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COLUNA

Observatório da Branquitude

A radicalidade negra perante a branquitude

Luiz Melodia era a radicalidade negra inconformada com os lugares reservados para nós pela branquitude

22 de Janeiro de 2025

Estreou nos cinemas o filme “Luiz Melodia — No coração do Brasil”. Estive na pré-estreia em São Paulo e enfrentei filas intermináveis para entrar no CineSesc, na famosa Rua Augusta. A despeito do incômodo por estar na garoa fina em meio a um emaranhado de pessoas rigorosamente alinhadas em busca de um ingresso, foi um alento saber que tanta gente se interessava pela obra magistral do Negro Gato, um artista que criou e reiventou mundos não óbvios, que sempre pareceu brincar com o destino e que sua obra era jazz, samba, soul, rumba, rock e tudo mais ao mesmo tempo.

Luiz Melodia era a radicalidade negra inconformada com os lugares reservados para nós pela branquitude. Ele sacudia, balançava e ria de forma debochada de uma elite branca intelectual que achava que um neguinho do morro do São Carlos tinha que fazer só samba e olhe lá.

Os brancos nos querem estáticos, nos querem tema e adereço de si. Olham-se no espelho narcísico, se veem como universais e ignoram toda e qualquer inventividade que não seja de e sobre eles mesmos.

A recusa radical do mundo branco abre caminhos para a experiência do sensível, do coletivo e do nosso

Melô nos ensina que a nós, pessoas negras, cabe a tarefa de desconstruir as narrativas narcisistas da branquitude, que fragmentam e desumanizam. Ao habitar as fissuras e quebrar os espelhos, construímos novas realidades, onde a humanidade negra floresce nos seus próprios termos. As pérolas negras nascem.

Como habitar esse espaço da quebra da humanidade e se reinventar a partir das condições de vida que temos e também a partir da recusa ao desejo da branquitude? Como se reconhecer nas formas inventivas de vida que não nos sujeitem ao que os brancos nos destinaram e recusar tudo aquilo que nos é oferecido mas também recusar tudo que nos foi negado?

A radicalidade negra perante a branquitude busca não apenas abolir a supremacia branca, mas ruir com o mundo em que a supremacia branca faça sentido e exigir reparação para a fabulação de novos horizontes. A recusa radical do mundo branco abre caminhos para a experiência do sensível, do coletivo e do nosso. Sem expectativas ou desejo pela branquitude.

Somos fortes feito cobra-coral e não abrimos mão de sermos por inteiro e donos do próprio destino. O Mistério da Raça é para quem a usa para hierarquizar e criar gradientes de humanidade, ao passo que a recusa para si e se arvora fora dos espectro racial. Por isso, nós do Observatório da Branquitude fazemos questão de nomear, b-r-a-n-q-u-i-t-u-d-e.

No próximo dia 7, de 9h às 18h na Escola da Cidade, no centro de São Paulo, teremos um seminário com Mikaela Drullard, Saloma Salomão, Ana Flavia Cavalcanti, Ekedji Sinha, Jackson Cruz, Neon Cunha, Bianca Muniz e outros nomes para pensar como desvendar os projetos de dominação e criar um mundo nosso que recuse Narciso e seja um reflexo do espelho de Oxum. Todas as informações do evento serão divulgadas nas redes sociais e no site do Observatório da Branquitude.

Esteja conosco no seminário e veja o filme do Luiz Melodia nos cinemas, ambos são imperdíveis. Vamos fabular um novo mundo?

Thales Vieira é antropólogo (UFF) e cientista social (PUC-Rio). Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-Rio, é fundador e co-diretor do Observatório da Branquitude. Atuou no poder público, em organismos internacionais como o BID, ONU-Habitat e em fundações como o Instituto Unibanco e o Instituto Ibirapitanga. É especialista nos estudos críticos de branquitude e em relações raciais.

Observatório da Branquitude é uma organização da sociedade civil fundada em 2022 e dedicada a produzir e disseminar conhecimento e incidência estratégica com foco na branquitude, em suas estruturas de poder materiais e simbólicas, alicerces em que as desigualdades raciais se apoiam.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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