Pai é quem cuida — Gama Revista
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Fotos: Arquivos Pessoais

Pai é quem cuida

Histórias de paternidade, afeto e muito aprendizado, que vão na contramão dos números de abandono paterno e sobrecarga de mães

Manuela Stelzer 06 de Agosto de 2021

No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça. As razões para o abandono são diversas, mas o fato é que a falta de cuidado e de acolhimento por parte da figura paterna recai como mais trabalho e preocupação sobre as mães. São mais de 11 milhões de mães solo no país, mulheres que, ainda mais durante a pandemia, ficaram absolutamente sobrecarregadas pela ausência — ou pouca participação — de um pai.

Do outro lado da moeda, há homens que enfrentam todos os obstáculos da paternidade, não importa a maneira como ela se apresente. O feito exige coragem, e é uma contribuição não só para a relação entre pai e filho, mas também para as mães. “Culturalmente tendemos a atribuir à maternidade uma atmosfera mítica que paira sobre mãe e filho, e comumente deixam o pai fora dessa lógica”, explica o psicólogo e doutor em ciências da educação Alessandro Marimpietri, também autor do livro “Quando Somos um Só” (Solisluna Editora, 2021) sobre a relação entre pais e filhos. “Isso sobrecarrega as mulheres, não dá chance aos pais e retira das crianças a possibilidade do afeto circular entre elas e quaisquer adultos que queiram assumir a posição do cuidado e referência.”

Tornar-se pai não é um estalo, e sim um processo

De acordo com ele, ser um bom pai é um aprendizado no gerúndio — acontece como “trocar o pneu do carro andando”. Diz ainda que, em uma relação paterna, poucas coisas fogem da singularidade, e que o melhor manual é o próprio filho. Francisco Bosco, pai de três (além de escritor, filósofo e compositor) é um dos que aprendeu justamente com a experiência. “Penso que se tornar pai não é um estalo, e sim um processo”, diz a Gama. “Acho que todo pai, antes de seu filho ou filha nascer, tem alguma insegurança sobre seu papel ou sua capacidade de cuidar. Eu mesmo me preparei de todas as maneiras. Mas quando a criança nasce, surge imediatamente uma intimidade, que traz consigo capacidades que você não julgava ter.”

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Arquivo Pessoal

Bosco teve dois filhos no primeiro casamento e, com a atual companheira, teve a caçula, agora com oito meses. Com bastante bagagem no caminho da paternidade, ele entende que um bom pai é aquele que propicia segurança e confiança ao pequeno, uma consequência do amor dos que cuidam. “Mas é também se responsabilizar por todos os aspectos da vida dos filhos, e tomar cuidado com o próprio narcisismo. Você pode machucar e prejudicar o desenvolvimento dos filhos caso tente impor a eles o que gostaria que eles fossem, em vez de aceitar, apoiar e amar o que eles efetivamente são.”

Pai não é só de sangue

Em 2015, depois de um processo demorado e burocrático, o jornalista Gilberto Scofield e o corretor de imóveis Rodrigo de Mello, seu marido, adotaram o Paulo Henrique, na época com 5 anos. “Felizmente, eu tenho um conceito de família que é baseado nas pessoas que você escolhe, e não necessariamente nas que são ligadas a você por questões biológicas”, conta Scofield. “Por essa concepção, sempre entendi que família poderia ser construída.” O jornalista, que teve sua sexualidade pouco aceita pelos pais e parentes, diz que ninguém tira de sua cabeça que ele tem, de fato, uma família. “Há muito tempo que paternidade e maternidade têm pouca relação sanguínea e muita relação com o simbólico. Todo filho, biológico ou não, precisa ser adotado por seus pais. É disso que se constitui a relação parental. Pai é quem cuida, assume, aposta”, diz Marimpietri.

Todo filho, biológico ou não, precisa ser adotado por seus pais. É disso que se constitui a relação parental. Pai é quem cuida, assume, aposta

Além da paternidade em si, a adoção trouxe ensinamentos e grandes desafios, ainda mais por ser interracial. “Em situações de ataque, de preconceito contra o meu filho, me encontro em um dilema.” Scofield explica que sabe se defender da discriminação que sofre por ser parte da comunidade LGBTQIA+, que é muitas vezes disfarçada de comentários ingênuos e piadas bobas. “Mas em relação ao meu filho, não sei se tenho direito de expô-lo mesmo se for para defendê-lo, já que eu não sou negro e não entendo esse tipo de preconceito. Então, qual é a melhor forma de lidar?” Foi quando procurou uma amiga para ajudá-lo, a jornalista Flávia Oliveira. “Basicamente, ela disse que cada caso é um caso, mas que é sempre melhor reagir longe dele, se possível. É essa orientação que sigo até hoje”, conta a Gama.

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Arquivo Pessoal

Os desafios não param por aí. Para o jornalista, um bom pai é aquele que consegue equilibrar e entender cada fase do filho, quando é preciso intervir, e quando é preciso deixá-lo livre para que aprenda por si só. “É muito difícil fazer essa transição da proteção absoluta para a liberação supervisionada, mas acredito que ela é a melhor opção para o desenvolvimento dos filhos.” Também relembra que nada está totalmente sob domínio dos pais, algo que ele aprendeu com o filho e, mais tarde, com a filha, quando Scofield e o marido acolheram também a Rafaela, irmã de sangue de Paulo e dez anos mais velha. “As coisas saem do controle também, e isso é normal. O máximo que um pai pode fazer é orientar, e não pirar [risos].”

Paternidade que é presente

Toda paternidade é um presente, muitos pais a definem assim. Mas no caso do comediante Robson Nunes, é ainda mais. “A Morena hoje está com nove anos, vai fazer dez no dia seis de agosto que, pasmem, é o mesmo dia do meu aniversário. Foi o meu maior presente. Brinco com a Michele [esposa] que ela me sacaneou, porque eu nunca vou conseguir igualar um presente desses [risos].”

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Arquivo Pessoal

Nunes é uma das personificações da definição que o psicólogo Alessandro Marimpietri dá para a paternidade — uma experiência transformadora. Ao conversar com Gama, o comediante admitiu: “Posso falar sobre isso por horas. Só vivendo para saber o que é”. Às vezes é vítima da própria personalidade, porque deixa de ser levado a sério pela filha. Foi assim que entendeu a importância do equilíbrio entre a brincadeira e os momentos de seriedade. “Ser um bom pai é saber dosar também, não é ser legal o tempo todo não. Você tem que colocar a real para o teu filho ali, sabe? Porque tem hora para a brincadeira e tem hora para bronca.”

Mesmo que ser duro na queda nem sempre seja fácil para os corações de manteiga, Nunes coleciona aprendizados. “É um conjunto de sensações, desde observar a evolução do pequeno, até identificar semelhanças com você. Nem sempre são semelhanças que admiramos em nós mesmos. Pode ser um olhar, uma atitude que queremos mudar. É quando você aprende com o filho também”, explica. Diz, além disso, que foi com a sua pequena Morena que descobriu o significado de amor, diferente de tudo que ele havia vivido até então. “Cada amigo meu que anunciava a gravidez, eu já logo dizia: ‘prepare-se para descobrir o que é amor’, porque cara, com filho é diferente de qualquer outra coisa. Aquele serzinho te ama de graça, é um amor incondicional.”

Alguém para contar

Há também uma situação delicada em que uma figura paterna e que cuida não é exatamente o pai. É o caso do advogado Pedro* (um pseudônimo, já que ele preferiu falar sob anonimato), que ao casar com uma mãe de duas meninas precisou descobrir seu papel dentro da nova dinâmica. “Quando você encontra uma mulher com filhos e a figura paterna é ausente, acho que é mais fácil para a pessoa que ocupa aquele espaço, porque há um cargo vago. No meu caso não era assim.” O pai biológico das meninas desde sempre esteve presente na vida das duas e, de acordo com Pedro, é um cuidador incrível. “Precisei entender e encontrar o meu lugar na família, porque o cargo de pai já estava ocupado.”

Para Pedro, a premissa da relação entre ele e as filhas da esposa é o respeito mútuo. Claro que as complicações existem, afinal, tudo que envolve as decisões sobre as enteadas não é uma discussão que ele faça parte. “É uma questão do ex-casal, e eu não entro nisso.” O resto está no campo dos afetos, e não depende apenas de um lado para que possa se desenvolver. “Não há dúvida que elas ocupam um espaço importante na minha vida. Quero que essa relação só cresça, aumente, e invisto nisso. É algo que até já verbalizei: quero que elas olhem para mim e vejam alguém com quem possam contar.”

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