do arte_passagem joga luz sobre o modo como interagimos e pertencemos à cidade neste momento ainda de retomada das ruas.
arte_passagem no Edifício Eifell (Praça da República, 177)
Rafael RG e Leonilson
De 13 de Janeiro a 26 de Fevereiro, segunda a sexta, das 9h às 18h; sábados, das 9h às 13h
Renata Lucas e Amador e Jr. – Segurança Patrimonial
De 18 de março a 23 de abril, de segunda a sexta, das 9h às 18h; sábados, das 9h às 13h