Artigo

O golpe fracassado impune é convite ao golpe bem-sucedido: não repetiremos o erro

O que ocorreu no STF não foi apenas um julgamento criminal. Foi a oportunidade de mostrar que o país aprendeu com sua própria história, escreve o advogado Pedro Abramovay

Pedro Abramovay 12 de Setembro de 2025

Tentativas de golpe no Brasil não são raras. Algumas foram bem-sucedidas; outras, fracassadas. Essas últimas, compreensivelmente, costumam ocupar menos espaço nos livros de História. Mas ignorá-las é um erro — especialmente quando se tornam precedentes perigosos.

Ao longo do século XX, o Brasil viveu apenas breves períodos de estabilidade democrática. É difícil considerar a República Velha uma democracia plena, e o período getulista tampouco se enquadra nesse conceito — mesmo com o breve intervalo constitucional entre 1934 e 1937. A democracia se consolidou de forma mais significativa entre 1946 e 1964, e novamente após a eleição direta de 1989.

Hoje, do lado de cá da História, podemos observar o período entre 1946 e 1964 como uma linha contínua de tentativas de golpe, reações institucionais e, por fim, o colapso democrático em 1964. Diversas conspirações foram arquitetadas para impedir a posse de Getúlio Vargas, outras para removê-lo do poder. Mas talvez a mais grave tentativa tenha ocorrido após a eleição de Juscelino Kubitschek.

Conhecida como Novembrada, essa tentativa de golpe teve origem na contestação das regras eleitorais. A legislação da época não previa segundo turno: o candidato mais votado no primeiro turno era considerado eleito. Juscelino obteve 35% dos votos e venceu. No entanto, forças conservadoras — especialmente os apoiadores do candidato derrotado Juarez Távora, entre eles o governador da Guanabara, Carlos Lacerda — recusaram-se a aceitar o resultado, alegando que um presidente sem maioria absoluta não poderia tomar posse.

Durante o funeral de um general anti-getulista, o coronel Jurandir Mamede proferiu um discurso inflamado, afirmando que o Brasil vivia uma “mentira democrática” e conclamando um golpe de Estado. A conspiração ganhou apoio de setores militares, do presidente interino Carlos Luz e de Carlos Lacerda. O golpe foi frustrado por uma ação firme do marechal Henrique Teixeira Lott, que mobilizou tropas e tanques para proteger a Constituição. Os golpistas embarcaram no cruzador Tamandaré, planejando formar um governo paralelo, mas fracassaram diante da falta de apoio militar e da recusa do governador paulista Jânio Quadros.

As semelhanças entre 1955 e 2022 são notáveis: ataques ao sistema eleitoral, discursos inflamados contra a democracia, mobilização de líderes militares e, por fim, o fracasso do golpe por falta de adesão das Forças Armadas.

A democracia é uma conquista que exige defesa constante. Respostas firmes contra aqueles que tentam suprimir o regime democrático são condição para sua sobrevivência

Mas há uma diferença crucial: nenhum dos envolvidos na Novembrada foi punido. Carlos Lacerda continuou sua carreira política como opositor de Juscelino. Carlos Luz foi eleito deputado federal em 1958 e morreu no cargo em 1961. Jurandir Mamede seguiu sua trajetória militar, chegando a general de Exército durante o regime militar.

Qual foi o custo para os golpistas de 1955 por atentarem contra a jovem democracia brasileira? Nenhum.

Essa impunidade contribuiu para a resistência militar à posse de João Goulart em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. A solução não foi punir os conspiradores, mas instaurar um regime parlamentarista que esvaziava os poderes do presidente.

Essa sucessão de tentativas de golpe sem consequências pavimentou o caminho para o general Olympio Mourão Filho — que já havia participado do golpe do Estado Novo em 1937 — sair com tropas de Minas Gerais rumo a Brasília, em 31 de março de 1964, para depor o presidente. O golpe foi bem-sucedido, e o Brasil mergulhou em mais de duas décadas de ditadura. Mourão sabia que, mesmo se fracassasse, sua carreira militar permaneceria intacta.

Quando o ex-capitão Jair Bolsonaro, após construir sua trajetória elogiando o regime militar, perdeu a reeleição, foi essa certeza de impunidade — enraizada na história benevolente do país com seus golpistas — que o encorajou a convocar comandantes militares e tentar um golpe de Estado.

Mas o Brasil era outro. Nossas instituições estavam mais preparadas. O que ocorreu no Supremo Tribunal Federal em setembro de 2025 não foi apenas um julgamento criminal. Foi a oportunidade de mostrar que o país aprendeu com sua própria história.

A democracia é uma conquista que exige defesa constante. Respostas firmes contra aqueles que tentam suprimir o regime democrático são condição para sua sobrevivência. Isso não é teoria — é o que nos ensina a nossa história.

Pedro Abramovay é advogado, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB), doutor em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi Secretário Nacional de Justiça e atualmente é vice-presidente da Open Society Foundations.