Visibilidade Lésbica nas Artes Plásticas — Gama Revista
© Jade Marra

Oito artistas que promovem a visibilidade lésbica em suas produções

Do início do século 20 à contemporaneidade, conheça brasileiras e estrangeiras que exploram a própria sexualidade como tema de suas criações

Mariana Payno 28 de Agosto de 2020

Pensar na existência de uma “arte lésbica” é uma questão complexa. Afinal, apegar-se ao rótulo poderia implicar na perda da liberdade de se debruçar sobre outros assuntos — senão a própria sexualidade — quando se é uma artista lésbica. Por outro lado, não raro as experiências pessoais da criadora acabam se expressando na criação. “A subjetividade está sempre vazando pela ponta dos dedos”, diz a artista e pesquisadora Mariana Pacor, que dedica seus trabalhos criativo e científico ao tema e defende, no entanto, o direito de se desenvolver fora dessa esfera.

“Acho que os trabalhos feitos por lésbicas sempre ganham essa camada de interpretação, embora não devam se limitar a ela. O mais importante é que essa camada possa ser analisada numa obra lesbiana, sempre, mesmo que não haja temática lésbica explícita”, explica ela a Gama. Muitas artistas, porém, abordam a questão da sexualidade deliberadamente em suas produções — o que promove, e promoveu ao longo da história, movimentos importantes de visibilidade. A seguir, apresentamos algumas delas.

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    Zanele Muholi (1972)

    A subversão da heteronormatividade na África do Sul

    “Uma ativista visual.” Não é à toa que a fotógrafa sul-africana Zanele Muholi se define dessa maneira: sua obra que já viajou por instituições como o Brooklyn Museum, em Nova York; o Autograph, em Londres e o Stedelijk Museum, em Amsterdã tira da invisibilidade as pessoas LGBTQI+, negadas e hostilizadas em sua terra natal. “O mais importante é assegurar que teremos um arquivo vivo de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais da África do Sul de hoje, porque muitas vezes somos esquecidos. Estamos aqui e existimos como quaisquer outros membros da sociedade”, disse ela na ocasião da premiação do seu trabalho pela instituição espanhola Casa África. Assim, Muholi rompe o tabu, revelando identidades diversas no contexto sul-africano pós-colonial e pós-apartheid. Dentro dessa proposta, a artista co-fundou a organização Forum for the Empowerment of Women, com a proposta de criar um espaço seguro para as mulheres negras e lésbicas. São elas, sobretudo, que ganham protagonismo em suas séries fotográficas, como “Faces and Phases” (2007), depois transformada em livro. 

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    Romaine Brooks (1874-1970)

    Visibilidade em meio às vanguardas de Paris

    Não só Picasso, Dalí e Matisse lideravam vanguardas parisienses no começo do século 20. A capital francesa também abrigou a pintora ítalo-americana Romaine Brooks, personalidade icônica entre uma turma de expatriados LGBTQI+ que transitavam pela cena da contracultura boêmia na cidade. Os nus pintados por Brooks lhe renderam comparações com nomes como Francisco de Goya e Eugène Delacroix. Foi, no entanto, pelas figuras de mulheres vestidas com roupas masculinas, que a artista se consagrou como uma das primeiras a trabalhar conscientemente a imagem da mulher lésbica em suas telas é o caso do famoso “Autorretrato” (1923), em que ela posa de cabelos curtos, chapéu, camisa e sobretudo. A androginia das personagens de Brooks fez o interesse pela sua obra reviver nos anos 1980, e a artista ganhou uma biografia em 2015. 

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    Galf: Grupo de Ação Lésbica Feminista (1980-1987)

    O começo do ativismo lésbico no Brasil

    Criado pelas militantes Miriam Martinho (1954) e Rosely Roth (1959-1990) — pioneiras do movimento LGBTQI+ no Brasil — e considerado a primeira organização política de lésbicas no Brasil, o Galf também deixou sua marca na arte. Entre 1982 e 1987, o grupo editou o Chanacomchana, primeira publicação ativista lésbica do país: com ares de zine, o boletim trazia textos, desenhos e charges idealizadas pelas integrantes do Galf. Foi a mobilização pelo direito de distribuir o Chanacomchana no Ferro’s Bar, ponto de encontro LGBTQI+ da noite paulistana na década de 1980, que deu origem ao Dia do Orgulho Lésbico no Brasil. A história do Galf e do boletim — que é também a história de luta das mulheres lésbicas no país  é lembrada por arquivos nacionais, como o Bajubá – Memória LGBT e o Acervo Edgard Leuenroth, da Unicamp. Exemplares do Chanacomchana também integraram a mostra “História da Sexualidade” (2017-2018), no Masp, em São Paulo. 

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    Jade Marra (1992)

    Outros corpos e afetos em cena

    A mineira faz parte de uma nova geração de artistas que explora a relação entre corpos, fora dos padrões sociais, em suas pinturas — e, nesse processo, sua experiência pessoal como mulher lésbica ganha relevância. “Ser lésbica carrega em si signos e referências estéticas próprias que, por serem constituintes da minha própria vivência, se fazem também presentes no meu trabalho”, diz ela a Gama. Colocando o próprio corpo em perspectiva, Marra dá visibilidade a reflexões sobre gênero e ao afeto entre mulheres. “Felizmente o meio da arte tem acolhido cada vez mais (ainda pouco, mas cada vez mais, e em decorrência de muita luta) artistas que não se encaixam no padrão hétero-branco-cis normativo, e essa conquista de espaços por essas corpos é o que realmente faz a diferença”, avalia a artista, que já expôs em diversas galerias brasileiras e hoje é representada pela Celma Albuquerque, em São Paulo. 

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    Mickalene Thomas (1971)

    O protagonismo das mulheres (e amantes) negras

    “Sempre foi uma afirmação política”, disse ao Financial Times a americana Mickalene Thomas sobre a decisão de representar mulheres negras em suas pinturas, fotografias, vídeos e instalações. A marca registrada da artista — que tem suas obras em coleções de importantes museus, como o Moma e o Guggenheim, em Nova York, o Museum of Fine Arts de Boston e o Art Institute de Chicago — são os retratos de suas musas da vida real em poses e cenários extravagantes. Suas telas, por exemplo, são monumentais: quadros de grandes dimensões, com muita cores em tinta acrílica, colagens de estampas, pedras e glitter. Ao dar às mulheres negras protagonismo na arte, Thomas frequentemente representa suas parceiras, revolucionando também a imagem das relações afetivas e sexuais — já que ela acredita que a forma como as mulheres se veem é diferente do olhar masculino, muitas vezes objetificador, como relatou ao Financial Times: “A única objetificação é meu desejo de reproduzir a feminilidade delas”.

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    Mariana Pacor (1989)

    Uma historiografia da arte lésbica

    Artista e pesquisadora, a carioca Mariana Pacor dá atenção à visibilidade lésbica de diversas formas em seu trabalho. Para ela, a questão “veio e foi e voltou” em diferentes fases de vida. “O começo da minha produção foi muito centrado na minha experiência de mundo, sendo eu sapatão, a lesbianidade entrou por esse caminho, o da subjetividade”, explica. “Quando entrei na faculdade de artes, me afastei das experiências do eu. Procurei elaborar temas universais e universalizantes, supostos temas ‘sem gênero’ ou ‘sem sexo’.” O assunto veio de novo à tona em seus desenhos e peças de cerâmica quando ela passou a estudar a imagética lésbica na França e no Brasil — o que é tão importante para criar visibilidade quanto as próprias produções artísticas. “Fazer uma historiografia que busca similaridades e/ou diferenças entre a produção de artistas lésbicas é destruir uma história da arte única, europeia, das escolas modernistas. É destruir o sujeito universal: o homem branco. É construir narrativas possíveis, mundos possíveis, histórias possíveis.”

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    Berenice Bing (1936-1998)

    O encontro com a própria identidade na abstração

    Quando pensamos em expressionismo abstrato, nomes como Jackson Pollock (1912-1956) e Mark Rothko (1903-1970) são os primeiros evocados. Mulher, descendente de chineses, lésbica e uma geração mais nova, a americana Berenice Bing não foi tão celebrada pela história, apesar de ter o talento reconhecido e preservado por prêmios e por coleções como a do Fine Arts Museum de São Francisco, cidade onde nasceu. Foi nas cores e formas difusas da abstração, combinadas a filosofias orientais, que Bing encontrou uma voz original para expressar a própria e complexa identidade — rompendo, com isso, o padrão cultural branco e heteronormativo das famílias adotivas que a criaram depois da morte da mãe. A vida e a arte de Bing foram tema de um documentário dirigido pela premiada cineasta e ativista LGBTQI+ Madeleine Lim. “É um crime que seu trabalho não tenha sido reconhecido da mesma forma que outros foram”, diz uma das entrevistadas do filme.

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    Ani Ganzala (1988)

    A busca pela representatividade negra e lésbica

    Para a ilustradora e grafiteira baiana Ani Ganzala, traduzir sua identidade como mulher negra e lésbica em coloridos desenhos foi uma forma de criar um mundo em que ela “se visse e em que fosse possível existir”. “Tudo começou de forma muito autobiográfica. Com a minha aceitação do que era ser lésbica, veio também a consciência da invisibilidade do que é ser sapatão e preta e não me ver em nenhum tipo de mídia, de arte”, conta ela a Gama. “De alguma forma isso alcançou também outras sapatonas pretas que se identificavam com o que eu fazia ou viam a importância do meu trabalho para o movimento.” Assim, a experiência da negritude e o amor entre mulheres se tornaram protagonistas da arte de Ganzala, que busca em pensadoras como Octavia Butler e Audre Lorde as referências para as próprias reflexões. “Qualquer arte que a gente faça já é uma arte ativista, porque no momento em que trazemos a nossa narrativa ou mesmo denunciamos experiências de opressão, isso já é um ato político”, avalia. Ela defende, porém, que artistas lésbicas tenham liberdade para abordar outros temas em suas produções — o que, no seu caso, são as raízes ancestrais africanas, a maternidade e a ligação com a terra e a natureza. 

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