Coluna da Vanessa Rozan: "Essa tal liberdade" — Gama Revista
COLUNA

Vanessa Rozan

Essa tal liberdade

O Instagram não permite nudez mas tá cheinho de corpos magros femininos brancos e jovens, tudo a serviço do algoritmo. A quem serve essa tal liberação dos mamilos femininos?

23 de Janeiro de 2023

Parece que a Meta tá pensando em liberar os mamilos femininos nas publicações de suas redes, em especial no Instagram. Ando interessada em saber mais sobre essa grandiosa causa de muitas feministas brancas ocidentais e lendo diferentes opiniões sobre o assunto, mas não, eu não tenho uma opinião minha, só tenho alguns fatos para que a gente possa pensar.

Sabem da brincadeira de postar foto seminua com a legenda “cortei o cabelo, gostaram?”, ou de acenar para o algoritmo e postar uma foto com mais pele à mostra, dizer que quer ganhar biscoito, e na sequência ser notada com mais likes? Todo mundo sabe, a essa altura, que sim, fotos de corpos de mulheres brancas com roupas íntimas ou de banho têm maior probabilidade de aparecer no feed de seus seguidores do que outros.

O algoritimo pode ser abstrato demais para que a gente possa botar a culpa em alguém, mas vamos resumir que, se ele é definido pelo comportamento dos próprios usuários, então sim, o corpo feminino sexualizado vende, pornografia vende e o capitalismo já entendeu isso. Mas alto lá, em 2020 uma influenciadora negra e gorda já denunciava que suas postagens que mostravam mais pele eram banidas pela rede. Então não é qualqueeeeer corpo que vende, é um específico.

Senhoras, a resposta patriarcal para os avanços da segunda onda feminista, que levantou pautas sexuais importantes, em especial a discussão de que indivíduos pudessem viver sua sexualidade de forma mais livre, foi a popularização da pornografia. Alô Hustler, alô Playboy.

Não acho que é liberando o mamilo que vamos sair dessa

O Instagram não permite nudez em suas regras mas tá cheinho de corpos magros femininos brancos e jovens, com pouca roupa, seguindo poses que eu, que sou da semiótica, posso dizer que quase me lembram as publicações citadas acima, só que em outras poses ecom o verniz do empoderamento e da liberdade individual, seguindo a receita de imagem da mulher sexualmente livre que surgiu nos anos 70.

Agora, lembro uma vez que a pessoa com a qual eu me relacionava na época, foi me mostrar uma busca no seu Instagram, e ali na página de posts que a plataforma sugere segundo o seu interesse, eu só via vídeos e fotos de mulheres de biquíni e lingerie. Lembro que ele gostava de dar like nas fotos das moças seminuas, mas se essas subissem outro conteúdo, como a foto de um pet ou de uma planta, essas imagens não recebiam a mesma atenção do tal companheiro do passado. Engraçado, né? Acho que o interesse não era tanto sobre o sujeito ‘dona do perfil’ e sim sobre ‘o objeto corpo’ do perfil. Mas deixa essa para a terapia. A dele, não minha.

Você pode me ler e pensar “mulher, o corpo é meu, eu faço o que eu quiser”, e claro, sim, eu não teria que dar opinião sobre postar ou não fotos com menos roupa, cada um sabe o que faz. O lema da tal campanha #freetheniple quer assegurar que nudez não é pornografia. E não seria, se o corpo feminino não tivesse sido (e segue sendo) objetificado e sexualizado por toda a cultura de massa durante anoooooooos.

O meu ponto é acender um farol para que a gente possa enxergar melhor a estrutura em que estamos imersas, que nos é vendida como libertadora, moderna, transgressora e empoderada. Onde é possível colocar nossos corpos e nossa intimidade como bem entendermos, melhorando ainda a nossa autoestima. “A transparência e a exibição são traços inerentes das sociedades neoliberais”, como afirma Byung-Chul Han em “A Sociedade da Transparência”. “O excesso de exposição transforma tudo em mercadoria”, e que mercadoria que você conhece que é sedutora e sexualizada?

No fim, me pergunto, a quem serve essa tal liberação dos mamilos femininos? Não concordo que a mesma parte do corpo tenha regras diferentes para homens e mulheres, como não concordo que uma mulher receba menos ocupando o mesmo cargo, como não concordo que a gente não tenha autonomia para decidir se queremos ou não levar uma gestação adiante e por aí vai. Não concordo que mulheres sigam sendo violadas, abusadas e mortas apenas porque são mulheres e meninas. Só não acho que é liberando o mamilos em nome de uma tal liberdade e da expressão individual (ou da arte) que vamos sair dessa. Tenho solução? Não.

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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