Alê Youssef: ‘Studio SP reabre como local de resistência cultural contra a especulação imobiliária’
Nove anos depois, gestor cultural reabre casa de shows no Baixo Augusta para reaquecer a cultura noturna da região central de São Paulo
Quase nove anos atrás, em abril de 2013, a casa de shows Studio SP fechava de vez as portas na rua Augusta. Ao longo dos seus oito anos de existência, o local, onde se apresentaram artistas como Criolo, Céu, Daniel Ganjaman, Tulipa Ruiz e Bonde do Rolê, entre vários outros, foi considerado um dos principais responsáveis pelo processo de valorização da região do Baixo Augusta.
MAIS SOBRE O ASSUNTO
Das vitrines do centro de São Paulo, agora se vê arte
Até sua balada pode ser mais sustentável
Neste mês de março, no entanto, chega para os órfãos da agitação cultural promovida na região uma notícia encorajadora. O gestor cultural Alê Youssef, que há algum tempo vinha retomando os trabalhos dentro do projeto — do qual foi um dos fundadores, ao lado dos empresários Guga Stroeter e Maurizio Longobardi, que morreu em 2020 –, acaba de reabrir o Studio SP.
Ao longo de março, a casa vai servir de palco para nomes já bem conhecidos do público frequentador e também vários artistas que vêm surgindo no cenário musical brasileiro ao longo dos últimos anos. Entre os principais nomes, estão Tom Zé, Mariana Aydar, Art Popular, o quarteto Bala Desejo, Tulipa Ruiz e Curumin.
O Baixo Augusta vem sofrendo ao longo da pandemia com as restrições e o distanciamento, o que levou restaurantes, bares, casas de show, baladas e espaços culturais da região a fechar as portas. A covid-19, recentemente com o avanço da ômicron, também impediu por dois anos consecutivos o desfile de um dos principais blocos carnavalescos de São Paulo, o Acadêmicos do Baixo Augusta e fez com que Youssef adiasse a reabertura da casa em 2022, inicialmente programada para janeiro depois de 45 dias de atividades entre novembro e dezembro de 2021. A volta do Studio SP traz consigo uma proposta de reaquecer a vida noturna cultural e boêmia no local e de homenagear o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.
O projeto reabre em parceria com a Heineken e a plataforma”Green Your City”, que busca promover a manutenção de espaços sociais urbanos como ambientes de convívio, difusão de vozes diversas e reflexões a respeito do futuro das cidades de forma mais sustentável. Também participam como sócios do projeto o empresário e presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, Alê Natacci, e Ronaldo Lemos, advogado especialista em tecnologia e apresentador do programa “Expresso Futuro” (Futura e Globoplay) e ex-curador do Tim Festival. A reabertura da casa será temporária, até dezembro de 2022.
Um dos motivos para o encerramento do Studio SP lá atrás, a agressiva especulação imobiliária que acontecia na região na época continua sendo um dos focos de combate dentro do projeto, tendo como principal arma o incentivo à cultura. “Tenho esperança de que a presença do Studio SP na região possa funcionar como um indutor de novos negócios relacionados à cultura da noite, mantendo viva a tradição da rua Augusta como espaço de convívio, experimentação e criatividade”, afirma Youssef.
Alê Youssef, gestor cultural e sócio da casa noturna Francio de Holanda-Studio SP
A seguir, Gama bate um papo com o gestor cultural e ex-secretário de Cultura da cidade sobre a retomada da agitação noturna em São Paulo e as perspectivas para o futuro cultural da metrópole. Ao final da entrevista, incluímos ainda uma playlist que é a cara do Studio SP.
A Augusta é um ponto de encontro social e cultural desde os anos 1950, e é incrível notar como isso se renova ao longo das décadas
-
G |Como nasceu a ideia de fundar o Studio SP em 2005? Qual era o cenário cultural em São Paulo naquela época?
Alê Youssef |Depois de quatro anos de trabalho à frente da Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de São Paulo, entre 2001 e 2004, percebi que alguma coisa muito especial do ponto de vista cultural estava acontecendo na cidade. Naquela época, a cidade fervia com festivais como o Agosto Negro, que foi o maior festival de hip hop da América Latina, e com a Semana Jovem, que era produzida em parceria com diversos expoentes públicos e privados da cultura jovem, como rádios, TVs, editoras, clubes noturnos, casas de shows… O projeto gerava mais de 500 eventos espalhados pela cidade, com o objetivo de agitar São Paulo e dar viabilidade às novas cenas urbanas. O Studio SP nasceu nesse contexto e da parceria com meus amigos e sócios Maurizio Longobardi e Guga Stroeter. A ideia original que levei a eles era de uma espécie de centro cultural onde fosse possível fomentar artistas por meio de residências. Em menos de um mês ajeitamos tudo e, de forma bastante improvisada, nasceu o Studio SP na Vila Madalena, no segundo semestre de 2005. Os primeiros meses de funcionamento da casa foram a prova de que estávamos vivendo o tal momento especial na cidade.
-
G |A casa funcionou por anos como uma plataforma de lançamento de artistas da nova música brasileira e até internacional. Quais foram para você alguns dos encontros e shows mais emblemáticos daquela primeira fase?
AY |Foram muitos, não é justo citar apenas um ou outro. Mas a credibilidade dos artistas, músicos e produtores que se envolveram com o Studio em meio à cena emergente da nossa música posicionou a casa como um ponto de encontro de novos artistas, promotores, jornalistas e aficionados por música. Com as parcerias, surgiu a noção de uma cena se formando, com noites muito fortes tanto do ponto de vista artístico como comportamental, que ajudaram a moldar as características da nova geração musical da cidade.
-
G |Você imagina o Studio SP fora do centro de São Paulo? Qual a ligação com essa região da cidade?
AY |Dois anos e meio depois da abertura na Vila Madalena, meu sócio, Maurizio, veio com a ideia de transferir o Studio SP para um galpão na rua Augusta, em busca de melhores condições técnicas para os shows e mais conforto para a plateia. Não se tratava só de uma mudança de endereço de uma casa, mas da transferência do ponto de encontro de uma cena muito vibrante e promissora da música brasileira para a rua que se mostrava mais vibrante e promissora da cidade. A Augusta tem um caráter boêmio e de ponto de encontro social e cultural pelo menos desde os anos 1950, e é incrível notar como isso se renova ao longo das décadas.
-
G |Em 2013, quando o Studio SP fechou as portas, você mencionou a especulação imobiliária na região do Baixo Augusta. Agora, oito anos depois, como está o cenário? Como é possível resistir a esse processo de gentrificação?
AY |O Studio SP reabre como local de resistência cultural contra a especulação imobiliária e em favor dessa região tradicionalmente boêmia e cultural da cidade, o Baixo Augusta. Tenho esperança de que a presença do Studio SP na região possa funcionar como um indutor de novos negócios relacionados à cultura da noite, mantendo viva a tradição da rua Augusta como espaço de convívio, experimentação e criatividade. Após a reabertura do Studio, já notei a retirada de algumas placas de “aluga-se” que antes estavam penduradas em imóveis da região.
-
G |Qual a importância dessa parceria com a Heineken e outras marcas, como apoiadoras não só financeira, mas também culturalmente, nessa fase de retomada da vida cultural?
AY |São muito importantes os constantes investimentos públicos e privados na economia criativa da cidade e do país. A cultura foi o primeiro setor a entrar em crise e será o último a retomar com toda sua potencialidade após a pandemia. É importante que os produtores, artistas e o público também se envolvam no processo de retomada para que essa roda volte a girar, gerando emprego, renda e exercendo o papel social fundamental da cultura em sua plenitude.
A cultura pode ser uma saída justa, próspera, sustentável e democrática para a crise que vivemos. É um setor que gera muito emprego e renda
Francio de Holanda-Studio SP
-
G |Como uma casa de shows como o Studio SP pode contribuir com reflexões a respeito do futuro da cidade?
AY |A melhor forma de as pessoas envolvidas na cultura – casas, produtores, artistas, etc. – reconstruírem alternativas para buscar novos horizontes é se entenderem como um setor, sem divisões internas e brigas mesquinhas. Lutar em conjunto, em unidade, para fazer com que exista a compreensão de que a cultura está no eixo central do desenvolvimento econômico e social das cidades e do país. A cultura pode ser uma saída justa, próspera, sustentável e democrática para a crise que vivemos. É um setor que gera muito emprego e renda. É necessário fazer com que a elaboração dos processos políticos e planos de governo de candidatos preveja isto, que a cultura deve ser protagonista. As casas noturnas e espaços culturais também têm que ser protagonistas nesse processo de inclusão e desenvolvimento econômico que a cultura pode gerar.
-
G |A reabertura da casa foi saudada com nostalgia por quem viveu aquela fase de reocupação e efervescência do Baixo Augusta. Mas o contexto, cultural e politicamente, é bem diferente. Como manter esse caráter de radar de novidades em época de streaming e do consumo rápido das redes, em que a cada hora há um novo lançamento? E como atender a esse público saudosista, e ainda atrair os mais jovens, que não viveram a primeira fase?
AY |Respondendo às duas perguntas: eu sei que não é a casa que faz uma cena, mas a cena que escolhe uma casa. Sinto muita gratidão pelo Studio ter sido escolhido no passado e agora novamente. O carinho e a relação com os artistas, com a cena e com o público têm sido maravilhosos, sempre foram. E é nisso que pensamos quando trabalhamos nas questões de curadoria, programação, produção, comunicação e operação da casa.
VEJA TAMBÉM:
Letrux: “Eu sou devota do amor. Eu amo o amor”
Navegar além da dor
A noite encantada de Johnny Hooker