O que dificulta reconhecer outros tipos de paternidade? — Gama Revista

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O que dificulta reconhecer outros tipos de paternidade?

© Humphrey Muleba/ Unsplash

É preciso dar visibilidade aos pais pretos, gays, trans, deficientes e de outras tantas minorias, escreve o historiador Luciano Ramos

Luciano Ramos 10 de Agosto de 2020

A discussão sobre exercício de paternidades no Brasil está intrinsecamente ligada às normas vigentes de masculinidades, que ainda resistem em se manifestar por meio de atitudes machistas. Num país com tantas desigualdades que vulnerabilizam crianças e adolescentes — e aqui queremos discutir sobre a ausência da figura paterna – parte da sociedade está preocupada com a identidade de gênero, descaracterizando a paternidade cuidadosa e responsável que homens não heteros podem desenvolver relacionados aos seus filhos e suas filhas.

O abandono paterno é um tema complexo e que demanda que nos debrucemos sobre ele com uma lupa, pois há inúmeros fenômenos que o ocasionam, mas aqui não vamos falar dessas causas, e sim sobre possibilidade de crianças e adolescentes encontrarem as paternidades, em suas diversidades, e assim serem cuidadas. Quando a sociedade rejeita uma paternidade, ela retira de uma criança a possibilidade de ser cuidada e protegida por uma pessoa que está disposta a contribuir para o seu desenvolvimento, ao mesmo passo que não permite a um indivíduo manifestar-se plenamente como se sente.

Parte da sociedade está preocupada com a identidade de gênero, descaracterizando a paternidade cuidadosa e responsável que homens não heteros podem desenvolver

Historicamente, o Dia dos Pais, no Brasil, sempre foi celebrado na mídia com as mesmas figuras representando raça e gênero (homens heterossexuais e brancos), em raras exceções algumas empresas apresentavam em seus comerciais a figura do pai preto. Todavia, um pai com outra identidade de gênero não. É interessante perceber que as empresas na última década começaram a investir mais nos seus grupos de diversidades e passaram a entender que o tema de responsabilidade social empresarial está para além de incidência interna, mas precisam incidir positivamente na sociedade através de seus produtos e serviços. E não é diferente no que se refere às paternidades.

Nos últimos dias a sociedade brasileira foi tomada por uma polêmica protagonizada por parte da comunidade conservadora do país. O homem trans, que é pai, Thammy Miranda – ator de 37 anos, sofreu inúmeros ataques por ser o rosto da campanha da empresa de cosméticos e perfumes Natura. Daí, faz-se necessário analisar paternidades na ótica da pluralidade, já que até aqui as paternidades são lidas e avaliadas a partir de um único modelo ideal: branca e heteronormativa – também chamadas de paternidades hegemônicas. Quando a leitura é feita a partir destes determinantes desconsidera-se todas as outras formas de exercício de paternidades com recortes de raça, gênero e classe social.

Quero abaixo trazer alguns dados para fazermos uma breve análise:

  • Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2019, 5,5 milhões das crianças não tinham o nome do pai no registro de nascimento;
  • Segundo o site R7.com 80 mil crianças são abandonadas por ano no Brasil;
  • A cada 3 dias uma pessoa trans morre no Brasil;
  • Segundo o IPEA, 21,9 milhões das famílias no Brasil são chefiadas por mulheres
  • Mais da metade das famílias chefiadas por mulheres no Brasil o são por mulheres negras;
  • Segundo a ONU, a cada 23 minutos morre um jovem preto no Brasil.

Então, poderíamos perguntar o que dificulta a sociedade de reconhecer outros tipos de paternidades. Eu diria que é o preconceito, embasado no machismo como elemento basilar desta mesma sociedade. Esse mesmo grupo social reconhece uma paternidade heterossexual e branca com todos os seus erros e crimes, mas descaracteriza outros modelos de paternidades que se diferenciam da norma. Paternar, por aqui, com liberdade ainda é um desafio quando não se faz parte das paternidades hegemônicas, por isso campanhas como a citada no início deste texto são importantes. Faz-se necessário dar visibilidade aos pais pretos, gays, trans, deficientes e de outras tantas minorias, para que ao se sentirem representados sejam empoderados no exercício de suas paternidades.

E aos que fazem parte das paternidades hegemônicas, o primeiro grande exercício a fazer é reconhecer o privilégio que possuem, e o segundo é unirem-se às minorias numa luta para que seja alcançada uma mudança estrutural deste modelo vigente de sociedade machista e violenta. Aí sim será possível celebrar o Dia dos Pais!

Luciano Ramos é historiador e consultor em Masculinidades e Paternidades, Saúde do Homem e Violências Baseadas em Gênero pelo Instituto Promundo.

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