Trecho de Livro: Felizes por Enquanto, de Geni Núñez — Gama Revista

Trecho de livro

Felizes por Enquanto

Novo livro de Geni Núñez, de “Descolonizando Afetos”, aborda relações para além das imposições sociais, num debate que a autora deve levar à Flip

Leonardo Neiva 20 de Setembro de 2024

É ao apresentar novas perspectivas e formas de repensar nossos relacionamentos amorosos que a psicóloga, ativista e escritora indígena Geni Núñez vem ganhando cada vez mais notoriedade e reconhecimento. Ao sucesso do livro “Descolonizando Afetos” (Paidós, 2023) — em que propõe uma visão anticolonial sobre a exclusividade das relações afetivas e também novas formas de amar — ela agora acrescenta os versos do igualmente potente “Felizes por Enquanto” (Planeta, 2024).

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Após ver seu livro entre os mais vendidos na última Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, Núñez é presença confirmada no evento neste ano. Desta vez, vai compartilhar uma das mesas da programação principal com a escritora espanhola Brigitte Vasallo, autora de “O Desafio Poliamoroso” (Elefante, 2022), num debate que deve contestar as relações monogâmicas como base da nossa sociedade e política. Núñez também costuma trazer à tona questões relacionadas à ancestralidade, já que parte justamente do pensamento indígena e decolonial para questionar as barreiras que ainda existem nos afetos contemporâneos.

Embora difícil de botar numa única caixinha, já que reúne poesia, reflexões sociológicas, trechos confessionais e referências a diversos pensadores, “Felizes por Enquanto” parte dessa mesma visão de que não existe um jeito único de estar e se relacionar no mundo. Através de memórias e pensamentos íntimos, Núñez vai construindo um caminho também bastante pessoal sobre esse e outros temas, refletindo sua defesa das pluralidades e a impossibilidade de existir de forma plena em meio a binarismos e imposições sociais.


Meias coragens

Coragem ou covardia, assim diametralmente opostas, dificultam nossa possibilidade de celebrar as meias coragens e de acolher as covardias não completas
Pode ser que, para alguém, a coragem não esteja em andar de bicicleta sem as duas mãos no guidão, e sim em conseguir soltar uma delas
Pode ser que não tenha conseguido dizer “na cara” tudo que precisava ser dito, mas pelo menos uma parte conseguiu expressar
Pode ser que não tenha ainda conseguido terminar uma relação abusiva, mas conseguiu colocar alguns novos limites, dizer mais alguns nãos, mesmo que para si
E pode não ter gargalhado muito, mas conseguiu rir um pouco
E, em vez de chorar todos os dias, já percebe alguns intervalos maiores de serenidade
O tempo das nossas emoções é sazonal, cheio de idas e vindas
O dia não evolui para a noite, nem a noite para o dia
, o movimento não tem começo ou fim
Nossa saúde não é individual, há muito mais nela que nos excede
As barreiras não são as mesmas para todos, por isso construímos nossa própria ideia de coragem, covardia, força e fraqueza
Como nos ensina Leda Martins, “dançar é uma coreografia de retornos, é inscrever no tempo”, pois nós somos o sonho de nossos ancestrais, e eles sonharam e confiaram que nós conseguiríamos atravessar e dançar

Pode ser que não tenha ainda conseguido terminar uma relação abusiva, mas conseguiu colocar alguns novos limites, dizer mais alguns nãos

Quando penso em você

Não penso em você o tempo todo, talvez nem todo dia
Mas é sempre com carinho quando penso
Mentira, às vezes também tenho raiva de você
Em meus pensamentos, julgo suas atitudes e decisões, penso que você deveria ter agido de outra forma, recrimino suas paixões
Às vezes, chego a reproduzir suas falas de modo distorcido e sem sentido e digo, fazendo sons ininteligíveis, que você se expressou assim:
“Porque não sei o quê, porque não sei o que lá”
E percebo que talvez eu é que não saiba, não compreenda que o que eu descrevo como ruído na verdade é o seu sentido
Que aquilo que me parece tão ínfimo e indigno de reclamação para você pode ser algo grandioso
Esqueço-me das tantas vezes que você me acolheu e amparou e faço birra quando uma ou outra vez você não pode ou não quer fazê-lo
Espero tanto de você que corro o risco de te sobrecarregar, o que lhe tira o direito de ser gente, de não dar conta de tudo
Nesses segundos que parecem uma vida, me vejo procurando suas mãos frias para aquecê-las com as minhas, sempre quentes
E te agradeço por ser um refresco quando me sinto esquentando demais
Viu? Não é sempre que penso em você, mas, quando penso, me sinto no direito de te amar de forma não idealizada
Na alegria, raiva, tristeza ou carinho, sinto a confiança de saber que tenho liberdade de imaginar uma vida sem você
Mesmo quando o que mais quero é seguir contigo

Sinto a confiança de saber que tenho liberdade de imaginar uma vida sem você/
Mesmo quando o que mais quero é seguir contigo

Produto

  • Felizes por Enquanto
  • Geni Núñez (Genipapos)
  • Planeta
  • 160 páginas

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