Coluna da Bianca Santana: Como ter esperança? — Gama Revista
COLUNA

Bianca Santana

Como ter esperança?

Assim como nossas ancestrais escravizadas sonharam nossa liberdade, é necessário sonhar a justiça racial, de gênero, econômica e ambiental, que será experimentada pelas gerações futuras

17 de Março de 2021

Mais de 280 mil pessoas mortas por covid, a maior parte delas evitáveis. Muita gente com fome. A milícia governando o país em benefício próprio. Excesso de trabalho, angústia. E três anos depois, ainda não sabemos quem mandou matar Marielle.

É difícil levantar da cama.

Mas quem se dedica ao ativismo e à luta coletiva nos convoca à ação que, além de apoiar quem está em situação mais vulnerável, também traz algum sentido a esses dias. A campanha Tem Gente com Fome, da Coalizão Negra por Direitos, com Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, ABCD, @342 artes, Nossas, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrogativas mobiliza nossa indignação para a solidariedade. “Se tem gente com fome, dá de comer”, ouvimos de pessoas anônimas e famosas no vídeo que começou a circular ontem.

“Não nos resta outra alternativa. Buscar formas de manter as ações de nossas organizações nos territórios afetados pela pandemia, garantir a saúde e a vida de lideranças territoriais e membros do movimento negro, aumentar a capacidade de organização e acompanhamento de famílias atendidas e, sobretudo, buscar condições estruturais e financeiras para atender milhares de famílias em extrema pobreza que vivem nos territórios de nossa atuação é o único caminho”, informa o site. “Por isso, organizamos um mapeamento dos territórios e das famílias atendidas pelas ações de apoio humanitário promovidas pelas organizações que compõem esta Coalizão e parceiras”. A partir deste trabalho de base, já foram identificadas 222.895 famílias em periferias, favelas, palafitas, comunidades ribeirinhas e quilombos em todo o país.

Se tem gente com fome, é preciso dar de comer a partir de organizações de movimento negro, comprometidas com a ação política ampla

Mas doar dinheiro basta? Não basta, é evidente. Mas se tem gente com fome, é preciso dar de comer, já ensinaram sabiamente nossas avós. E dar de comer a partir de organizações de movimento negro, comprometidas com a ação política ampla, é diferente do assistencialismo historicamente perverso no Brasil. Não é uma convocação para dar de comer e manter tudo como está. Mas dar de comer em um caminho de emancipação. Dá esperança.

Em janeiro de 2020, ouvi de Gabriela Leandro Pereira, Gaia, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA que nosso trabalho era para daqui a 200 anos. Assim como nossas ancestrais escravizadas sonharam nossa liberdade, é necessário sonhar a justiça racial, de gênero, econômica e ambiental, que será experimentada pelas gerações futuras. Não é só por nós. É tudo pra ontem, como ensinou Emicida. E para amanhã, como me disse Gaia.

Na semana passada, participei de uma aula de pós-graduação de Gaia na UFBA, em uma disciplina chamada “Narrativas Cartográficas, Interseccionalidades e Cidades”. Que grupo vibrante, interessado, criativo! Em duas salas online que somavam mais de cem participantes, o encontro não tinha apenas participação, discussão e formulação teórica a partir de emistemologias negras. Tinha esperança.

Porque apesar do Brasil, há o Brasil.

Bianca Santana pesquisa memória e a escrita de mulheres negras. É autora de 'Quando Me Descobri Negra'. Pela Uneafro Brasil, tem colaborado na articulação da Coalizão Negra por Direitos

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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