Winnie Bueno
Tenho direito a menstruar
Em um país onde atualmente pessoas precisam comprar ossos para se alimentar, não é difícil imaginar que absorventes não são acessíveis a todos
Nós vivemos em um país conservador e isso não é novidade. As palavras vagina, útero, menstruação, saúde sexual seguem sendo um tabu. Nesse momento, o conservadorismo avança a passos largos e essa é uma das principais razões para que no século XXI ainda seja preciso militar por algo que deveria ser básico na vida de pessoas que menstruam: dignidade menstrual.
A pobreza menstrual é uma crise sanitária da qual se falava muito pouco no Brasil. A pauta tomou o cenário político brasileiro por iniciativa dos movimentos de mulheres, mas infelizmente o projeto de lei que visava garantir acesso gratuito a itens de higiene menstrual para pessoas que menstruam foi vetado por Jair Bolsonaro.
Cabe portanto o questionamento, o que leva o Executivo nacional a dizer não à dignidade menstrual de milhares de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade tão profunda que são obrigadas a lidar com suas menstruações com folhas de jornal, restos secos de folhas de árvore e miolos de pão? O que leva o Executivo nacional a ignorar o cenário de precariedade sanitária em escolas públicas e presídios, por exemplo, onde pessoas que menstruam são expostas ao constrangimento e a humilhação durante o período menstrual?
O que leva o Executivo a dizer não a milhares de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade tão profunda que são obrigadas a lidar com suas menstruações com folhas de jornal?
De acordo com relatório da Unesco produzido em 2014, uma em cada dez jovens que menstruam não comparecem à escola durante o período menstrual por não terem condições de acessar produtos e recursos de higiene adequados. Além disso, muitas escolas em periferias sequer têm banheiros que possam atender as necessidades menstruais dessas pessoas.
Absorventes são caros. Em média, uma pessoa que menstrua vai gastar entre R$ 92,88 e R$ 247,68 por ano, dependendo de seu fluxo menstrual. Isso significa um gasto total entre R$ 3.250,80 e R$ 8.668,80 ao longo da vida. Em um país onde, atualmente, pessoas precisam comprar ossos para poder se alimentar, não é difícil imaginar que absorventes não são acessíveis a todos. Ou seja, negar acesso gratuito a itens de higiene menstrual é aprofundar o cenário de pobreza e miserabilidade que vivemos.
Lutar pela dignidade menstrual da população brasileira exige uma série de estratégias que devemos popularizar. Desconstruir os tabus em torno dos diálogos sobre menstruação é um deles. Precisamos falar abertamente sobre menstruação, pessoas com aparelho reprodutor feminino menstruam e a vergonha e o estigma sobre o período menstrual precisa ter fim. Produtos de higiene menstrual devem ter distribuição gratuita para todos que necessitam deles. Isso não é uma utopia e já é realidade na Escócia, por exemplo.
Menstruar não pode ser um fator que limite a vida e a dignidade das pessoas e, apesar de ser algo que me cause indignação, passa da hora de lutarmos pelo direito a um período menstrual digno.
Winnie Bueno Winnie Bueno é iyalorixá, pesquisadora e escritora daquelas que gostam muito de colocar em primeira pessoa sua visão do mundo e da sociedade. É criadora da Winnieteca, um projeto de distribuição de livros para pessoas negras
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