Quando o amargo é melhor — Gama Revista
Getty Images / Thiago Quadros

Quando o amargo é melhor

Para os fãs do amargor, aprender a degustar alimentos e bebidas com esse sabor traz mais complexidade, riqueza e diversidade para o paladar

Betina Neves 19 de Novembro de 2021

Os brasileiros estão cada vez mais abertos a provar sabores amargos, como mostramos em reportagem desta série. Para além do estereótipo negativo que uma vez teve, o amargo tem sido redescoberto em suas complexidades de sabor e possibilidades de combinação na gastronomia, coquetelaria, confeitaria e outros âmbitos.

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Como atestam os apreciadores do amargor que falaram a Gama, gostar do sabor é um aprendizado, que pode ser mais ou menos natural dependendo da nossa educação alimentar. Para eles, o acesso à informação, a maior conscientização em relação ao uso do açúcar e a uma maior disponibilidade de produtos de melhor qualidade têm possibilitado essa abertura para o amargor, junto a um processo de sofisticação do paladar.

A seguir, eles contam um pouco sobre esse caminho e como veem a presença do amargo no dia a dia.

 Rodrigo Bacellar

‘O amargo traz um elemento da degustação, provamos algo com mais atenção e tempo’

Marcos Martins, consultor de bebidas, barista e sommelier

“O amargo foi entrando na minha vida aos poucos, quando eu era criança não tinha isso de chocolate amargo no supermercado. Eu fui criando um vocabulário do amargor, e aprendendo a diferenciá-lo do azedo e do adstringente, que é uma coisa que as pessoas confundem. Para mim, diferente de algo muito doce, por exemplo, o amargo traz um elemento importante da degustação, até pela própria complexidade do sabor: paramos para contemplar, consumir algo mais devagar, vamos menos no automático. Você não come uma barra inteira de chocolate 70% como faria com um ao leite. E o amargo não anda sozinho, ele precisa estar sempre muito bem acompanhado, é só ver as combinações que se faz com bitter na coquetelaria. Eu vejo essa busca por novos sabores vindo muito forte nos últimos anos, as pessoas estão mais curiosas. Hoje eu já mostro para o meu filho de oito anos: olha, isso aqui é amargo.”


 Divulgação

‘É importante frisar a qualidade do amargo’

Carla Saueressig, especialista em chá e erva mate

“Eu brinco que tem o amargo do bem, como aquele que você sente em um chá e o café de boa qualidade, ou com as cervejas com lúpulo mais intenso: o amargor vem no começo e depois passa, fica agradável. Agora, o amargo metálico de um remédio, por exemplo, é horrível, ele não vai embora, persiste na boca. E isso tem a ver com o preparo também: se você deixar o chá passar do tempo de infusão certo ou colocar muito chá pra determinada quantidade de água, vai ficar realmente muito amargo. Agora, se fizer da maneira correta, vai ver que mesmo um chá perto tem um amargor muito sutil. Acho que a evolução do gosto nesse sentido no Brasil tem a ver com consumir coisas com um pouco menos açúcar e mais alimentos in natura, e também ampliar a percepção e identificação de sabores – já vi gente dizendo, por exemplo, que limão é amargo, quando, na verdade, é ácido.”


 Divulgação

‘Quanto mais repertório, mais liberdade se tem no amargo’

Laura Miranda, modelo e cozinheira formada pela Le Cordon Bleu

“Eu adoro alimentos amargos – folhas escuras, por exemplo, como almeirão, agrião, rúcula, mostarda. Em se tratando de bebidas alcoólicas mais amargas, comecei a me aventurar há pouco mais de um ano. Tenho em mente que, quanto mais repertório – ou seja, quanto mais se prova e se conhece –, mais liberdade se tem nesse sentido. O que já foi amargo para mim há anos ou meses deixou de ser a medida que meu paladar se acostumou e, ao mesmo tempo, me permiti conhecer alimentos ainda mais amargos. Acho que o cenário está mudando e hoje vejo que a combinação de elementos doces e ácidos combina superbem com alimentos amargos. Gosto muito de comer endívia com queijos mais doces, por exemplo, ou chocolates bem amargos com cafés com acidez e dulçor presentes.”


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‘O amargo é um sabor que está na natureza, precisamos nos abrir para ele’

Juliana Brasil, chef do Ayo Gastronomia

“Eu passei por esse processo de mudar minha percepção sobre o amargo, de entender realmente o que é esse sabor, e hoje eu gosto muito. Inclusive, quando eu trabalhei em cozinhas escolares, eu me desafiava a trazer mais alimentos amargos para as crianças, para ajudar a diminuir esse estranhamento. Hoje, eu valorizo muito cada alimento pelo que ele é, e vou brincando com os sabores para que eles conversem de forma harmônica. Trabalho com mostarda, por exemplo, faço pesto de rúcula, que é mais forte, uso cacau 100% como base para pães e molhos. Também comecei a procurar cervejas mais amargas, que vão muito bem com frituras e com carnes mais fortes, condimentadas. O amargo é um sabor que está na natureza, e abrir nossas papilas gustativas para poder explorá-lo vai diversificando nossa experiência.”


 Valdo Mendola

‘Podemos introduzir o amargo na confeitaria equilibrando-o com outros sabores’

Viviane Wakuda, chef confeiteira

“Desde criança eu tive contato com coisas amargas, principalmente leguminosas. Minha família é do sul do Japão, e lá se come muito nigagori, aquele pepino bem amargo, e eu cresci com isso, até cru eu gosto muito. Depois, estudando, eu vi que eu poderia usar o amargo também na confeitaria, e hoje um dos principais componentes com o qual eu trabalho é o matchá, de chá verde. Eu faço, por exemplo, um bombom de matchá com chocolate branco e recheio cítrico. Acho que assim, equilibrando com outros elementos, é a melhor forma de introduzir o amargo na confeitaria, e, apesar de os brasileiros ainda consumirem doces muito doces de forma geral, as pessoas estão se abrindo cada vez mais para descobrir outros sabores.”


 Anderson Freire

‘É possível sentir muito prazer com alimentos amargos’

Ieda de Matos, chef de comida nordestina

“Eu acredito que se acostumar com o amargo é uma grande evolução do paladar. Quando a gente é criança é mais difícil, mas depois a gente vai vendo que é possível sentir muito prazer em comer alimentos com amargor. Em relação a bebidas eu tenho uma tolerância muito grande, tomo chá de boldo quase todo dia, café puro também. Consigo me libertar bastante do açúcar, que acho que atrapalha para sentir o sabor e o aroma reais das bebidas. Agora estou descobrindo as cervejas e apreciando essas notas sensoriais mais amargas. Na minha cozinha, eu sempre agrego um ingrediente amargo, e uso técnicas para a pessoa não o empurrar para o canto do prato, como servir o jiló defumado, por exemplo.”

logo cerveja becks

Este conteúdo é parte de uma série sobre o sabor amargo, produzida com o apoio da cerveja Becks.

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